A crise do PSOL

ou Atualização de Programa para eludir balanço inadiável de tarefas recentes

Por Milton Temer1, em 31/01/24

ESTÁ EM GESTAÇÃO NO PSOL um processo de revisão do Programa fundacional do Partido. Nada a contestar, a princípio. Lenin, em abril de 1917, propunha aos Bolcheviques a palavra de ordem “Todo Poder aos Sovietes!”. Em outubro, a dualidade de poder então instalada tornava desnecessária essa palavra de ordem e superável por outra muito mais condizente com a realidade concreta de então: “Pão, Paz e Terra!”.

O PROBLEMA está, preliminarmente, na razão dessa abrupta preocupação, como se em algum momento o programa fundacional tivesse sido a razão para tomadas de posição, e não os programas específicos das diversas campanhas presidenciais. Vem agora, pode-se explicar, pela deliberada vontade de eludir o debate sobre os nossos problemas a partir da Resolução que nos colocou a reboque do lulopragmatismo, sob a bandeira de uma irrealizada independência. 

MAS NÃO MENOS importante é o fato de tal processo ter vindo a público em entrevista da presidente do Partido à Folha de São Paulo, de onde transcrevo o parágrafo onde ela apresentava como referência a tal plano de revisão duas categorias nefastas a quem pensa numa estrutura anticapitalista, classista, com objetivo estratégico do Socialismo. A jovem afirma que é preciso considerar, na mudança de conjuntura, a partir da fundação do Psol, o “empreendedorismo” e o “identitarismo”.

“Em 2005, quando o Partido foi fundado por dissidentes do PT, temas como a agenda ambiental, questões identitárias e o empreendedorismo não tinham o peso de hoje.” O Partido precisa incorporar esses assuntos em seu programa”, diz Coradi.

ESSA PROPOSTA é reveladora do grau de pauperização teórica que assola boa parte da juventude atual, na qual não posso deixar de incluir até parte expressiva de nossa militância. Tratam com arrogância e desprezo os clássicos da teoria revolucionária, que certamente sequer chegaram a folhear. “Socialismo do século XX, superado”, ou “Trabalhador também bate em mulher”, para justificar abandono da luta de classes e assumir o identitarismo que justifica a luta setorial isolada da luta totalizante, eu já ouvi de parlamentar do Partido em debate público. 

NÃO CONHECEM NADA das lutas históricas desde a Revolução Francesa, e não conhecem quase nada da História do próprio Psol em suas décadas combativas, radicais, que começam a perder o fulgor inicial exatamente quando essa atual geração de dirigentes nos vem impor a necessidade do imobilismo. Vem nos impor apoio incondicional a um governo que marcha célere para um social-liberalismo, num transformismo regressivo incessante, em nome de um anódino combate à ameaça fascista. Ameaça que o exemplos da Europa comprovam ser muito melhor enfrentada com clareza na luta de classes do que com acomodação ao “ruim, mas é o que temos”.

O TRÁGICO é vê-los e ouvi-los repetir críticas sobre a morte de paradigmas que marcaram os combates que Lenin já empreendia contra os revisionistas na passagem do século XIX para o século XX, em um nível teórico sofisticado. E ver que agora vêm vulgarizados e corrompidos pelas vagas do modismo cultural-ideológico pós-moderno, ditado pelas lavagens cerebrais dos meios de comunicação a serviço do grande capital.

SE A JOVEM presidente do Psol se interessasse em, pelo menos, conhecer pontos mínimos da Revolução Francesa, veria que considerar “empreendedorismo” e “identitarismo” como pontos referenciais em um programa de partido que nasceu classista e revolucionário soa até anacrônico. Robespierre, para sua eleição aos Estados Gerais, em 1789, tinha como eixo de campanha três itens, que se somavam à sua militância contra a pena de morte: (i) educação gratuita obrigatória, (ii) tributação progressiva (iii) sufrágio secreto universal, sem restrições censitárias de nenhum tipo.

Tais itens não são ainda demandas de absoluta atualidade no Brasil e em boa parte do planeta?

SE A JOVEM presidente do Psol se interessasse em ir um pouco adiante, pulando o que se discutiu nas revoluções de 1848 e na Comuna de Paris em 1871, para chegar aos debates entre as duas tendências da então social-democracia revolucionária, nas vésperas da Revolução de 1905 na Rússia, ela se arrependeria desse destaque que tornou público, com a consideração “identitária” e “empreendedorística” dos pontos de avanço programático.

CITO ESSES DOIS MOMENTOS marcantes da História porque são momentos em que as relações sociais e o desenvolvimento das forças produtivas nos fazem retornar ao que cabeças pensantes da atual Esquerda internacional já classificam como “feudalismo tecnológico”. Porque se trata de cenários sociais em que era difícil definir o agente histórico da Revolução. Na Rússia, o peso do campesinato sobre o da classe operária desenhava uma fragmentação semelhante à que nos atropela na sequência da Revolução Digital conduzida sob a égide dos interesses do capital privado e de suas classes dominantes. Uberização, Terceirização, Informalidade, essas são as sequelas contra as quais temos que encontrar alternativa rupturista.

O QUE NÃO PODEMOS, nem devemos, é usar essa necessidade teórica para eludir a necessidade conjuntural inadiável de um balanço concreto sobre os caminhos impostos ao Psol a partir da campanha presidencial de 2018, com seu ápice no principal embate de 2022, a campanha municipal de São Paulo.

DEIXEM A TEORIZAÇÃO do “empreendedorismo” e do “identitarismo” por conta da Fundação Roberto Marinho, que tem mais “nouráu” que esse moderado e desinformado campo majoritário do Psol.

Referências

  1. Milton Temer é jornalista e militante político. Foi oficial da Marinha, cassado no golpe de 1964, além de deputado estadual e deputado federal pelo Rio de Janeiro.

3 comentários sobre “A crise do PSOL

  • 6 de fevereiro de 2025 at 12:23 am
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    Uma bela reflexão!

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    • 6 de fevereiro de 2025 at 8:06 pm
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      Milton sempre preciso.

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  • 21 de fevereiro de 2025 at 3:52 pm
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    Excelente artigo que nos impõe, cada vez mais, a sempre árdua tomada de novos caminhos.

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