Dirlene Marques1
Que neste ano tenhamos mais vitórias. Com grandes desejos.
Ao mesmo tempo, vejo as dificuldades. Olho para fora e vejo muita chuva. Fico feliz, pois isso ajuda a recuperar a natureza. Mas, acompanho o que a população pobre (fundamentalmente) está passando: inundações, pessoas morrendo, moradias construídas com grande esforço sendo destruídas. Populações inteiras desalojadas. Enquanto isso, autoridades e imprensa sempre afirmam que a responsabilidade é da chuva, que, sendo um fenômeno da Natureza, não pode ser acusada de nada.
Mesmo quando a imprensa corporativa aponta a responsabilidade de governantes, de empresas, a ainda sugerem a responsabilidade das pessoas que vão morar em áreas de risco, ela não faz a vinculação das tragédias com a forma predatória de desenvolvimento do capitalismo, com as tragédias/crimes que ocorrem como o rompimento de barragens, secas, incêndios, enchentes e suas consequências trágicas: mortes de pessoas, dos animais, dos rios, numa devastação de biomas inteiros.
Essa imprensa a serviço do capital utiliza dessa mesma lógica de abordagem para tratar do desemprego, do subemprego e da precarização do trabalho. É evidente: aqui é responsabilidade das pessoas que não têm qualificação, ou seja, a famosa “empregabilidade”. Economistas críticos têm feito esta discussão de forma sistemática. Mais recentemente, o pesquisador Thomas Piketty mostrou, com os dados mundiais disponíveis, que parte significativa da população é descartável. No mundo desenvolvido, em torno de 30%; no Brasil, em torno de 40%. Portanto, para continuar o processo de acumulação, o capital não precisa de 40% de nosso povo. Podem morrer 619mil pessoas pela Covid-19. Isso não é problema, é solução. Pois a maioria é constituída de velhos, mulheres negras e homens negros, e pessoas pobres. Além disso, a doença ainda enriquece os setores envolvidos com o capital da “doença”, como os planos de saúde, as indústrias farmacêuticas, os grandes laboratórios.
Toda essa percepção do mundo vi refletida no filme “Não Olhe para Cima”, que assisti em razão das centenas de mensagens comentando maravilhas do filme. Comecei a assistir. Não gostei e parei. Continuei a receber mensagens elogiosas. Resolvi assistir até o final, pois considerei que, se todas as pessoas gostam e eu não, o problema pode estar comigo. Filme lindo, com atrizes e atores de quem gosto, mas um filme bem estilo hollywoodiano. Mostra que os vilões são pessoas ruins como a presidenta, a imprensa, a tecnologia, controladas por um capitalista que, como todos, almejam ganhos individuais. A imprensa, mais audiência; a presidenta, apoio para a reeleição; o capitalista, mais lucro. E, para mostrar que as pessoas é que são más, colocam uma mulher na presidência e um negro como locutor (distorção? Claro que não.)! Querem mostrar que todas as pessoas é que são ruins, independentemente de serem mulheres ou negras. A conclusão é: precisam de um grande líder para salvar o mundo e manter intocado o sistema capitalista. Reitero: trata-se de trocar um líder mau por um líder bom. Esta é a lógica dos filmes hollywoodianos. A questão são as pessoas e não o sistema.
A forma cada vez mais predatória do capitalismo não é sequer tocada. Vai se criando uma situação em que, mesmo as pessoas que têm sensibilidade com o que está ocorrendo a seu redor, com os seres humanos, os animais, a natureza em sua totalidade, preferem não ver a essência do problema. É melhor ficar na superficialidade e não questionar o sistema. Razões? São várias. Desde o não entendimento da dinâmica do capitalismo, a crença em sua reforma e na construção de um capitalismo humanizado, até a recusa a ver, pois isso implicaria ter de repensar modo de vida, opções políticas.
Como sou do tipo pessimista na análise e otimista na ação, continuo fazendo análise de conjuntura procurando desnaturalizar o capitalismo, mostrar seu fracasso em termos humanos e a disseminação da barbárie, como resultado. E, de outro lado, procuro investir na organização social, nas lutas contra as opressões, nas lutas ambientais, sabendo que a unidade destas lutas está no enfrentamento da sociedade capitalista, que “exclui, degrada e mata”, como já chamou a atenção o Grito dos Excluídos.
Eu acredito no coletivo. Acredito nas lutas. Acredito no povo trabalhador. E tenho um norte: a sociedade socialista.