Por Marcela Darido, coletivo Clóvis Moura
Como disse Engels, a primeira divisão do trabalho na sociedade foi a divisão sexual do trabalho, e, apesar de o patriarcado não ter sido criado pelo capitalismo, ele é a base da criação da propriedade privada e do Estado que dá a base para uma sociedade na qual uma classe pode explorar a outra.
Por outro lado, a acumulação primitiva de capital é em grande parte oriunda do sequestro de pretos Africanos para mão de obra escravizada nas colônias, ou seja, a riqueza que possibilitou que o capitalismo se desenvolvesse veio das colônias dos antigos Impérios, que se utilizavam de mão de obra escrava. Sendo assim, tanto as produções nessas colônias como o tráfico de escravos foram a base dessa acumulação.
Para sustentar essa exploração brutal – a apropriação da vida de um ser humano a partir da escravidão dos negros – foi preciso um arcabouço ideológico que inferiorizasse nossa raça, que nos desumanizasse, para explicar nossa escravização e a exploração que se dá até hoje do continente Africano.
O capitalismo, para manter suas margens de lucro e dividir as fileiras da classe operária, apropria-se desses sistemas de opressão, mostrando-se incapaz de concretizar a demanda que sua própria revolução levantara: a igualdade. Toda essa discussão, que parece abstrata, encontra-se de forma bem concreta na vida de cada mulher, de cada negro, de cada homossexual, e se dá de forma utrajante no cotidiano da maioria de nós, mulheres pretas. E o que sobra para nós, mulheres pretas?
O fim da escravidão ficou longe de ser um processo de real libertação para os negros do mundo inteiro. Vivemos ainda em uma sociedade de classes e ainda a maioria de nós é oprimida e explorada para garantir os lucros da classe dominante. Muitos de nós fazemos parte de um setor que sequer tem a possibilidade de ser explorado, que vive um desemprego estrutural, o lumpem-proletariado. O Partido dos Panteras Negras nos EUA nasce com a intenção de organizar esse setor mais especificamente*. Dentro dessa sociedade, o que a maior parte das mulheres negras encontra é uma vida na qual a opressão é gerada pela questão de classe, raça e gênero, que se entrelaçam de uma forma indissolúvel e cruel.
O que vivemos cotidianamente é a miséria que o capitalismo nos impôs, um país que tem o maior “exército” de empregadas domésticas do mundo, que em sua maioria são negras; uma das maiores populações carcerárias do mundo, que também em sua maioria é negra; trabalhos altamente precarizados ocupados em sua maioria pelos negros; terceirização; morte por abortos clandestinos; estupros; condições insalubres de moradia; transporte, saúde e educação altamente precarizados; violência policial; genocídio e muito mais coisas que poderíamos levantar aqui. Mas não se trata apenas das condições objetivas de vida. O racismo também causa inúmeros impactos subjetivos em muitas de nós. Fanon, ao estudar a subjetividade dos negros nos países colonizados, consegue expressar também a miséria subjetiva imposta aos negros.
Não somos o padrão de beleza, e muitas de nós matam a cada dia nossa identidade, tentando se parecer um pouco mais com as mulheres brancas. Somos ainda consideradas objetos sexuais dos “senhores brancos”, hipersexualizadas, desejáveis apenas como amantes; na subjetividade dos homens brancos e negros não servimos como companheiras para relações amorosas profundas, apenas para diversão. Sozinhas, muitas vezes tendo que cuidar de toda a família com um salário mínimo, resistimos na Babilônia. Essa é a nossa situação. O racismo nos ataca todo o dia, nos lembrando da inferioridade que delegaram à nossa raça, e mesmo sem perceber vamos, por vezes, nos apropriando da visão do opressor.
Mas nós não sucumbimos, para nós sobreviver é resistência! E todos os dias encontro grandes guerreiras que, mesmo com todos esses problemas, ainda resistem para existir; algumas mais audazes lutam não só para existir, mas para transformar esta realidade. E a luta é uma escola de guerra. Se a realidade de nossas vidas nos torna duras guerreiras, a luta de classes nos ensina e nos cobra a missão de sermos parte da Vanguarda revolucionária e as melhores combatentes nesse processo de transformação.