Por Rafael Bomfim Souza1
25 de agosto de 2021. Após visitar os estados da região Nordeste, em caravana pré-eleitoral, dialogando com as direções regionais do PT, dos partidos de direita, dos de esquerda (incluindo o PSOL) e com movimentos sociais, o ex-presidente Lula (PT) desembarca em Salvador, na Bahia. Em evento intitulado “Lula na Bahia – Combater a fome e reconstruir o Brasil”, Lula se reúne na Assembleia Legislativa da Bahia com lideranças petistas, dos movimentos sociais e dos partidos da base aliada do PT no estado (PCdoB, PSB, PP, PSD e etc). Ao encontro de Lula, foram também dirigentes do PSOL-Bahia, integrantes das correntes que compõe o campo PSOL de Todas as Lutas: Primavera Socialista, Revolução Solidária, Resistência e Insurgência.
O PSOL tem se consolidado como um partido de destaque na liderança da esquerda brasileira: a coerência e combatividade de seus mandatos parlamentares, a forte relação com os movimentos sociais, o compromisso com a defesa dos direitos sociais e com as lutas contra as reformas e projetos de ataques ao povo, o protagonismo político dos movimentos de juventude, de negros de negras, de mulheres e da comunidade LGBTQIA+ (muito mais do que qualquer outro partido de esquerda) na luta contra as opressões, a opção certeira de defender seriamente a descriminalização do aborto e das drogas, a taxação das grandes fortunas e dos lucros, a auditoria da dívida pública (relegada por Boulos na campanha de 2018) e a construção de um programa democrático e popular, pautado na independência de classe, na luta antirracista, antimachista, antiLGBTfóbica e ecossocialista, na defesa dos povos originários, dentre tantas outras frentes que não caber ser citadas aqui. Todo esse conjunto credencia o PSOL como um partido de esquerda coerente e combativo, que tem sido a pedra no sapato de Bolsonaro e de seus aliados nos estados.
Na Bahia o cenário não é diferente. Vivemos constantemente sob os ataques do Governo de Rui Costa do PT, que faz seguidas reformas da previdência, ataca servidores/as públicos e trabalhadoras da educação, os povos indígenas e quilombolas – para favorecer os grileiros e grandes empresários, ataca as Universidades Estaduais, as comunidade tradicionais e é recordista no genocídio do povo negro, em especial a juventude negra, ao operar uma política de segurança pública que a cada dia mata mais e mais dos nossos nas favelas e periferias de todo o estado. O PT na Bahia, tendo como base partidos de direita nacionalmente aliados do Bolsonarismo, implementa uma agenda política e econômica nada diferente da operada por Bolsonaro no Brasil.
Contra isso cabe destacar a atuação do Deputado Estadual Hilton Coelho (PSOL), que tem sido a voz dos movimentos sociais no parlamento baiano, combatendo insistentemente os ataques do PT na Bahia contra o povo baiano, do combativo vereador Jhonatas Monteiro (PSOL) em Feira de Santana contra a direita na segunda maior cidade do Estado e também a atuação de lideranças e movimentos sociais contra essa política de desmonte promovida pelo governo do estado.
Na Bahia não se trata de um governo petista pautado na conciliação com o grande capital, como foram os governos Lula e Dilma. O que enfrentamos aqui é um governo de perfil modernizador conservador que aprofunda uma política autoritária de ataques a diversos setores da sociedade civil e da classe trabalhadora. Um governo de políticas neoliberais e com várias concessões ao conservadorismo (expressas também nas alianças políticas com legendas e lideranças da direita tradicional – Otto Alencar, João Leão e Angelo Coronel, por exemplo – e grupos tradicionais da política baiana; assim como aliança com setores conservadores expressa na adesão às pautas das Igrejas Neopentecostais). Esse cenário deixa claro a impossibilidade qualquer aliança ou relação com o PT na Bahia. Se as lideranças do PSOL tentam a todo custo se colocar nos espaços como militantes da luta antirracista e popular, é preciso operar isso na prática.
É inegável que parte do nosso povo, vivendo o caos em que estamos jogados hoje, depositam sua esperança num eventual governo Lula, com o ideal de ter melhores condições de vida. Todavia, a melhora da situação atual passa, necessariamente, pela implementação de um programa que não seja vinculado aos responsáveis por toda essa crise, mas sim um programa de esquerda, independente e de real enfrentamento as desigualdades e que tenha compromisso com a revogação da EC 95 (teto de gastos) e de todas as reformas pós-golpe de 2016, bem como de taxação das grandes fortunas e auditoria da dívida pública.
Não temos dúvida da importância da unidade das esquerdas para combater o avanço do fascismo no Brasil. A questão é: até onde vai o compromisso de Lula com um programa de esquerda e com uma frente de esquerda?
O líder petista já rejeitou a possibilidade da taxação das grandes fortunas. No Nordeste, pela manhã se reunia com a “esquerda” e o PSOL, e pela tarde se reunia com o MDB e outros golpistas, para fechar a sua frente ampla para 2022. Na Bahia, numa tarde se reuniu com movimentos, para na sequencia almoçar com os partidos da direita tradicional. Enquanto isso, setores do PSOL insistem em impor uma aliança com Lula – e com a direita, por consequência – sob o mote de derrotar Bolsonaro. Com a expectativa do êxito eleitoral, dirigentes de correntes do PSOL na Bahia já agitam o #Lula2022, propondo uma adesão ao lulismo e um rebaixamento programático do PSOL.
É desse ponto que surge algumas questões. Essas mesmas lideranças reivindicam sua atuação na luta antirracista, mas defendem uma composição com uma política responsável pelo aumento encarceramento em massa do povo preto e pobre, bem como pelo genocídio sofrido pela juventude negra no estado da Bahia. Esse é a contradição colocada para os setores do PSOL que defendem uma aliança a qualquer custo com o PT. Vivendo na Bahia e olhando com atenção a vida real do nosso povo preto nesse estado tão desigual, não existe outra saída a não ser localizar os camaradas com um antirracismo que funciona até a página dois.
Ignorar a realidade é virar as costas para a violência operada pelo PT contra a juventude negra periférica na Bahia, contra as famílias sem teto que lutaram e lutam constantemente contra as violentas tentativas de desocupações na luta pelo direito à moradia, para o sofrimento dos quilombolas e comunidades tradicionais na disputa contra a especulação imobiliária e a grilagem (patrocinada pelo governo do PT na Bahia) na disputa por terra, território e água, para as trabalhadoras/es que a todo momento se veem diante de um novo ataque por parte do governo do estado, dentre tantos outros ataques que cotidianamente temos que enfrentar.
A trajetória coerente e combativa do PSOL no estado não cabe num programa de conciliação e composição com a direita golpista e entreguista. Não cabe com os que votaram a favor das reformas anti-povo. A defesa do direito à moradia, da vida da juventude negra e a luta contra o encarceramento em massa não cabem num programa integrado por quem trata a polícia militar como artilheira do genocídio sofrido por nós, juventude negra moradora das periferias. A saída é sim uma frente de esquerda, com um programa independente. Não é isso que os camaradas parecem defender. Defender, sob qualquer hipótese”, uma adesão sem critérios a uma aliança com a direita como propõe Lula é ignorar a realidade do povo baiano sob o governo do PT. Esse não deve ser o lugar do PSOL em 2022. A nós cabe a luta por uma unidade de esquerda, com um programa independente, e não de conciliação.
Compartilho da sua indignação, caro colega e camarada. Todas as vezes que a esquerda genuína tem a possibilidade de uma articulação concreta na luta social e política, os oportunistas eleitoreiros entregam os sonhos do povo aos opressores sob a forma de alianças ditas estratégicas e colocam as aspirações populares em segundo plano, para privilegiar os interesses dos exploradores de sempre, que, eventualmente, aparecem na passarela política com uma roupa diferente – mas nunca tão diferente que não possam ser reconhecidos e identificados.
Excelente contribuição, Rafael. Setores do chamado campo majoritário do PSOL estão nessa linha de adesão ao lulopragmatismo em todos os estados. O que Lula tem feito e dito é a versão 2022 da “Carta aos Brasileiros”. Não fará as reformas estruturais e não irá romper com esse modelo econômico rentista. Precisamos de um programa Anticapitalista, antiimperialista para enfrentarmos Bolsonaro e seus aliados e o PT não topará essa construção. É um partido da ordem e seguirá servindo a agenda dos organismos financeiros internacionais.
Boa análise. É preciso definir um programa independente. A mim parece óbvia, essa necessidade.