No limiar da bandeira vermelha: 150 anos da Comuna de Paris

O ano vermelho de 1871 começou com o bombardeio de Paris pelas tropas prussianas que, nesse mesmo dia, ocuparam Versalhes. O governo provisório convocou eleições para a Assembleia Nacional. As lutas de classes se acirraram na França, especialmente em Paris, apontando para um confronto revolucionário no da dualidade de poderes. 

O povo em Paris está em armas para combater as tropas prussianas, o governo provisório se vê na obrigação de formar batalhões da guarda nacional, passam a existir mais de 200 batalhões, é um momento de profunda divisão de classe. O proletariado organizou suas táticas com o sentido estratégico de construir o seu poder.

Nessa cena política desvelada, a AIT lança dois manifestos, escritos por Marx, que sempre demonstrou não ter receio do relógio da história. É importante registrar que suas análises no fogo da luta sempre souberam responder ao processo em curso com uma arguta visão estratégica. 

Em Paris, a contrarrevolução tenta encetar os seus golpes, Thiers, agora chefe do governo em Versalhes, manda tropas para recuperar as armas que estavam nas colinas de Montmartre. Os trabalhadores, em dias anteriores, já tinham resistido em diversas partes da cidade a essa tentativa das tropas de Thiers. Portanto, na madrugada do dia 18 de março de 1871, as forças de Versalhes, sob o comando do general Lecomte, tentaram se apoderar dos canhões de Montmartre e encontraram uma vigorosa resistência de homens e mulheres que partiram para o enfrentamento sob o comando de Louise Michel, foi deflagrada a revolução.

O comitê central da guarda nacional assume o poder em Paris, em seguida, convoca eleições que são realizadas no dia 26 de março para o conselho da Comuna. Começa o exercício do autogoverno dos trabalhadores, tomando medidas e implementando ações que entraram para a história das revoluções. As comissões de trabalho da Comuna tiveram preocupações excepcionais com a questão da justiça, da segurança pública, finanças, instrução pública, medidas militares, saúde, trabalho e comércio, serviços públicos e relações exteriores, tudo isso articulado numa comissão executiva. Esse papel executivo estava imbricado com a função legislativa e todos os mandatos eram revogáveis, portanto, uma nova forma política para o autogoverno que entrou para a história.

Todavia, no fogo da batalha, a Comuna cometeu erros na sua efêmera existência de 72 dias. Esses equívocos se constituíram em questões que podem explicar a derrota: não foi confiscada a propriedade dos meios de produção, apenas controlando socialmente aquelas fábricas (oficinas) que os donos haviam abandonado na fuga de Paris; não ter marchado no primeiro momento sobre Versalhes, quando as tropas do governo de Thiers encontravam-se desorganizadas; não ter confiscado o dinheiro do banco de França, que estava financiando as ações contrarrevolucionárias do governo de Versalhes; a desarticulação entre o campo e a cidade; a falta de vontade política em abrir os arquivos da França, nos quais estavam as mais sórdidas estórias da burguesia e da monarquia; e por fim, a desorganização das tropas da Comuna, que não conseguiam ter uma disciplina para colocar em ação/combate o poderoso conjunto de homens e mulheres que estavam com sede de luta e motivados para transformar o mundo em que viviam.

A Comuna de Paris desnudou, no limiar dos tempos atuais, que a reprodução social do sistema passa pela afirmação da ordem do capital, pela submissão do trabalho assalariado e pela dominação de classe, através do Estado. Contudo, na Comuna, surgiu a possibilidade de efetivação de um poder socializado que emergia da produção, tirando o caráter politicista de classe e transformando o poder, no poder dos trabalhadores associados de toda Paris. Mas a Comuna, mesmo com a sua derrota, colocou na lixeira da história o espasmo reacionário de Thiers que afirmou que o socialismo estava acabado por muito tempo, o que não se confirmou. Logo em seguida, no começo do século XX, com o mesmo padrão histórico, entram em cena os trabalhadores, camponeses e soldados da Rússia, que se levantaram para constituir os sovietes. A revolução russa atualizou a Comuna como um instrumento teórico/prático de um novo momento histórico, dando uma enorme contribuição à uma nova vaga revolucionária.

A forma política encontrada por Marx, a partir do exame do que representou a Comuna de Paris, ao quebrar a estrutura do Estado burguês, foi a ditadura do proletariado. Sendo assim, as lições da Comuna permitem-nos construir uma noção daquilo que passamos a pensar como transição. Esse momento se concretiza a partir da destruição do aparato burocrático da burguesia, das medidas e ações que estabeleceram a ruptura com a ordem do capital. 

Ao analisarmos as lutas empreendidas pela Comuna, no seu curto poder, nós podemos confirmar a profunda grandeza com que se revestiu essa façanha emancipatória: a junção inovadora que a Comuna fez das atribuições executivas e legislativas, ou seja, quem executa são os mesmos que fazem as leis e agem de forma única, não existindo a tradicional separação burguesa dos poderes em questão, isso pode se aprofundar pela revogabilidade dos mandatos a qualquer momento a partir dos interesses daqueles que elegeram. O judiciário passou a ter eleições e os juízes eram eleitos para os tribunais civis; a ordem pública foi mantida sem abalos, pois, a partir da fuga do governo provisório para Versalhes, Paris transformou-se numa cidade muito segura, sendo a ordem pública mantida pelo povo em armas. O crime do indivíduo contra o indivíduo é um produto da ordem burguesa, a fuga dessa escória para Versalhes, contribuiu para que Paris tivesse um índice extremamente diminuto de delitos. As comissões da Comuna desenvolveram práticas seminais no campo da democracia direta com o seu funcionamento.

Essas comissões compunham em representação direta uma comissão executiva e essa comissão executiva transformou-se na verdade o poder central da Comuna, esse é dado seminal para que se possa entender a transição.

É preponderante resgatar o papel extraordinário que a mulheres tiveram na Comuna, em particular figuras como Louise Michel (enfermeira), como Jeanne-Marie que lutou nas barricadas da semana sangrenta, e muitas outras, que criaram a união de mulheres para defesa de Paris, em oito de abril de 1871. Ao lado do revolucionário papel da mulher, tivemos como uma das primeiras medidas da Comuna a separação do Estado da Igreja, e a transformação do ensino confessional em ensino laico e gratuito, levando-se em consideração as contribuições aprovadas no congresso de Genebra da AIT, no sentido de uma educação para a emancipação humana.

A Comuna foi derrotada: o massacre final entre os dias da última semana de maio de 1871 matou mais de 30 mil trabalhadores/as, aprisionou mais de 40 mil pessoas, muitos foram encaminhados para trabalhos forçados, ocorreu uma gigante deportação. Todavia, em várias partes do mundo, os trabalhadores saíram às ruas em solidariedade aos Comunards, mesmo com a violenta derrota, e com o papel da imprensa burguesa, tivemos manifestações de solidariedade aos Comunards em Londres, Bruxelas, Berlim, Genebra, Zurique, etc.

Os Comunards que tombaram nas trincheiras de Paris e que foram fuzilados no muro do cemitério de Père-Lachaise, a sua história é a luta dos trabalhadores/as do mundo. Afinal vocês, heróis do muro dos federados, estiveram lá em defesa da humanidade. Para todos/as que levantaram a bandeira vermelha, o grito da história sempre será de vida longa à memória daqueles/as que lutaram em defesa do Estado proletário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *