Direção do ANDES-SN (Biênio 2020-2022)
A conjuntura brasileira nos tempos recentes e, especialmente em 2020 com a pandemia da COVID-19, impõe desafios para o conjunto da classe trabalhadora. Vivenciamos o avanço do projeto autoritário, conservador, antidemocrático e anti-ciência do governo Bolsonaro/Mourão, que aprofundou a agenda de intervenções nas Instituições de Ensino Superior (Universidades, Institutos Federais e CEFET), impondo às comunidades acadêmicas a nomeação de reitores/as que não foram eleitos/as nos processos eleitorais internos às instituições, e que, ainda por meio dos cortes orçamentários, coloca limites à autonomia universitária em todas suas dimensões, ou seja, na autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
O ANDES-SN (Sindicato Nacional do(a)s Docentes das Instituições de Ensino Superior) completará em breve (19/02/2021) 40 anos de luta em defesa da educação superior pública, gratuita, democrática, laica, de qualidade e socialmente referenciada, e em toda sua história defendeu que a autonomia universitária é indissociável da democracia interna das IES, tendo essa luta como uma de suas principais bandeiras. A defesa da autonomia das IFES e da democracia em suas instâncias encontra-se entre os princípios mais importantes da entidade, uma defesa totalmente vinculada ao projeto de universidade que defendemos.
Consideramos que, no exercício pleno da autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, as Instituições de Ensino devem estar incondicionalmente a serviço do interesse público. Nesses 40 anos nosso sindicato tem sempre se insurgido contra a submissão da universidade aos controles do poder e contra o cumprimento de funções meramente reprodutoras das relações sociais vigentes. Por isso, entendemos que a luta pela autonomia universitária significa a autonomia para contrapor-se à dominação da universidade pelos poderes político e econômico; autonomia para contrapor-se à dominação da universidade pelos interesses de grupos econômicos e políticos hegemônicos; autonomia para contrapor-se à lógica produtivista que concebe a escola, o ensino e o saber como mercadorias.
Para garantia de sua autonomia, as Instituições Federais de Ensino Superior – IFES, que incluem as Universidades, os Institutos Federais (IF) e os Centros Federais de Formação Tecnológica (CEFET) –, devem se manter autônomas de governos, partidos, mercado ou qualquer interesse que interfira na produção e socialização do conhecimento, na valorização da diversidade de ideias e do contraditório, na pluralidade de seus espaços, na sua missão socialmente referenciada.
O que percebemos, no entanto é que os interesses que vêm governando o Brasil desde a ditadura civil-empresarial-militar, passadas mais de três décadas de “abertura política sem justiça de transição” e, de forma intensificada, no atual governo, visam a um projeto privatista para a educação no país, o que acarreta hoje mais de 86% das matrículas da educação superior em instituições privadas. Um projeto privatista que busca destruir ou desqualificar as IFES – patrimônio social, cultural e científico da sociedade -, transformá-las em mercadoria de qualidade rebaixada e oferecer formação universitária de caráter técnico como bem de consumo de massa, seguindo as orientações do Banco Mundial e promovendo os interesses do grande capital, por meio de sua agenda ultraneoliberal.
Tendo este horizonte, o governo Bolsonaro/Mourão inaugurou uma nova modalidade de ataque contra as IFES: fere a autonomia destas instituições naquilo que diz respeito à democracia interna e a sua gestão. Em menos de dois anos deste governo negacionista e anticientificista, 50% das nomeações para reitoria nas IFES tiveram processos de escolha de seus dirigentes autoritariamente desrespeitados pelo governo Bolsonaro. Foram, até 15/12/2020, dezesseis Universidades, dois Institutos Federais e um Cefet sob intervenção, sendo 16 destas IFES com docentes sindicalizados na base do ANDES-SN (conforme mostra o mapa elaborado pelo ANDES-SN durante a campanha ‘Autonomia e democracia: Reitor (a) eleito (a), é Reitor(a) empossado(a)’).
Mapa das intervenções nas IFES. Campanha ‘Autonomia e Democracia: Reitor/a eleito/a, é reitor/a empossado/a’
É importante entender a questão: se é constitucional, por que é possível ferir a autonomia das IFES, interferindo na escolha da comunidade para sua gestão?
Porque leis e decretos federais regulam o que está contido na Constituição Federal para ser executado. Uma lei de 1968 (Lei N° 5.540/1968), em plena ditadura civil-empresarial-militar, determinava que a nomeação de Reitores/as das Universidades e Cefet era atribuição do Presidente. Durante o período pós-ditadura, quando pudemos retomar as pautas e princípios democráticos, mesmo com toda a luta encampada pelas IFES e suas representações de classes (ANDES-SN, SINASEFE e FASUBRA), essa prerrogativa não foi alterada. Já no governo Fernando Henrique Cardoso, a lei N° 9.192/1995 e o Decreto N° 1.916/1996 inseriram a lista tríplice como forma de indicar possíveis nomes ao Governo Federal para ocupar as Reitorias das IFES. Novamente, nenhum governo posterior alterou esse mecanismo. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, não foi diferente, mesmo quando foram criados os Institutos Federais (Lei N° 11.892/2008), que gozam da escolha de seus dirigentes com uma consulta oficial à comunidade, com paridade (33,3% para cada segmento), mas sem lista tríplice, não houve mudança no formato para nomeação de reitores/as das Universidades. O Decreto N° 6.264/2007 mantém a lista tríplice para as universidades e não altera o peso de cada segmento, definido pela LDB (1996) com 70% para docentes.
Existem caminhos para se alterar ou questionar a legislação federal, mas os sindicatos, evidentemente, não têm a prerrogativa de fazer isso. Tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N° 6565, ajuizada pelo Partido Verde (PV), e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) N° 759, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A primeira, contra o artigo 1º da Lei 9.192/1995, que estabelece as regras de escolha de reitores e vice-reitores das universidades federais, buscando preservar o princípio constitucional da autonomia universitária; quando, em sessão virtual, já tendo recebido votos favoráveis do relator, Ministro Edson Fachin, e de mais três outros ministros, foi colocada em diligência (retirada da pauta), pelo ministro Gilmar Mendes, e só será apreciada presencialmente, quando a pandemia da Covid-19 permitir, voltando os votos à estaca zero. O ANDES-SN está como amicus curiae na ADI 6565, o que irá permitir que o Sindicato Nacional possa colaborar com os encaminhamentos da ação. A segunda requer que o presidente da República seja obrigado a observar os nomes mais votados nas listas tríplices enviadas pelas IFES quando da nomeação de seus/suas leitores/as e vice-reitores/as ou diretores/as, e que sejam anuladas todas as nomeações já realizadas que não tenham respeitado o primeiro nome lista. O relator, ministro Edson Fachin, solicitou informações sobre o assunto ao Governo Federal, ao que o Planalto respondeu, via AGU, que “as universidades são autônomas, mas não são independentes”.
Enquanto aguardamos os desdobramentos destas ações no STF, em 2019, foram 9 IFES com intervenção e agora, em 2020, já temos 10 IFES com interventores nas reitorias. O autoritarismo do Governo Federal se traduz pela indicação de 2º/ª ou 3°/ª colocado/a na lista tríplice (12 casos) ou mesmo na indicação de um nome que nem consta nas listas enviadas (7 casos). Temos pelo menos nove IFES com mandato de seus/suas gestores/as findando até março de 2021 e cujas consultas já foram realizadas ou estão agendadas para acontecerem ainda em 2020. Mas, por fim, no último respiro do ano de 2020, na segunda-feira, 21, José Arnóbio, foi empossado reitor do IFRN. A decisão veio após a juíza Gisele Leite, da 4ª Vara Federal do RN derrubar a portaria do MEC que, em abril deste ano, nomeou Josué Moreira como reitor pro tempore.
A autonomia administrativa das Instituições de Ensino passa pela escolha de seus/suas dirigentes e o ANDES-SN defende e continuará lutando para que isso ocorra na forma dos estatutos e regimentos das instituições, em processo democrático definido e concluído no âmbito de cada instituição, em consonância com os pressupostos da gestão democrática e pelo fim da lista tríplice. Exigimos que as comunidades acadêmicas das seguintes instituições de ensino públicas tenham suas escolhas respeitadas pelo Governo Federal: Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal Sergipe (UFS), Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-RJ), Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
O Sindicato Nacional tem participado de diversas mobilizações contra as interferências, junto às Seções Sindicais. Foram feitas reuniões com representantes das seções sindicais cujas instituições sofreram intervenção do presidente na nomeação de reitores; plenária em defesa da democracia e autonomia nas Instituições de Ensino com presença de reitores/as eleitos/as não empossados/as, parlamentares, representantes de entidades sindicais, movimentos sociais, da comunidade acadêmica e sociedade geral; e, ainda, atividade no Congresso Nacional, organizada por diversas frentes parlamentares, que tratou das intervenções de Bolsonaro na nomeação de reitores. A diretoria do ANDES-SN, também conversou com alguns dos reitores e reitoras não empossados/as. Para alertar a sociedade sobre as intervenções, o ANDES-SN lançou em suas redes sociais a campanha “Autonomia e Democracia: Reitor/a eleito/a é reitor/a empossado”, que traz materiais gráficos e entrevistas sobre a situação antidemocrática vivida nas instituições e a importância da luta pela autonomia universitária.
Como Sindicato Nacional que há 40 anos se dedica à luta em defesa da educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada, reiteramos que a autonomia e a democracia nas Instituições de Ensino Superior são pilares estruturantes para o projeto de educação que defendemos. As IES públicas devem ser mantidas com recursos públicos e devem estar incondicionalmente a serviço do interesse público. Por isso, é tão importante que estas sejam autônomas, protegidas das vontades alheias, do mercado, de interesses outros que não o público. Seguimos na luta pela democracia e autonomia: Reitor(a) eleito (a) é reitor(a) empossado(a).