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por Fábio Campos1
O jovem século XXI apresenta a incompatibilidade entre o sistema capitalista e a vida na terra. A centralização do capital financeiro internacional produz riqueza concentrada em um número restrito de pessoas, enquanto o resto da humanidade habita o reino da miséria. Definido por sua mundial atuação como capital fictício, assim como pela dilatação incessante de espaços de acumulação com enorme mercantilização da sociedade, o capital financeiro produz, como sempre fez, as principais estruturas de dominação nas quais o imperialismo se recicla. A força deste monstro oligárquico que comanda as dimensões industriais, comerciais, agrominerais, computacionais e militares do capital se revela nas redes de poder que, ao socializarem a produção capitalista num patamar inédito, se apropriam privadamente dos frutos desta valorização. O resultado é um apartheid social entre um condomínio de megacapitalistas que já começam a contar seu estoque de riqueza na casa dos trilhões de dólares, e a maioria da humanidade subempregada ou vivendo no limite da sobrevivência. Essa valorização incessante impõe uma crise de reprodução social do sistema, uma crise estrutural, na qual a superacumulação do capital não cessa. Sua gestão implica não prosperidade, distribuição da renda ou criação de emprego, mas sim destruição do mundo do trabalho e extermínio da natureza.
Umas das faces desta quadra histórica se mostra pelo próprio processo de desglobalização. A potência capitalista hegemônica, os EUA, enfraquecendo-se economicamente, vai dando sinais de desacoplamento da potência em ascensão que é a China – verdadeira fábrica do mundo. Como já vimos algo semelhante acontecer, tal movimento de substituição no padrão de dominação implica acirramento das contradições da concorrência intercapitalista, provocando guerras mundiais antecedidas por guerras comerciais. A disputa de mercados, territórios e força de trabalho no limiar do século XX entre a Inglaterra em queda e os impérios em ascensão – EUA, Alemanha e Japão – redundou em duas guerras mundiais que, além de aniquilarem 100 milhões de pessoas, introduziram ao término deste ciclo de barbárie a possibilidade de fim absoluto da humanidade pela bomba atômica. Apesar de ter superado a depressão advinda da Crise de 1929 com “os anos dourados”, tal estágio fincou as bases da crise estrutural do capital que vivemos.
O momento em que presenciamos a chegada de Trump ao poder recoloca aquilo que “a etapa superior” do capitalismo sempre anunciou, a decadência liberal burguesa. A proposta de desordem internacional do presidente estadunidense está em linha com os limites técnicos e produtivos da economia hegemônica, visto que se mostra como uma estratégia imperialista, sem filtros, diante das jogadas geopolíticas dos adversários, como China e Rússia. Internamente, a população estadunidense sofre um esgarçamento social, principalmente os mais vulneráveis, como afrodescendentes e imigrantes, perante uma economia em regressão. A promessa de reindustrialização de Trump, importando a estrutura produtiva da China composta de milhares de filiais de empresas estadunidenses para criar renda e emprego em seu país, mostra-se uma utopia de difícil materialização. Ao mesmo tempo, o anúncio de anexações territoriais, como o Canal do Panamá, Canadá, Groenlândia e Faixa de Gaza, a fim de frear a ampliação das áreas de influência alheias, também se revela como uma aposta de alta complexidade diante da disputa comercial que se converte em bélica.
Com a emergência climática e nuclear na ordem do dia, e o capital financeiro livre, se valorizando, sem uma oposição anticapitalista à altura, o imperialismo tende a levar a humanidade ao abismo. Os EUA estão em declínio, porém, a economia mais forte do globo e com poderoso complexo industrial-militar sedento por negócios globais, dispondo de vastos arsenais, não vai cair sem atirar, atirar muito. Desse modo, encerra-se a breve fantasia liberal globalizante, em que o Governo Trump catalisa um processo de choques imperialistas intermitentes com características do século XXI. O horizonte que nos aguarda é de catástrofe, portanto, sombrio.