A economia chilena não deve ser compreendida dentro da perspectiva liberal. Para além do viés da política econômica, a economia chilena mantém uma estrutura tipicamente neocolonial, tão comum em quase todos os países latino-americanos — ainda que com características próprias de sua formação socioeconômica.
Uma economia do tipo neocolonial refere-se à consolidação de uma estrutura socioeconômica caracterizada pela espoliação e pilhagem dos recursos naturais, pela dependência cultural, financeira e tecnológica e pela segregação social. Nos marcos do capitalismo selvagem da era da globalização neoliberal, o verniz democrático das instituições “republicanas” esconde a necessidade permanente da violência como instrumento de manutenção da ordem, imprescindível à realização dos negócios da plutocracia opulenta e dependente.
Esqueçam as fórmulas neoliberais! Estado mínimo, abertura econômica, empreendedorismo, eficiência alocativa, ordem espontânea do livre mercado, produtividade, inovação e baixas taxas de juros. Quer entender o período de crescimento econômico chileno? Então se volte à sua estrutura geográfica e à dinâmica da econômica internacional das últimas décadas. O que explica o dinamismo chileno neste período é o cobre, a espinha dorsal de sua economia.
O Chile é um país com 756 950 km² e 18 milhões de habitantes. Em termos de território, é um pouco mais que a soma entre os estados da região Sul e o estado de São Paulo. Em termos de população, não é superior à região metropolitana de São Paulo. Ou seja, é um país relativamente pequeno quando comparado a países com dimensões continentais como Brasil. Este pequeno país possui a maior reserva de cobre do mundo (27%), um dos minerais com maior capacidade de condução elétrica, amplamente utilizado em sistemas elétricos e motrizes de variadas dimensões. Desde a terceira revolução industrial e tecnológica, a demanda por cobre vem crescendo, intensificada pelo acelerado crescimento econômico chinês.
A acelerada demanda global por uma matéria prima mundialmente escassa permitiu ao Chile tornar-se o maior produtor de cobre do mundo — chegando a ofertar, sozinho, quase um terço de toda a produção internacional. Neste caso, não foi o mito da iniciativa privada, mas os empreendimentos realizados pela empresa estatal Codelco, que permitiu ao Chile organizar e intermediar os negócios por detrás da extração e comercialização do cobre.
Representando aproximadamente 46% de todas as exportações, o negócio do cobre permitiu à economia chilena realizar um duradouro processo de mimetização dos padrões de consumo mediante a importação de uma variedade de bens com elevada intensidade tecnológica. O prolongado ciclo de modernização, enquanto perdurou, amenizou as contradições do modelo econômico do tipo neocolonial, pró-business e antissocial.
Cabe mencionar que modelo neocolonial não implica necessariamente estagnação permanente. Não é este o ponto e nem deveria ser este o núcleo do debate entre os economistas e cientistas sociais. O que deve ser realçado é que tal crescimento não elimina, mas reforça os vínculos entre espoliação de recursos naturais, dependência externa e segregação social, tão característicos deste modelo. Reforça, como analisado por um nostálgico intelectual latino-americano, o mito de desenvolvimento econômico.
Mesmo assim, a estratégia chilena de crescimento não pode ser replicada para a América Latina, simplesmente porque não existe em quase nenhum outro país da região, como existe no Chile, esta compatibilização entre baixa densidade populacional e tamanho territorial, por um lado, e reservas superabundantes de recursos naturais atreladas à sua crescente demanda global, por outro. Portanto, a economia chilena não serve de exemplo de sucesso do neoliberalismo.
Após a crise de 2008 e, principalmente, depois da forte desaceleração do comércio internacional desde 2011, a taxa de crescimento do Chile, que já estava se desacelerando na década de 2000, despencou. As exportações que alcançaram US$ 95 bilhões em 2011, caíram para US$ 70,1 bilhões em 2017, após atingir o vale de US$ 62,1 bilhões em 2016. O PIB que cresceu 6,11% em 2011, caiu para 1,27% em 2017. Resultado: as mazelas sociais, tão escondidas entre as propaladas narrativas epopeicas do crescimento chileno, emergiram. Pobreza e desigualdade à brasileira, aposentadoria de miséria, milhões de idosos sem benefícios e elevado custo de vida — associado à “privataria” dos serviços públicos.
Portanto, as mobilizações populares no Chile — em toda a América do Sul nos últimos tempos — não são consequência de uma política econômica mais ou menos liberal, mais ou menos desenvolvimentista. Elas são o resultado das condições degradantes de vida observadas neste país. Destarte, não é a política econômica da economia chilena que tem que mudar, mas sua estrutura socioeconômica!
A violenta repressão das forças de segurança chilena — combinando mortes, espancamentos e desaparecimento de dezenas de cidadãos — revelou a falácia de sua democracia liberal e retirou o verniz que escondia o Estado policial necessário à garantida dos interesses da plutocracia opulenta. As consequentes mobilizações desta semana, em especial da sexta-feira passada, direcionaram a sociedade chilena para a necessidade de mobilização social permanente e massificada. Elas desvendaram o segredo para a superação de estruturas socioeconômicas do tipo neocolonial. Não está escondido nos acordos palacianos institucionais. Está escancarado nas ruas!
Leandro Ramos Pereira
Professor de Economia.