Armadilhas e alternativas nestas eleições

por Carlos Alberto Bello1, Cibele Saliba Rizek2 e Thomaz Ferreira Jensen3

Passamos por uma crise socioeconômica e política de gravidade raras vezes vista em nossa história. Sair dela não só será muito difícil como também requererá bastante tempo e muitas ações nas esferas da sociedade, da economia e do Estado.

Este quadro tão complexo expressa-se em inúmeros dramas, mas também nos coloca diversas armadilhas, que precisam ser evitadas para podermos constituir alternativas eficazes e sair desta gravíssima situação.

No âmbito da economia e do trabalho, o crescimento do PIB é pífio, bem como da ocupação, resultando em elevado contingente de trabalhadores desocupados ou subutilizados desde a crise iniciada em 2014 e que ainda não foi, em nenhum momento, nem mesmo parcialmente, revertida. Esta crise consolidou processos estruturais que bloqueiam a perspectiva de um crescimento estável em longo prazo, notadamente a desindustrialização da economia e o baixo crescimento da produtividade do trabalho. 

Para enfrentar esta situação, é preciso evitar a armadilha de apostar que mudanças nas políticas macroeconômicas e setoriais ao alcance do Estado atual podem reverter a situação. Reindustrializar de fato setores ou parte de cadeias setoriais, hoje muito dependentes de insumos e componentes manufaturados importados, requer a articulação de diversos procedimentos de grande complexidade. Haja vista que mesmo no auge da popularidade dos governos do PT houve apenas algumas iniciativas em certos setores, sem nenhum resultado significativo em termos gerais e que, aliás, foram interrompidas nos últimos seis anos. Esta articulação exige recursos financeiros expressivos e ações políticas no âmbito do Mercosul e da OMC, além de enfrentar oposição de segmentos importadores e de uma opinião pública preocupada com eventuais aumentos de preços. 

No âmbito específico do trabalho, a armadilha é semelhante e ainda mais evidente, ao se apostar que a situação melhora apenas em decorrência de efeitos provenientes de mudanças nas políticas macroeconômicas. Sem reverter as reformas trabalhista e da previdência aprovadas anteriormente, que incrementaram a precarização das ocupações, a fragilização dos Sindicatos e do acesso à Justiça do Trabalho, uma eventual reação da economia terá efeitos muito limitados sobre a massa salarial, dado o quadro de enorme disparidade de poder do capital ante o trabalho. A possibilidade de aumentos salariais impulsionados pelo aumento do salário mínimo será discutida em seguida.

Quanto aos direitos sociais, a redução dos gastos num momento em que são mais necessários, por conta da crise, compõe um quadro dramático, acirrado pela pandemia. Apostar que o crescimento econômico e da arrecadação fiscal podem minimamente fazer frente às demandas sociais é uma armadilha já anunciada pela constatação das limitações impostas pelo teto de gastos e pelos efeitos decorrentes da reforma da Previdência. Além de romper com esse teto, ao menos nos termos atuais (em que o aumento de gastos não pode superar a inflação do ano anterior), e tentar restaurar condições mínimas de aposentadoria para os mais pobres (hoje em dia, a grande maioria, no máximo, chegaria ao salário mínimo após os 63 anos), é necessário retomar o Cadastro Único para tentar articular as políticas sociais, para além do que se logrou fazer nos governos do PT, além de realizar uma reforma tributária para reverter, ao menos em parte, a enorme regressividade do nosso arcabouço fiscal, assentado em impostos indiretos que oneram mais os mais pobres, sem esquecer das enormes isenções que sangram a arrecadação da União em mais de 350 bilhões anuais.

Sob o prisma da dinâmica social e das mobilizações de classes, os últimos anos revelam maior distanciamento de empresários e classes médias das perspectivas de desenvolvimento voltadas à redução da pobreza e das desigualdades. Ao mesmo tempo, os trabalhadores e suas entidades representativas estão enfraquecidos e as direitas nunca estiveram tão mobilizadas desde o golpe de 1964.

A armadilha de acreditar que assumir o poder do Estado pode produzir mudanças substanciais neste quadro parece ser cada vez mais evidente, assim como a impossibilidade de simplesmente repetir o escasso empenho demonstrado pelos governos do PT em mobilizar os trabalhadores. Sem mobilização, é possível supor que se constituirá uma barreira poderosa às transformações relevantes na sociedade brasileira, já que a tendência das forças políticas em curso no executivo e legislativo é apoiar os pleitos empresariais, altamente divulgados pelos meios de comunicação, simulando a construção de um consenso.

Referências

  1. Carlos é Professor de Ciências Sociais da Unifesp e pesquisador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania – USP
  2. Cibele é Professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP e pesquisadora do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania – USP
  3. Thomaz é economista, assessor sindical e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

2 comentários sobre “Armadilhas e alternativas nestas eleições

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *