por Veridiana Zurita1
“Mãe, vou votar no Lula”. Enquanto assistia ao último episódio de uma série qualquer de super-heróis, a criança justificou: “o Bolsonaro é mau, o Lula é o único que pode derrotar ele”. O dualismo simplista daquela fala me tombou, mas no final das contas era real. É real. A limitrofia do debate político nestas eleições chegou a tal ponto que a percepção infantil replica a narrativa do vilão e mocinho, produzida na tela e fora dela. Tudo que nos resta é tirar Bolsonaro, pra poder respirar. Precisei ser pedagógica com meu filho. Explicar o voto em uma candidata da esquerda radical pareceu impossível. Provavelmente impossível pra mim mesma, diante da realidade do momento. Perdão Sofia, não tive a radicalidade que desejava pra votar em você. Meu voto foi pro Lula sem nenhum entusiasmo, mas foi. Voto decidido na última hora. Literalmente engasgado até o exato momento de apertar 13. Ver a cara do Alkcmin na tela deu pavor, tremedeira. De novo um susto que a realidade deste momento nos dá, titubiei. Talvez cancelar? Não dá tempo, confirmei.
Acompanhar a apuração do primeiro turno das eleições de 2022 foi frustração prevista. Quem ligou a TV ou o que seja com a ânsia de uma vitória no primeiro turno, embarcou na pura ilusão. Ilusão em que a maioria que votou 13 embarcou, e até mesmo quem não. Aquela esperança abstrata que motivou boa parte da campanha contra Bolsonaro mostra que o amor vence o ódio, só que não. O amor não vence o Bolsonarismo, muito menos se estiver preso nas urnas e não convocado nas ruas. Amor de urna não vinga.
Diante da apuração, o narcisismo político da esquerda se viu diante de uma imagem fixada no tempo. Tempo que já foi e que não voltará, apesar de apelarmos para “O Brasil vai ser feliz de novo”. A primeira uma hora e meia da apuração nos fez reviver a disputa Dilma x Aécio, nos fez cobrar legitimidade das pesquisas, nos constrangeu diante da confiança que depositamos nelas e até nos fez perguntar “mas Bolsonarista não responde pesquisa?” A cada mudança das porcentagens presidenciais assinalando a virada, uma parte do bar – já bêbada e com bandeiras como capas – cantava Lula Lá, enquanto a outra observava a força do Bolsonarismo, já que a distância entre os dois se mostrou limítrofe. O clima mudava, entre a expectativa de vencer no primeiro turno, o medo de nem chegar no segundo e o olhar atento confirmando a porcentagem de que lá chegaremos.
Depois da boca seca por esperanças frustradas, ainda houve celebração diante dos deputados, deputadas, senadores e senadoras do campo da “esquerda”. Sim, colocarei entre aspas. Celebremos? Algumas. Mas acordemos do entorpecimento mimado de uma esquerda que parece não suportar um processo político sem promessa de gozo. Talvez essa não seja a hora de gozar. Não, não é. Que o narcisismo político da esquerda saiba lidar com isso, mas o Bolsonarismo venceu. E isso não é um ponto final. Dizer que venceu é uma percepção daquilo que se apresenta na realidade do momento, não daquilo que queremos ver nele. Mesmo depois da tragédia dos últimos quatro anos há um tipo de desejo que continua mobilizado pelo Bolsonarismo. Desejo que continuará, sem ou com seu líder. O Bolsonarismo foi capaz de substituir a direita clássica e obrigar a esquerda a se diluir cada vez mais ao centro. Está nas entranhas da articulação política, diretamente presente e produzindo um esquerda reativa. Precisaremos ir até lá, até as entranhas desse processo, se quisermos sair desta esquerda acuada, ou ainda, desta esquerda que acua a si mesma.
Referências
- Veridiana Zurita – Artista, pesquisadora e ensaísta, bacharel em Comunicações das Artes do Corpo pela PUC-SP, mestre em Artes Visuais pelo DAI – NL. Atualmente é mestranda no Programa de Ciências Humanas e Sociais na UFABC e constrói o coletivo Tecno-Antivigilantismo. Para conhecer mais seus trabalhos acesse www.veridianazurita.com