#Especial: Intervenção nas IFES: O capital na educação e sua forma política imediata

A crise profunda que vivenciamos, agudizada por uma crise sanitária mundial e pelo governo ultraneoliberal e protofascista de Bolsonaro-Mourão-Guedes, traz uma uma alta conta que, se depender do atual governo genocida e do capital financeiro internacional, será paga por todas e todos nós: trabalhadores e trabalhadoras de todos os setores e locais. 

As contrarreformas – trabalhista, previdenciária e administrativa – que retiraram e retiram direitos sociais, assim como o clientelismo e fisiologismo político praticado pelas elites, ampliando “privilégios”, caracterizam o Estado brasileiro, que aprofunda seu elemento autoritário autocrático, pois, para a manutenção de sua estrutura de concentração de riqueza e profunda desigualdade social, há a intensificação de expropriações de direitos sociais em conjunto com a criminalização das formas de organização e resistência dos trabalhadores frente a esses ataques.

Em relação aos ataques à educação como um todo e às IES em particular, estes não são recentes, porém, explicitam o processo de autoritarismo que retira autonomia e criminaliza trabalhadoras e trabalhadores. Observamos, em especial nesta quadra histórica, o avanço dos ataques à educação pública em dois vieses: a continuidade de uma agenda ultraneoliberal imposta por organismos internacionais e seus tentáculos nas economias dependentes periféricas, em especial na América Latina, e a amplificação desta agenda no conservadorismo crescente que impõe o anticientificismo, o negacionismo e o relativismo histórico como movimento do Estado autocrático burguês brasileiro.

Neste sentido, as IES sofrem com as manifestações autoritárias de controle, criminalização e esvaziamento da autonomia das mesmas, sendo colocadas como inimigas centrais do governo ultraneoliberal, após serem instrumentalizadas como espaços de apostas no financiamento privado da educação e naturalização das parcerias público privadas (PPPs como EBSERH, por exemplo), e como espaço do aprofundamento da precarização das condições de trabalho e estudo, por parte dos governos de períodos anteriores. 

O ataque à autonomia das IES têm lastro em alguns elementos normativos impostos no período da ditadura empresarial-militar brasileira, como a lista tríplice: a mesma atribui ao chefe do executivo a possibilidade de nomear reitores a partir de listas com indicações que não foram respaldadas pelos membros da comunidade universitária.

Apesar de uma certa repercussão, até mesmo em alguns meios da grande mídia burguesa, as intervenções feitas pelo Governo Bolsonaro/Mourão nas Instituições Federais de Ensino Superior brasileiras (Universidades, Institutos Federais e CEFETs), com a nomeação de forma impositiva de reitores não eleitos pelas comunidades acadêmicas, representam o desdobramento do projeto do capital para educação e, nesse sentido, necessitam ser compreendidas de modo mais amplo, para além do aspecto formal da própria nomeação de reitores.

O desenvolvimento histórico da universidade brasileira está perpassado pela luta de classes, que se estende à totalidade social e, consequentemente, também ao campo da educação.  O capital no Brasil sempre teve um projeto de educação e de universidade e, em especial, através dos diferentes governos em âmbito municipal, estadual e federal, aplicou sua lógica de benefício às elites econômicas e de transformação do ambiente universitário em local cada vez mais propício para se conectar  ao processo de acumulação dos lucros do capital.

Já são 19 instituições de ensino superior no Brasil que possuem dirigentes nomeados por Bolsonaro/Mourão e que não foram escolhidos pelas comunidades acadêmicas por meio das consultas feitas entre docentes, estudantes e técnico-administrativos. São elas: UFGD, UFTM, UFVJM, UNIFEI, UNIRIO, CEFET/RJ, UFRB, UFC, UNILAB, UFFS, IFSC, UFES, UNIVASF, IFRN, UFERSA, UNIFESSPA, UFRGS, UFPB, UFPI (até o momento desta publicação).

 De modo geral, os interventores de Bolsonaro/Mourão possuem em seus currículos vínculos com as pautas privatistas da educação, ao mesmo tempo que flertam em menor ou maior grau com anticientificismo e o fundamentalismo religioso. Uma volta, sem grandes pretensões, pelas redes sociais dos interventores é suficiente para notarmos uma gama de publicações que vão desde posições abertamente racistas, elogios a deputados bolsonaristas, slogans como GLOBOLIXO, likes nas mais bizarras publicações do presidente, memes machistas, compartilhamento de mensagens LGBTfóbicas, mensagens anticomunistas, sempre bem azeitadas por doses de um pensamento liberal que tenta encontrar uma velha justificativa no direito burguês para sustentar a decisão do presidente interventor. Direito burguês este que se reveste de toda a nefasta herança da ditadura empresarial militar, incluindo a lista tríplice.

O tom até delirante de algumas dessas posições leva a muitas pessoas a não darem a devida atenção a uma outra característica da visão de mundo dos reitores não eleitos de Bolsonaro: de modo geral são docentes com forte apelo à agenda de privatização das instituições de ensino superior e à tentativa de  destruição da perspectiva de organização dos trabalhadores e trabalhadoras em sindicatos combativos, classistas, autônomos e independentes de governos e reitorias. Defendem o Future-se, ou seja, a venda ou aluguel de espaços internos das universidades, as relações interesseiras entre IES e empresas privadas, o ensino remoto precário sob o domínio da Google e outras plataformas dos gigantes capitalistas da internet, são dóceis e correias de transmissão das propostas de ataque à previdência social e direitos dos docentes, chamam as contrarreformas de modernização, ou seja, compreendem a educação e os direitos garantidos pelo Estado como um bom parque de diversão para a busca dos lucros dos capitalistas.

Se é verdade que as intervenções de Bolsonaro nas universidades, institutos federais e CEFETs acumulam um conjunto de ações destrutivas para o ensino, a pesquisa e a extensão das IES públicas brasileiras, a resistência e a luta contra esses ataques também têm sido intensa. Docentes, estudantes e técnico- administrativos, em conjunto com outros movimentos sociais, também têm respondido ao atropelo bolsonarista. O ANDES-SN e suas seções sindicais espalhadas por todo o Brasil tem se articulado com a UNE, UBES, DCEs, centro acadêmicos, sindicatos de técnicos, SINASEFE, FASUBRA e outras categorias de trabalhadores para tentar barrar essa agenda de destruição de Bolsonaro contra a autonomia das IES. 

Espalham-se pelos diferentes campi das IES sob intervenção faixas, atos, carros de som, paralisações, passeatas, assembleias, reuniões ampliadas, ou seja, a vibração da luta social emana energia para continuarmos na defesa de uma universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada nos interesses da classe trabalhadora. 

A intensidade que vivenciamos no tsunami da educação no início de 2019 ainda não foi retomada, grande parte devido ao cenário pandêmico, mas o conjunto de lutas realizadas até aqui são fundamentais para que possamos pensar e agir num salto qualitativo que conecte a luta pela autonomia da IES e contra as intervenções de Bolsonaro com as lutas mais amplas da classe trabalhadora. 

No horizonte, por exemplo, as organização das trabalhadoras e trabalhadores e de diversos movimentos de juventude e populares sinalizam a necessidade de uma greve sanitária para enfrentar o desejo, pelos governos, de retorno às atividades presenciais na IES sem as condições sanitárias e também iniciam uma forte mobilização para exigir a vacinação em massa da população. O cenário que se avizinha é de que podemos construir grandes mobilizações para exigir de fato que a vida e saúde do povo trabalhador seja prioridade, e nesse sentido, a educação e, em especial, as instituições de ensino superior, já demonstraram serem fundamentais para o enfrentamento da pandemia da COVID- 19. Qualquer vitória nesse sentido, contra o governo Bolsonaro, passa pela intensificação das lutas das massas trabalhadoras.

No meio disso tudo, há também o uso sempre cauteloso, pelo nosso lado, da justiça. Já os interventores fazem reuniões com promotores e gente ligada aos juízes para afiar a lei burguesa contra os lutadores e lutadoras. São casos emblemáticos a corrida de obstáculos no STF para que se julgue a constitucionalidade das famigeradas listas tríplices e a imposição de multa contra uma presidente de uma seção caso ela empreenda algum tipo de “ocupação” na universidade. Vemos que é a velha fórmula do uso privado pelos lacaios do capital de suas boas relações com uma justiça que costuma ficar de costas para o interesse da maioria do povo trabalhador. 

“Dar as costas” e criminalizar lutadoras e lutadores sociais é a ponta de um processo que demarca a estratégia de esvaziamento, dizimação e precarização da vida daquelas e daqueles que sangram, diariamente, chorando seus mortos — seja por uma pandemia que escancara a exploração intensa, base dessa sociabilidade, seja pela utilização, desde o processo genocida de invasão e colonização, do extermínio da população indígena, negra, de mulheres, LGBTT, no dia-a-dia de luta pela sobrevivência e pelo avanço da consciência de nossa classe.

Por isso, toda e qualquer forma de organização de processos de luta significa ameaça à ordem imposta. Ordem esta que com seus mecanismos formais, inclusive estatais, instrumentaliza meios de controle e vigilância sobre os trabalhadores. Exemplos históricos de cerceamento da liberdade de organização dos trabalhadores existem e nos alertam: quando o negacionismo e o revisionismo histórico balizam a classe dominante no recrudescimento do autoritarismo, o capital se reinventa em novas formas de acumulação, seja na algoritmização da força de trabalho, na redução da vida política a uma mercadoria de consumo individual disponível em cliques, seja em uma nova morfologia do trabalho na qual há a transferência dos custos dos meios de produção para nós mesmos, trabalhadores. Somos “uberizados” e, ao mesmo tempo, criminalizados na nossa própria condição humana.

A luta por autonomia das IES e contra as intervenções é uma luta que deve se articular no cenário de enfrentamento à barbárie, à defesa das vidas e dos direitos dos/as trabalhadores/as, contra a reforma administrativa, em defesa dos serviços públicos e de uma Universidade e educação popular: Reitor/a eleito/a é Reitor/a empossado/a!

Corrente Sindical Unidade Classista, Fração do ANDES-SN

Dezembro de 2020.

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