Uma sociedade esgotada pelo governo do Syriza, que pavimentou o caminho para a Nova Democracia
12/07/20190
A publicação detalhada dos resultados das eleições gregas realizadas no domingo, 7 de julho, permite uma melhor leitura dos comentários publicados nos artigos subsequentes.
Resultados
Nas eleições de domingo, votaram 5.769.503 pessoas das 9.961.718 inscritas nas listas eleitorais. Os votos em branco e nulos são, respectivamente, 42.668 e 77.503, e a abstenção foi de 42,08%, não muito maior do que nas eleições de setembro de 2015 [depois que Tsipras aceitou o III Memorando], mas maior do que os de janeiro do mesmo ano (36,4%).
Nova Democracia (ND) obteve 39,85% (2.251.411) dos votos e 158 assentos, devido aos 50 assentos de bônus atribuídos ao setor mais votado. Em setembro de 2015, a ND teve um resultado de 28,09%, ou seja, 1.526.400 votos e 75 assentos.
O Syriza alcançou 31,53 (1.781.174) dos votos e 86 assentos. Em setembro de 2015, obteve 35,46%, 1.926.526 votos, e 145 assentos, sem atingir a maioria absoluta, que é o que a ND conseguiu nestas eleições.
O Movimento pela Mudança (Kinima Allagis) — coalizão que agrupa principalmente setores do ex-Pasok, com Fofi Yennimata à cabeça, obteve 8,10% (475.519 dos votos) e 22 assentos. Em setembro de 2015, o Pasok ficou com 6,29%, ou seja, 341.732 votos e 17 assentos.
O KKE (Partido Comunista) alcançou 5,30% (299.592 votos) e 15 assentos. Em setembro de 2015, obteve 5,55% com 301.684 votos.
Solução Grega (extrema direita) obteve 3,70% (208.805 votos) e 10 assentos.
Mera 25 (Frente da desobediência europeia realista, com Yanis Varoufakis, ex-Ministro da Fazenda de Tsipras de janeiro a julho de 2015, que deixou o Syriza nas eleições de setembro de 2015) ganhou 194.232 votos (3.44%) e 9 cadeiras.
Aurora Dourada (extrema direita) obteve 2,93% (165.709 votos). Não conseguiu nenhum assento. Em setembro de 2015, obteve 379.722 votos (6,99%) e 18 assentos.
Caminho da Liberdade, uma corrente fundada em 2016 por Zoé Konstantopoulou, ex-presidente do Parlamento grego sob o governo de Tsipras, obteve 82.672 votos (1,46%).
União de Centristas obteve 70.132 votos (1,14%). Em setembro de 2015, alcançou 186.644 votos (3,44%) e 9 assentos.
Antarsya (coalizão anticapitalista) obteve 23.191 votos (0,41%).
Unidade Popular obteve 15.930 votos (0,28%). Em setembro de 2015, contou com 155.320 votos (2,86%).
Esses dados definem uma primeira imagem do cenário político após as eleições. A seguir, publicamos: 1º) a declaração da DEA (Esquerda Operária Internacionalista), que participa da Unidade Popular, embora com posição crítica; 2ª) uma entrevista com Stathis Kouvelakis da Unidade Popular; e 3ª) um artigo de Yanis Varoufakis publicado pela New Statesman em 8 de julho (Redação de A l’encontre).
— — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — –
Declaração da DEA
1. O resultado eleitoral de 7 de julho cria um equilíbrio político de forças que é desfavorável para a classe trabalhadora e as classes populares.
A porcentagem obtida pela Nova Democracia (39,85%) fornece a Kyriakos Mitsotakis e à liderança ultra neoliberal do partido de direita a capacidade de formar sozinho o governo. Alexis Tsipras conseguiu manter uma alta porcentagem (31,53%), apesar de suas trágicas responsabilidades em pavimentar o caminho para a direita neoliberal recuperar o poder governamental. Esses dois resultados levam a uma ampla maioria parlamentar comprometida em apoiar os acordos com os credores, que apoia as políticas ditadas pelo Memorando e o Programa de Médio Prazo aprovados pelo governo de Tsipras, herdado pelo governo de Mitsotakis.
Essa alta porcentagem de um sistema bipartidário comprometido com o Memorando se assemelha às porcentagens que existiam antes da crise política causada pelas lutas maciças de 2010–2013. Parece que isso põe fim ao “ciclo” político aberto pelas lutas massivas dos trabalhadores do período anterior.
2. Mas essa perspectiva é instável e está prejudicada.
A economia mundial está desacelerando e isso ameaça explodir os acordos existentes com os credores e o cronograma do Programa de Médio Prazo, que pode exigir medidas de austeridade novas e mais severas. O movimento operário não conseguiu derrotar as políticas de austeridade do governo de Tsipras, mas isso não significa que tenha consentido. Isso não significa que a população tenha adotado essas políticas, como fez o Syriza.
É duvidoso que Mitsotakis possa repetir a principal conquista de Tsipras, que foi promover as contrarreformas neoliberais em um clima de paz social. A história da luta de classes na Grécia mostra que não se pode subestimar uma possível e inesperada intervenção das massas na situação política e o súbito estouro de uma nova onda de lutas. Esse fator determinará, em última análise, se o novo equilíbrio de forças existente no Parlamento poderá funcionar como um sistema bipartidário que estabilizará o capitalismo grego ou se, sob pressão popular, ele entrará em uma nova crise de instabilidade.
3. É impossível explicar o resultado eleitoral de 7 de julho sem levar em conta a derrota das classes trabalhadoras e populares em 2015.
A grande onda de combates de 2010–13 causou uma crise política sem precedentes, mergulhando o Pasok à beira da desintegração e degradando seriamente o peso político da Nova Democracia. Devemos lembrar que após a renúncia de Antonis Samaras, quando Vagelis Meimarakis assumiu a liderança da Nova Democracia, o partido de direita ficou em torno de 14% dos votos. Isso ajuda a explicar por que Tsipras resistiu no poder governamental por quatro anos e meio.
Atualmente, a liderança do Syriza se defende afirmando que “fomos forçados a implementar as políticas de austeridade do Memorando”. Isso não é exato: o governo de Tsipras escolheu implementar as políticas de austeridade ao assinar o Terceiro Memorando e, finalmente, ao reivindicar a paternidade das contrarreformas neoliberais. Optou por violar o mandato popular do NÃO no referendo, legitimando o sistema de tutela e baseando suas perspectivas nas negociações com os líderes da UE e na criação de relações mais estreitas com os Estados Unidos sob Donald Trump.
Ao fazer isso, Tsipras expandiu o Syriza para a direita, incorporando partes da antiga socialdemocracia, uma fração dos gregos nacionalistas independentes e uma fração da direita moderada, que estabeleceu as bases para transformar o Syriza em um partido socialdemocrata (em meio à degeneração neoliberal da socialdemocracia), extremamente dependente e controlado por seu líder. Agora, o núcleo dirigente em torno de Tsipras avança para o próximo passo: a criação de uma Aliança Progressista, com uma política ainda mais flexível e mais centrada em torno do líder.
Nesse sentido, além de implementar contrarreformas neoliberais, o governo do Syriza pressionou a população a desistir de sua oposição às políticas neoliberais, provocando uma massiva desmoralização e o refluxo da atividade da classe trabalhadora. E, com isso, abriu o caminho para Mitsotakis.
4. Apesar das responsabilidades óbvias do Syriza, não há espaço para subestimar o governo de Mitsotakis.
Para ganhar o apoio da grande maioria da classe dominante, ele promete reduzir os impostos das empresas, liberalizar totalmente as condições de trabalho e acelerar as privatizações.
E, para atrair a classe média, promete “Lei e Ordem” (como atacar o distrito rebelde Exarchia de Atenas e o Asilo da Universidade). E, para atrair as correntes direitistas da sociedade para a Nova Democracia, promete fronteiras fortes, combinando o neoliberalismo com o racismo e o nacionalismo.
O ponto de partida de Mitsotakis é a implementação do que Alexis Tsipras já havia acordado com os credores, mas combinando esse objetivo com a ambição de conseguir uma grande aceleração das contrarreformas neoliberais. Seu governo representa uma ameaça muito importante aos interesses da classe trabalhadora e das classes populares.
5. O partido neonazista Aurora Dourada obteve 2,9% dos votos e está agora fora do parlamento, perdendo todos os privilégios derivados da representação parlamentar.
Um resultado positivo, que pode ser reivindicado pelos militantes da esquerda e pelo movimento antifascista-anti-racista. Algo que nem a Nova Democracia, nem o Pasok e nem o Syriza podem fazer, porque o fortaleceram com suas políticas ou toleraram seu funcionamento legal.
Apesar de perder muitos votos e de sofrer uma crise que dura já muito tempo, a Aurora Dourada continua a ser um risco mortal, que devemos enfrentar, para os direitos dos trabalhadores e os valores democráticos. O novo partido [de extrema direita] Solução Grega não tem as tropas de choque ou as referências nazistas da Aurora Dourada, mas continua a ser uma força perigosa de extrema direita. Assim, a esquerda e o movimento social ainda têm que travar guerras e se organizar para enfrentar o racismo estatal, o fascismo e a extrema direita.
6. O resultado eleitoral evidencia uma crise de capacidade política da esquerda que se situa à esquerda do Syriza.
O Partido Comunista, apesar do fato de que conseguiu reunir um número significativo de quadros e personalidades de diferentes origens e correntes de esquerda, estagnou (299.388 votos e 5,3%) em relação às eleições europeias, e continua a ter menos popularidade do que no período anterior à emergência e eventual crise do Syriza (por exemplo, 536 mil votos e 8,48% em maio de 2012). Isso demonstra sua incapacidade de abordar e lidar com eventos políticos importantes; é também uma consequência de sua recusa em promover importantes iniciativas políticas e da rejeição à unidade de ação com outras forças da esquerda militante.
Antarsya obteve 23.185 votos e 0,41%, perdendo terreno em relação às eleições europeias e sofrendo um declínio significativo em sua influência, comparada a que teve no período anterior à ascensão e eventual crise do Syriza (75.416 votos e 1,19% em maio de 2012). Ao ler as declarações de seus principais componentes — NAR e SEK -, fica óbvio que existem importantes divergências políticas e resta saber se essa força permanecerá unida.
Para a Unidade Popular (LAE), o resultado significa o fim de um ciclo. A derrota da LAE já ocorreu e foi registrada nas eleições europeias (31.648 votos e 0,58%). As razões foram os importantes erros políticos de sua liderança e principalmente a subestimação do nacionalismo como uma ameaça. A eventual mudança de direção e sua reorientação política foram passos na direção certa, mas ficou claro que eles foram muito pequenos e muito tardios. As poucas semanas entre as eleições europeias e as eleições gerais não foram suficientes para que estas mudanças alterassem o rumo. O resultado (15.959 votos e 0,28%) mostra que na LAE é necessário ir mais longe. Esta é uma pré-condição para manter ativo um número significativo de militantes que são importantes para o futuro da esquerda radical, como demonstrado pelos resultados decentes nas eleições locais.
Todas essas fraquezas criaram o vácuo que MERA25 ocupou, com Yanis Varoufakis na cabeça. Eles alcançaram 194.149 votos e 3.44% e ganharam o direito de testar suas opiniões políticas com a representação parlamentar. O seu programa neokeynesiano de combate à austeridade, a sua insistência no objetivo de reformar a União Europeia a partir de dentro e o seu funcionamento centrado no líder, em torno da personalidade sempre presente e opaca de Yanis Varoufakis, marcam os limites deste projeto político.
Apesar de MERA25 receber votos de muitas pessoas que queriam expressar uma crítica pela esquerda ao Syriza, a política de Varoufakis não faz parte da perspectiva de reorganização das fileiras da esquerda radical.
7. Com a inauguração do governo de Mitsotakis inicia-se um período que exige iniciativas coerentes e audaciosas.
O centro dessas iniciativas deve ser o esforço organizado para reagrupar e reorganizar as mobilizações de resistência. Grupos sindicais radicais no local de trabalho; movimentos sociais nos bairros, que se expressaram nas listas da esquerda radical nas eleições locais; grupos antirracistas e antifascistas; grupos de mulheres e LGBTQI, que apoiam atividades antissexistas; formações estudantis radicais nas escolas e universidades: estas são as forças sobre as quais devemos nos concentrar. Organizar a resistência exigirá um esforço sério, organizado e unitário dos mais amplos setores da esquerda radical.
Este elemento aponta para a necessidade de tomar iniciativas também no campo político. De nossa parte, temos insistido na necessidade de cooperação política entre as forças da LAE, da Antarsya, dos grupos que se separaram do Syriza no verão de 2015 e de outras forças da esquerda militante em geral. Este esforço deve continuar na nova situação, onde ficou patente a fraqueza das atuais formações unitárias da esquerda.
Trabalhando nessa perspectiva, precisaremos de persistência, sobriedade e audácia. O ritmo desse esforço será determinado pela mobilização do nosso povo. Povo que, acreditamos, trará algumas surpresas importantes, tanto para seus inimigos quanto para seus falsos amigos.
07/11/2019
— — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — –
Entrevista com Stathis Kouvelakis
Na Grécia, Tsipras matou a esperança
Mathieu Dejean
Como você explica a estrondosa derrota do Syriza nestas eleições?
A explicação é muito simples: o Syriza chegou ao poder prometendo ser o partido que romperia com as políticas de austeridade. Tentou resistir durante os primeiros seis meses no governo, mas depois capitulou e colocou em prática as políticas de austeridade que criticava anteriormente. Essas políticas causaram os resultados previsíveis em termos de danos sociais e econômicos. O Syriza pagou por isso, como todos os partidos de esquerda que, quando chegam ao poder, fazem o oposto do que prometeram fazer. Dessa forma, abriu o caminho para o retorno de uma direita que estava particularmente desacreditada na Grécia.
Que balanço você faz dos quatro anos de exercício do poder estatal por um partido que foi rotulado como de esquerda radical e que gerou esperança na Europa para esse campo político?
A única palavra adequada é desastre. O Syriza deu continuidade às políticas dos governos anteriores, com diferenças marginais que não mudaram o fundamental. As estatísticas falam de uma pequena recuperação econômica, mas a realidade é que o país perdeu um quarto de sua riqueza desde o início da crise, o desemprego está em quase 20% e a Grécia está em 3º lugar no ranking dos países [europeus] cuja população está mais exposta à pobreza: apenas a Roménia e a Bulgária estão em pior situação. Na Grécia, perto de meio milhão de pessoas (a grande maioria delas muito jovens) deixaram o país desde o início da crise, e o ritmo está se acelerando; o que, por outro lado, explica a pequena redução do desemprego.
Você reconhece algum sucesso de Tsipras, como a naturalização dos filhos e filhas de imigrantes, o aumento do salário mínimo, o acesso à seguridade social?
Tsipras adotou algumas medidas populares antes das eleições. A restauração do acesso universal ao atendimento é uma medida do tipo “rede de segurança” recomendada pelas instituições internacionais que exercem a tutela sobre a Grécia. Esses presentes eleitorais não enganaram ninguém: a política aplicada até então reduziu drasticamente os orçamentos sociais, especialmente em saúde e educação. A isto devemos acrescentar que no momento em que os memorandos com os credores expiraram, no verão de 2018, Tsipras assinou um acordo de saída [do memorando] comprometendo a Grécia com políticas de austeridade — excedente orçamentário de 3,5% até 2022 e 2,5% após — até o ano 2060. Tudo isso para pagar uma dívida que nunca pode ser paga. Colocou a Grécia sob o jugo da austeridade nos próximos anos. A direita que recuperou o poder tem uma avenida aberta para aplicar as medidas que prega.
Antes de janeiro de 2015, você achava que uma vitória eleitoral do Syriza funcionaria como uma locomotiva para a esquerda radical na Europa. Onde está a esquerda radical europeia agora?
É neste campo que o desastre pode ser maior, sem minimizar o que o povo grego sofreu. No verão de 2015, com a capitulação perante as instituições europeias, uma semana depois de ter ganho um referendo no qual 62% dos eleitores rejeitaram um plano de austeridade mais leve do que tiveram de suportar mais tarde, Tsipras sinalizou que, uma vez no poder, a esquerda radical age como seus predecessores. É o dano mais grave e duradouro: matou a esperança no interior do país, mas também enviou a nível europeu uma mensagem de que a esquerda, socialdemocrata ou radical, é a mesma coisa que os partidos do sistema. Depois disso, a nível europeu, é a extrema direita que aparece como a única alternativa. No entanto, até o verão de 2015 na Europa, a tendência era favorável a novas formações radicais de esquerda, como o Podemos, ao passo que, após a capitulação de Tsipras, houve uma inversão. A partir daí, fora da Grécia, é a extrema direita que aparece como a força que captura o fundamental da ira popular.
Neste caso, na Grécia, o partido neonazista Aurora Dourada não obteve deputados nestas eleições. Ganhou a direita tradicional. Quem é o novo primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis? Que representa?
De fato, a única notícia positiva dessas eleições é a saída do parlamento da Aurora Dourada. O julgamento pelo assassinato de Pavlos Fyssas [rapper e militante antifascista assassinado por um membro da Aurora Dourada] desempenhou um papel pedagógico perante o eleitorado. Mas outro partido de extrema direita, não neonazista ou violento, entrou no parlamento: Solução Grega. Mitsotakis é o herdeiro de uma dinastia política que reinou e governou várias vezes nos anos 60 e 90. Ele representa uma direita neoliberal de choque. Por exemplo, ele se orgulha de ter demitido milhares de funcionários quando era Ministro da Administração Pública. Tradicionalmente, seu clã está associado a uma política atlanticista ligada à Alemanha e extremamente neoliberal. Durante a campanha, Mitsotakis anunciou a abolição de qualquer limitação do dia de trabalho, a privatização do sistema de pensões e de saúde. Seu partido, Nova Democracia, integrou em postos chave políticos provenientes da extrema-direita que, sem dúvida, farão parte de seu novo governo, como Adonis Georgiadis e Makis Voridis.
Mera 25, o partido do ex-Ministro da Fazenda que rompeu com Tsipras, Yanis Varoufakis, ganhou nove assentos. Isso significa que um setor do eleitorado ainda acredita em uma solução eleitoral de esquerda?
Varoufakis conseguiu ocupar uma parte do espaço eleitoral das formações à esquerda do Syriza que, desde setembro de 2015, obtêm cerca de 10% dos votos. A principal formação desse grupo é o KKE (Partido Comunista), muito sectário e stalinista, que está estagnado em 5,5% dos votos. O partido de Varoufakis, que não existia em 2015, pode se tornar o polo para onde pequenas forças convergem. Mas eu gostaria de enfatizar o fato de que é um partido que só existe devido à personalidade e à presença da mídia de seu líder. E que carece de uma verdadeira ancoragem na sociedade. É uma meta-política que é jogada sobretudo na mídia e nas redes sociais. Para a esquerda radical, abre-se um longo ciclo de reconstrução. Ela tem necessidade de inventar novas fórmulas.
Existe um movimento popular que busca alternativas antiliberais na Grécia, ou a derrota foi imposta?
Estamos diante de uma sociedade traumatizada e desmoralizada, na qual as pessoas são totalmente absorvidas pelos imperativos da sobrevivência individual. O Syriza obteve melhores resultados do que os previstos nestas eleições — mais de 30% -, porque a lógica do mal menor tem funcionado contra a perspectiva do retorno da direita neoliberal. Mas Tsipras matou a esperança. A passividade da sociedade tem prevalecido nos últimos quatro anos. Eu nunca tinha visto a sociedade grega nesse estado, tanto em termos de condições sociais severas quanto de anestesia cultural e moral.
Stathis Kouvelakis é professor de filosofia política no King’s College de Londres e membro do partido de esquerda radical Unidade Popular (nascido de uma ruptura do Syriza).
07/08/2019
— — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — — –
Como as capitulações do Syriza permitiram a direita grega escapar da lata de lixo da história
Yannis Varoufakis
A adesão da esquerda à austeridade criou as condições para o retorno de uma oligarquia parasitária e cruel.
A direita grega está de volta: mais gananciosa, feia e concentrada do que nunca. O novo governo da Nova Democracia está determinado a recuperar o controle total do Estado em nome do segmento mais parasitário da oligarquia grega e, é claro, dos credores impiedosos de nosso país.
Kyriakos Mitsotakis, o novo primeiro-ministro, vem de uma das dinastias responsáveis pela perpétua bancarrota, corrupção e submissão à oligarquia atlantista da Grécia, sem limites. Significativamente, ele se cercou, por um lado, de aparatchicks relacionados a fundos abutres e bancos falidos e, por outro lado, de ex-fascistas ultranacionalistas.
Juntos, os heterogêneos reacionários de Mitsotakis planejam desencadear uma nova guerra de classes contra um povo que já perdeu quase tudo, contra as minorias, contra nosso meio ambiente, contra a decência.
Como isso aconteceu? Há apenas quatro anos, os eleitores gregos deram ao Syriza, o partido da esquerda radical, o mandato para eliminar os oligarcas e confinar a Nova Democracia em seu devido lugar: a lixeira da história. Em 25 de janeiro de 2015, apanhado na emoção do momento, citei Dylan Thomas [poeta galês do século XX] para transmitir uma mensagem de esperança aos progressistas de todo o mundo: “Hoje a democracia grega, escrevi, optou por parar de andar devagar à noite. A democracia grega decidiu se enfurecer com a morte da luz”.
Então, o que deu errado? O que permitiu a restauração de um regime autoritário e incompetente, que destruiu a Grécia antes de transformá-la numa cruel prisão para o devedor, cuja emigração era, e ainda é, a única saída? Quando meus compatriotas gregos deixaram de ficar bravos com a longa noite de nossa servidão por dívida? A resposta é: a noite de domingo, 5 de julho de 2015.
A noite começou de forma brilhante. Os gregos foram às urnas em massa para dizer um retumbante “não” em um referendo organizado pelo nosso governo, em um curto espaço de tempo. Este corajoso NÃO foi dirigido à Troika de credores (o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional) que, em 25 de junho de 2015, lançou um implacável ultimato à nação: sucumbir às novas medidas de austeridade desumanas em troca de enormes e novas linhas de crédito ou correr o risco de ser expulso do euro e ser forçado a mudar para uma nova moeda nacional.
A grande maioria, 62%, que disse não ao ultimato da Troika, sabia exatamente o que estava dizendo e os riscos que corria quando dizia isso. Comentadores desonestos estão tentando apresentar o nosso povo como iludido, citando o que eles veem como uma “contradição”: a maioria daqueles que votaram NÃO, não queria que a Grécia deixasse o euro. Embora isso seja verdade, preferir ficar no euro e votar não naqueles que ameaçam Grexit é tão contraditório quanto dizer que, em 1939, os britânicos desejavam a paz, apoiando a determinação de Winston Churchill de defender a nação contra as agressões do Eixo.
No referendo de 2015, o que o povo grego nos disse, seu governo, fazia todo o sentido: “Não queremos sair do euro nem enfrentar a União Europeia”. Mas se a União Europeia exige de você, do nosso governo, a intensificação do círculo vicioso de insolvência-austeridade, que força nossos jovens a emigrar e a expropriação do que resta de nossos bens públicos, não se renda; mesmo que tenha que pagar por isso com o Grexit”.
Naquela noite, enquanto nosso povo estava nas ruas para celebrar sua notável vitória, os representantes políticos da oligarquia grega estavam insanos. O líder da Nova Democracia demitiu-se, os quadros do partido mergulharam em profundo desespero, a oligarquia que representavam estava em estado de pânico. Infelizmente, eles se preocuparam desnecessariamente. Na verdade, ao mesmo tempo, houve um golpe contra a população no escritório do meu colega, o Primeiro-ministro.
Assim que entrei no escritório de Alexis Tsipras, ele me disse que decidira ir para a cama, ignorar o Não popular e aliar-se à Nova Democracia para que o Parlamento pudesse aprovar o Projeto de Lei pelo qual a Grécia se rendeu, uma vez mais, para a Troika. Como não pude dissuadi-lo, renunciei ao cargo de Ministro das Finanças. Poucas horas depois, Tsipras convocou uma reunião com o líder interino da Nova Democracia e os líderes dos outros partidos pró-Troika, que ele precisava no parlamento para aprovar o terceiro resgate (memorando). Foi nessa época que a Nova Democracia se retirou da lata de lixo da história e se colocou no caminho que levou, com precisão matemática, à vitória eleitoral.
Desde aquela noite, o parlamento grego foi palco de uma tragicomédia que durou quatro anos: os deputados do Syriza aprovaram leis de austeridade e privatizações com as quais não concordavam, enquanto, por outro lado, os deputados da Nova Democracia as rejeitaram, embora concordassem. Eu não entendo como meus ex-colegas estavam convencidos de que isso não terminaria em uma derrota devastadora para o Syriza.
A rendição incondicional do Syriza à Troika teria sido suficiente para reviver a Nova Democracia. Infelizmente, o governo de Tsipras fez todo o possível para afastar os progressistas que o elegeram, indo de mal a pior. Sua submissão irrestrita ao status quo foi demonstrada com a facilidade em que traiu cada um dos princípios mais queridos da esquerda.
Ao aprovar o indesculpável acordo de Angela Merkel com o cada vez mais ditatorial presidente turco (efetivamente subornando Recep Erdogan para permitir que a Europa viole suas obrigações legais em relação aos refugiados), Tsipras destruiu a alma dos simpatizantes do Syriza, para quem a defesa dos pobres da terra era essencial.
Ao compartilhar lucrativas licenças de televisão com oligarcas tradicionais e com obscuras figuras próximas do círculo do Sr. Tsipras, outro princípio da esquerda foi traído. A última ignomínia ocorreu quando Tsipras apareceu na televisão com Benjamin Netanyahu, celebrando uma nova aliança entre Grécia, Israel, Chipre e as multinacionais do petróleo, com o apoio ativo do presidente Trump, para explorar conjuntamente o Mediterrâneo oriental; também introduzindo o fracking no Epirus (entre a Grécia e a Albânia) e a entrada de vários oleodutos na Trácia e na Macedônia Oriental. Para um partido que havia aproximado os verdes gregos, com a promessa de promover uma agenda ambiental, foi uma capitulação mais memorável do que a de 5 de julho de 2015.
Suspeito que o dano psicológico causado em mim por meu pai tem origem no seu assustador relato de como, em um campo de concentração para militantes de esquerda no final dos anos 1940, os torturadores fascistas procuravam ativamente destruí-los, fazendo com que torturassem seus companheiros em troca de benefícios. Em 2015, o Sr. Tsipras foi submetido a táticas semelhantes.
Antes de 2015, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble — e, de modo mais geral, a liderança da Troika -, estava ansioso para recrutar um partido de esquerda por pelo menos três razões importantes.
A primeira foi que eles precisavam de um pretexto para esmagar o estado grego com outro grande empréstimo. Devido à sua insolvência permanente e ao vencimento do empréstimo de 2012, o governo precisava de um novo empréstimo ou do alívio da dívida. No entanto, Schäuble e a Troika haviam se comprometido em não atender nenhum dos dois. A determinação declarada de nosso governo de lutar pelo alívio da dívida, em vez de um terceiro empréstimo, teria forçado Schäuble a afirmar que, embora um terceiro empréstimo fosse inútil, ele se tornava necessário devido à má administração econômica do Syriza. A capitulação de Tsipras libertou Schäuble de um dilema que ele próprio criara.
A segunda razão foi que Schäuble queria usar um terceiro empréstimo para expropriar, em nome dos credores, todos os ativos lucrativos que ainda estavam nas mãos do Estado grego. Com um governo de esquerda, antes anti-Troika, a implementação deste impressionante ataque foi perfeitamente legitimada.
A Espanha foi o terceiro motivo para a Troika fazer o Sr. Tsipras se curvar à sua vontade. No dia em que o governo grego assinou o documento de rendição em Bruxelas, o primeiro-ministro conservador espanhol, Mariano Rajoy, balançou um pedaço de papel com a assinatura de Tsipras e, falando ao seu público nacional, disse: “É isso que acontecerá se votarmos no Syriza espanhol [Podemos]”. A partir desse momento, começou o declínio constante do Podemos em direção à insignificância política.
Kyriakos Mitsotakis
Kyriakos Mitsotakis é o novo primeiro-ministro grego mais sortudo dos últimos tempos. E ele deveria agradecer ao governo do Syriza.
Em agosto passado, o governo de Tsipras concluiu o terceiro memorando e, sob o pretexto de encerrar o programa de resgate, estabeleceu o quarto e mais longo acordo com a Troika. A única diferença real com os contratos de empréstimos anteriores era que o quarto empréstimo envolvia relativamente pouco dinheiro adiantado. A maior parte da assistência financeira assumiu a forma de reprogramação, uma vez que mais de 100 bilhões de euros de reembolsos que o Estado grego deveria ter feito entre 2021 e 2030 foram adiados para além de 2032 (incluindo juros, é claro). Em troca, o Sr. Tsipras aceitou uma austeridade permanente até 2060.
E é aí que está o paradoxo: enquanto a insolvência do Estado se agravou, o governo Mitsotakis será o primeiro desde a crise que não terá que se preocupar em pagar grandes somas aos credores. Assim, os conservadores gregos estão agora, graças ao Syriza, livres para construir seu regime como bem entenderem.
Uma avaliação da distribuição e do programa do novo governo mostra que o seu objetivo é encontrar uma solução letã [em dezembro de 2013, a manchete do Le Monde foi: “Letónia, campeão europeia de austeridade”] para a nossa permanente Grande Depressão: a luta contra o subemprego pela emigração de um número ainda maior de jovens; a submissão dos trabalhadores remanescentes às condições medievais; a devastação das pequenas empresas, cuja quota do mercado será assumida pelos oligopólios multinacionais apoiados pela Troika; o uso do sistema bancário para lavar dinheiro sujo; a transferência de propriedade pública e da propriedade de famílias endividadas para os fundos abutres; e um Estado pobre demais para ajudar os fracos, mas sempre generoso com os poderosos.
Como esta guerra de classes nua provocará uma resistência considerável, espero que o novo governo se torne brutalmente autoritário. Desde o início, os executivos da Nova Democracia já estão anunciando novas leis draconianas contra a dissidência. A aliança entre neoliberais e pós-fascistas, que estão nos ministérios gregos, trabalhará para violar as liberdades civis fundamentais em nome do … liberalismo econômico.
O único raio de esperança nesta paisagem sombria é a entrada do MERA25, a ala eleitoral do DIEM25 na Grécia, para o parlamento. Nove de nós foram eleitos, apesar da falta de recursos e da campanha de difamação contra nós sustentada pela Nova Democracia e pelo governo de Tsipras.
Ao contrário dos deputados do Syriza, que carecerão de credibilidade na oposição, nossos parlamentares e ativistas liderarão a resistência, dentro e fora do Parlamento, contra a oligarquia parasitária e cruel pela qual lutará a Nova Democracia, construída com base no quarto acordo de resgate do Sr. Tsipras. Juntamente com nossos parceiros na Europa, no Reino Unido e em todo o mundo, lutaremos por um Novo Acordo Verde, para evitar as mudanças climáticas apocalípticas.
A porcentagem de votos do MERA25 foi baixa (3,4%). Mas, com a tremenda notícia de que os nazistas da Aurora Dourada foram expulsos do parlamento, esse pequeno número é grande o suficiente para fazer uma diferença crucial; da mesma maneira que a luz de uma pequena vela é capaz de penetrar na escuridão.
Yanis Varoufakis. Ex-ministro das Finanças da Grécia no governo de Tsipras, de janeiro a julho de 2015, e líder do DIEM25.
08/07/2019
Tradução: Daniel Monteiro.