Florestan Fernandes 100 Anos

Neste ano comemoramos o centenário do nascimento do sociólogo Florestan Fernandes, personagem importantíssimo das ciências sociais brasileiras. É natural, portanto, que diversas homenagens apareçam na forma de publicações e seminários organizados em diversas universidades do país, mesmo no restritivo ambiente gerado pela pandemia. Os materiais que oferecemos ao público se somam a esse justo tributo à memória e à produção intelectual de Florestan. Além deste texto de apresentação do projeto, produzimos um vídeo introdutório contendo três eixos principais da obra do sociólogo: a relação entre classe, raça e democracia; o debate acerca do desenvolvimento desigual da sociedade brasileira e os aspectos referentes à revolução burguesa no Brasil. Publicamos também uma entrevista com a professora Elide Rugai Bastos, da Unicamp. Nela são abordados elementos biográficos de Florestan Fernandes, além de temas referentes à questão racial. O objetivo é apresentar a atualidade da discussão sobre a situação do negro no Brasil a partir da perspectiva do sociólogo.

Um objetivo comum que orientou todo esse projeto foi o esforço de trazer o pensamento de Florestan, considerado clássico, para bem próximo da nossa realidade atual. Acreditamos que não há forma mais adequada de homenagearmos o legado de um intelectual que sempre guiou sua imaginação pelo esforço de compreender e transformar a sociedade brasileira. Assim, quando revisitamos temas e conceitos recorrentes em seus textos, não pretendemos apenas contribuir para sua compreensão, tarefa por si só rica e trabalhosa. Desejamos, também, refletir sobre a atualidade de questões e respostas formuladas por Florestan. Assim podemos notar, não sem tristeza, que alguns dos obstáculos a uma mudança social progressista, identificados há décadas pelo sociólogo, ainda marcam presença na sociedade brasileira.

Não temos dúvidas de que Florestan gostaria de ver suas teses sobre o racismo estrutural ou sobre as tendências autocráticas da burguesia brasileira, entre tantas outras, tornarem-se obsoletas como resultado de um processo de profunda mudança social. Como sociólogo ele deu uma importante contribuição intelectual nesse sentido ao fornecer novas perspectivas à interpretação de nossa sociedade. Ele extrapolou, por exemplo, o desejo de compreender o processo de formação nacional, comum a abordagens de outros autores, como Gilberto Freyre ou Sérgio Buarque de Holanda. Em trecho da entrevista que publicamos, Elide Bastos lembra uma sugestão de Gabriel Cohn a esse respeito que nos parece bem precisa: para ele, Florestan estava mais preocupado com o processo de “deformação” da sociedade. Ou seja: para o sociólogo, a história do Brasil não poderia ser lida como uma trajetória linear e coerente. Ao contrário: ao refletir sobre os acidentes e impasses encontrados nesse percurso, Florestan encontrou chaves para compreender as razões de nossas especificidades e dificuldades presentes. 

Outro aspecto da obra de Florestan também é iluminado por Gabriel Cohn: para este, o sociólogo incorporou aos seus estudos, muito bem fundados nos clássicos da disciplina, uma original “perspectiva plebeia”, através da qual buscava enxergar a realidade a partir da posição de atores dominados ou periféricos. Ao proceder dessa forma ele não só revelou faces ocultas de fenômenos já muito discutidos por nossas ciências sociais, como o racismo ou o desenvolvimento, como lançou as bases para uma teoria social original, cética diante de pretensos universalismos. Essa rica produção intelectual se desdobrou numa marcada atuação política, desde seu diálogo com o movimento negro ou seu engajamento nas lutas em defesa da escola pública, até sua atuação como deputado na Assembleia Constituinte de 1987-88.

Sabemos que a comemoração do centenário do nascimento de Florestan Fernandes é uma ótima oportunidade para revisitarmos sua obra e trajetória militante. Acreditamos, porém, que esse exercício deve ser contínuo, em benefício tanto das ciências sociais quanto das lutas pela mudança social no Brasil. Desejamos, portanto, que a entrevista e o vídeo que produzimos contribuam nesse sentido. Sintam-se à vontade para utilizá-los em debates ou como materiais de apoio didático. Esta é, sem dúvida, uma ótima maneira de prestar homenagem à memória de Florestan.

Flávio Mendes e Vera Ceccarello

Vídeo: Florestan Fernandes – Alguns temas fundamentais

Entrevista especial com Elide Rugai Bastos


Errata: Ao contrário do que foi informado na apresentação da entrevista, Elide Rugai Bastos não atua mais como editora da Revista Lua Nova.

Plínio de Arruda Sampaio Junior

Professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp. Autor do livro Crônica de uma Crise Anunciada: crítica à economia política de Lula e Dilma.

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