Em defesa dos Correios público, universal e socialmente referenciado!

Foto: Sintect-Cas/Divulgação

Por Hugo Ottati1 e Ítalo Pires Aguiar2

Na última semana, a Câmara dos Deputados aprovou, por 280 a 165 votos, o regime de urgência para o Projeto de Lei n° 591/2021, de autoria do governo Bolsonaro, que, dentre suas disposições, autoriza o Poder Executivo a converter a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), hoje integralmente nas mãos do poder público, em sociedade de economia mista; e quebra o monopólio do serviço postal. 

Em suma, o projeto abre caminho para a privatização dos Correios e faz parte de um projeto de desestatização, já anunciado pelo governo federal e que envolve outras empresas. A aprovação do regime de urgência permite que a proposta tenha um trâmite mais célere e possa ser levado direto à plenário, tornando desnecessária a apreciação pelas comissões da casa. 

A investida no desmonte do que é público por Bolsonaro e Paulo Guedes, visando atender interesses privados, não é nenhuma novidade. Mas as premissas que utilizam para justificar tal movimentação são falaciosas e as consequências podem ser gravíssimas para o país e todo o conjunto da sociedade, sobretudo aos mais pobres. 

Com mais de três séculos de existência, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos desempenha um papel fundamental no país, sob diversos pontos de vista, sobretudo: a) de capilaridade, sendo a única estatal que alcança todos os municípios do país, sendo relevante, portanto, para a integração nacional (a partir da universalidade); b) de logística, visto que não só presta o serviço de cartas, telegramas e encomendas, mas garante a entrega do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); de livros didáticos; de vacinas e materiais para postos de saúde do SUS; tem participação nas eleições e é amplamente utilizado, por exemplo, pelo Poder Judiciário. Vale mencionar que, em vários municípios pequenos, os Correios ainda acumulam outros serviços e funções, sendo referência na localidade; c) e de garantia do serviço postal, enquanto um direito de toda a população. 

Percebe-se que há uma importância estratégica, vinculada a soberania nacional, no controle do serviço postal pelo Estado. Não à toa, a estatal, hoje, possui o monopólio de alguns serviços postais, tais como o envio de cartas e telegramas, que o Projeto de Lei visa quebrar, e aplica preços significativamente mais modestos em relação às encomendas, que já são oferecidas pela iniciativa privada.

Aliás, vale o destaque a esse ponto: o mercado de encomendas, que, por sinal, é o mais lucrativo, já é de livre concorrência no Brasil. Diversas empresas privadas oferecem o serviço e os Correios são apenas uma opção, comumente escolhida, em razão tanto da já mencionada capilaridade, visto que alcança qualquer município, incluindo locais desinteressantes à iniciativa privada, que visa apenas o lucro, quanto pela garantia de valores mais justos. Isso, por exemplo, fez com que a demanda dos Correios aumentasse, por exemplo, com o crescimento do e-commerce

Neste sentido, torna-se pertinente a pergunta: a quem interessa privatizar os Correios? Experiências variadas de privatização pelo mundo não apresentaram resultados satisfatórios. Pelo contrário, as principais consequências foram: elevação dos preços; piora na qualidade do serviço e desassistência em diversas localidades de um serviço básico. A iniciativa privada funciona sob a lógica do mercado, não existindo interesse e disposição de prestar o serviço em lugares mais distantes e de difícil acesso. Isso sem contar nos nefastos efeitos aos trabalhadores. 

Dada a essencialidade da atividade-fim que aqui se discute, constituindo não só um fator de estratégia, logística e soberania do país, mas que diz respeito a um direito básico, que deve ser assegurado a qualquer cidadão, importa dizer que não há qualquer necessidade de os Correios darem lucro. Como já dito anteriormente, há uma função social e econômica, de caráter público, que não pode simplesmente ser entregue à iniciativa privada, sob a justificativa de que “não dá lucro”. É preciso que a empresa garanta os serviços postais mais essenciais, de forma eficiente e universal – e, neste sentido, fundamental desconstituir o imaginário de que transferir para a iniciativa privada é garantia de qualidade e eficiência, não faltando exemplos para tanto.

Ainda assim, sobre lucratividade, os números apontam para superávits no balanço financeiro dos Correios nos últimos anos. A título de exemplo, segundo o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clovis Scherer, os dados do relatório administrativo da empresa mostram que só em 2019 ela teve receita líquida de R$18,35 bilhões, registrando um lucro líquido de R$102,12 milhões. 

Portanto, a nova investida para abrir o caminho à privatização dos Correios, reflete, na verdade, a ponta de um projeto político, agora aprofundado por Bolsonaro e Paulo Guedes, de desmonte do que é público. A privatização de estatais, como se sabe, faz parte da negociata para se obter apoio do setor empresarial. Mas, com isso, Bolsonaro reafirma-se como inimigo do povo.

As próximas semanas serão fundamentais para defesa dos Correios público, universal e socialmente referenciado. Precisaremos, por um lado, manter uma ampla mobilização social como forma de pressionar o congresso sobre a profundidade e a importância do debate e, por outro lado, contar com uma boa articulação parlamentar. Em frente! 

Referências

  1. Hugo é Advogado trabalhista e sindical, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ e militante do Ecoar – Juventude Ecossocialista
  2. Ítalo é Advogado, secretário geral da CDH/OAB-RJ, diretor do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro e militante da TLS (Trabalhadoras e Trabalhadores na Luta Socialista)

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