Plinio de Arruda Sampaio completaria hoje 90 anos.
Entre tantas outras coisas, temos na memória o Plinio relator e um dos principais articulares do projeto de reforma agrária no Governo de Jango, deputado constituinte e suas marcantes candidaturas ao governo do estado de São Paulo (1990 e 2006) e à presidência da república em 2010.
Há um fato que poucos sabem: Plinio foi um dos responsáveis por receber e garantir aos exilados brasileiros dignidade, trabalho e moradia em terras chilenas. Ele e a família fugiram do Chile um pouco antes do golpe que matou Allende e ceifou dezenas de milhares de vidas.
Separamos uma carta escrita por ele em março de 63, dias antes do golpe civil-militar, para um apoiador em Sorocaba. A carta contem uma atualidade única.
Março de 1964
Prezado companheiro
Certa imprensa tem insistido em me chamar de “totalitário”, “inocente útil” do comunismo, extremista etc…
Visitando bairros e cidades, notei que até alguns companheiros meus foram abalados por essa propaganda.
Vamos, hoje, esclarecer este problema.
Montou-se neste país uma indústria rendosa: a indústria do anti-comunismo. Os grandes milionários, as grandes empresas nacionais e estrangeiras, os latifundiários, enfim, todos aqueles que auferem proferem da situação de miséria do povo uniram-se contra os que se levantam para reparar essa injustiça. Montaram uma enorme máquina publicitária e descobriram que o melhor meio de defender seus privilégios é acusar todos os que querem combatê-los de comunistas, porque sabem que o povo brasileiro repudia o comunismo.
Usando esse expediente, o grupinho mínimo de privilegiados consegue a adesão de um grande número de pessoas, bem intencionadas, trabalhadoras, honestas, vítimas também do capitalismo, mas que não conhecem a realidade nacional e não percebem que estão sendo usadas como biombo por êsses exploradores. Desta forma, eles conseguem manter a situação atual, ruinosa para a grande maioria do povo, mas benéfica para êles.
Controlando os grandes meios de divulgação (rádio, imprensa e TV) essa minoria mente, esconde fatos, inventa-os, calunia, difama e não permite que o povo tome conhecimento da verdadeira situação do país, da exploração que sofre, dos responsáveis reais pela miséria, pelas favelas, pelo analfabetismo, pela brutal carestia da vida.
Quem levanta a voz contra êles, quem ousa denunciá-los, quem apresenta projetos de lei visando limitar seus fabulosos lucros e distribuir sua imensa riqueza, é logo taxado de comunista. E tanto repetem esta acusação nos jornais, rádios e TV, que muitos acreditam.
Eu, porém, não temo o arreganho dessa gente. Todos sabem que sou cristão e que, embora não faça praça disso para conseguir votos, como alguns velhacos o fazem, tôda minha vida pública tem se pautado na defesa dos princípios sociais cristãos. Ora, nada mais distante do capitalismo imperialista e ateu do que a concepção cristã de vida. Segundo esta, todo homem é um ser espiritual, dotado de uma dignidade sobrenatural, que lhe vem da filiação divina. Logo é inadmissível, para quem compreende o homem como filho de Deus, a permanência de uma ordem social na qual milhões de homens vivem em situação degradante, sem possibilidade de acesso sequer àquele mínimo de bens materiais indispensáveis à existência digna. O cristianismo não tem, portanto, nenhum compromisso com a atual estrutura capitalista da sociedade brasileira. Daí porque os cristãos autênticos estão ao lado das reformas de base. São elas que podem libertar nosso país do domínio econômico das nações mais ricas e libertar o povo das dificuldades que o esmagam.
Infelizmente nem todos os cristãos lutam por essas teses. Muitos chegam até a se juntar às forças contrárias ao povo, enganados que estão pela propaganda maciça dos reacionários.
Precisamente por causa dessa omissão dos cristãos, homens de várias ideologias, marxistas, socialistas, comunistas, democratas sinceros lutam hoje, nas mais diversas entidades, C.G.T., UNE, Contag, F.M.P., F.P.N., por um programa comum de reformas, uma vez que os partidos fracassaram na tarefa de realizá-las.
Pergunto eu, então: porque não podemos nós, os cristãos, somar nossas forças nessa luta, atuando dentro dessas entidades, para vencer o inimigo comum: o capitalismo interno e internacional? Evidentemente, não se trata de uma fusão. Nem de uma aliança com os comunistas, mas da nossa presença em organismos representativos de grandes parcelas do povo e que, hoje, constituem a vanguarda popular do país, embora não se negue que nelas atue também uma minoria comunista. Não abrimos mão dos nossos princípios. Admitimos apenas uma convivência episódica com o objetivo de vencer um obstáculo imediato. Convivência esta que só existirá na medida e enquanto forem absolutamente respeitados os princípios cristãos. Afinal, Inglaterra e U.S.A. não se uniram à Rússia para combater o nazismo? Na Itália, o P.D.C. não se aliou ao Partido Socialista? A França não acaba de restabelecer relações com a China comunista? Nesse momento, a tarefa dos cristãos não é a de perder tempo num anti-comunismo estéril e histérico, mas a de lutar contra os trustes, os monopólios, os latifundiários, aceitando a colaboração de todos os que quiserem ajudar nessa luta.
Para os que nos acusarem de inocente úteis, temos uma resposta: estamos conscientes de que a nossa posição de convivência, hoje, nos obriga a redobrar esforços para não sermos tragados amanhã.
Mas, êste esforço é precisamente a pregação da verdade, a luta contra as injustiças, a doutrinação acerca da mensagem cristã, a organização das nossas forças, a nossa sinceridade na defesa dos interesses do povo. Comunismo não se combate com cadeia, nem com a campanha histérica do Mac ou do sr. Lacerda. Comunismo se combate, eliminando as injustiças sociais, que são o seu fermento. Se agirmos dessa forma, porque haveremos de crer que o povo, no fim, seguirá a eles e não a nós? Não acreditamos então na força das nossas ideias, no poder que elas tem de convencer?
Devo dizer que esta posição não é apenas minha. Muitos cristãos da mais alta autoridade a esposam. Outra não é a palavra de João XXIII na Pacem in Terris:
“Os encontros nos vários setores da ordem temporal, entre católicos e pessoas que não tem fé em Cristo ou têm-na de modo errôneo, podem ser para estes ocisão ou estímulo para chegarem à verdade”. n. 158
Para não citar autoridades eclesiásticas, julgo suficiente lembrar o nome do Dr. Alceu Amoroso Lima. Quem lê os artigos deste líder católico verificará a concordância dele com posições que tenho assumido.
Penso que é de meu dever arrostar estas lutas e estas incompreensões. Não fui eleito para me acomodar, mas para exercer o meu mandato plenamente, votando de acordo com a minha consciência. E me diz que este é o caminho certo para o Brasil.
Os meus companheiros, aqueles que não acreditam nessas calúnias, os que estão solidários comigo podem me ajudar muito nesta luta. Comuniquem-me imediatamente suas dúvidas acerca das minhas posições (responderei com o maior prazer). Procurem estudar e conhecer melhor a realidade do país. Organizem grupos de brasileiros, afinados com o sentimento da reforma, que se disponham a uma campanha de esclarecimento e de luta pela concretização delas.
Como esta carta está ficando muito longa, deixo para a próxima o relato acerca do problema do P.D.C., bem como acerca dos projetos de minha autoria, em andamento na Câmara. Por hoje, basta dizer-lhe que é falso o noticiário dos jornais, no sentido do nosso ingresso no P.T.B.. Estamos em luta com o Diretório Nacional, mas continuaremos no Partido, até se esgotarem todas as possibilidades de colocá-lo a serviço do povo brasileiro e fazê-lo fiel à mensagem democrata-cristã.
Um abraço
Plínio Sampaio
Deputado Federal