O duplo padrão em direitos humanos e a esquerda “nice”

Neto de Allende responde a Boric

Pablo Sepúlveda Allende 1

Deputado, atrevo-me a lhe responder porque vejo o perigo de dirigentes importantes como você, jovens que são referências dessa “nova esquerda” que surgiu na Frente Ampla, façam comparações simplistas, absurdas e desinformadas sobre temas tão delicados como são os direitos humanos.

É muito tendencioso e grosseiro equiparar – sem o menor argumento – o suposto “debilitamento das condições básicas da democracia na Venezuela”, a ” permanente restrição das liberdades em Cuba” e “a repressão do governo Ortega na Nicarágua” com as comprovadas atrocidades da ditadura militar no Chile, o evidente intervencionismo criminoso dos Estados Unidos em todo o mundo e o terrorismo de estado de Israel contra o Povo da Palestina.

Escrever tal insensatez não significa “tornar-se um pseudo agente da CIA”, mas denota uma importante irresponsabilidade e imaturidade política que pode transformá-lo em um elemento útil para a direita ou, pior ainda, na “esquerda” que a direita deseja: uma esquerda burra, ambígua, uma esquerda inofensiva, que por oportunismo prefere parecer “politicamente correta”, uma esquerda que não é “Ni Chicha Ni Limoná”2, que não quer ficar mal com ninguém. 

Uma esquerda assim confunde, porque não ousa apontar e enfrentar com coragem os verdadeiros inimigos dos povos. Daí o perigo de emitir opiniões politicamente imaturas.

Você já se perguntou por que a Venezuela está sendo tão vilipendiada e atacada pela mídia? Por que é notícia todos os dias em praticamente todos os países do mundo ocidental onde dominam os grandes meios de comunicação? Por que é atacada por todos os lados e em gangues? Por que esses grandes noticiários se calam sobre os massacres contínuos na Colômbia e no México? Por que aqueles que rasgam a roupa preocupados com um deputado venezuelano, que confessou ter participado de uma tentativa de magnicídio, não têm coragem de exigir que Israel acabe com o genocídio contra o povo palestino?

O mundo ao contrário. Esse é o mundo da política sem coração e sem coragem.

Margarita Labarca Goddard já argumentou de forma clara e contundente por que você está errado em seus julgamentos sobre Cuba, Venezuela e Nicarágua. Acrescentarei apenas que a Venezuela tem uma democracia muito mais saudável e transparente do que a do Chile. Quando você quiser, posso argumentar com você e podemos debater, se você estiver interessado.

Também é fácil argumentar sobre por que é uma falácia a “permanente restrição das liberdades em Cuba”. Isso sem mencionar que a palavra “liberdade” está tão gasta que, a esta altura, seu verdadeiro significado resulta ambíguo, e uma definição sensata requer um debate até mesmo filosófico. Diga-me, então, o que é liberdade?

Cito esses dois países porque os conheço muito bem. Morei em Cuba nove anos e há nove anos vivo na Venezuela. Não conheço a Nicarágua pessoalmente, mas o convido a se perguntar qual teria sido a reação de um governo de direita à ação de gangues de criminosos pagos e fortemente armados, que chegam para assumir setores das cidades mais importantes do país; onde, além disso, essas gangues de mercenários estão instaladas para cometer atos abomináveis ​​como sequestrar, torturar, mutilar, estuprar e até mesmo queimar vivas dezenas de seres humanos, pelo simples fato de serem militantes de uma causa – no caso, militantes Sandinistas; onde a perseguição chegou ao ponto de famílias inteiras serem assassinadas em suas próprias casas.

O governo legitimamente eleito na Nicarágua, mesmo tendo os recursos, a estrutura legal e a força para tomar medidas imediatas e enérgicas contra tal desestabilização fascista, foi bastante contido. Você acha que a direita no poder teria essa visão pacífica e de apelo ao diálogo para resolver o conflito?

A história nos responde.

Entendo que você possa estar confundido pela grande “mídia” que se encarregou de vitimar os algozes; assim como fizeram há um ano na Venezuela durante as chamadas guarimbas3.

Portanto, Gabriel, objetivamente falando, com argumentos sérios – sem opiniões formadas e moldadas midiaticamente à base de tergiversações e mentiras repetidas diariamente –, não há duplo padrão para os que defendem Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Não desaparecemos nem torturamos ninguém, não prendemos quem pensa ou tem opinião diferente, mas sim criminosos, sejam eles deputados, políticos ou supostos estudantes. Melhor me parece ver esse “padrão duplo” em você mesmo, quando emite julgamentos de valor confortáveis ​​por manipulação e ignorância.

Sobre meios de comunicação, democracia e liberdades, podemos discutir comparando Chile com esses países. Garanto que, lamentavelmente, o Chile não se sairia muito bem, ainda mais se incluíssemos os direitos humanos, econômicos e sociais, que aí nada mais são do que mercadoria.

“Uma pessoa atinge seu nível mais alto de ignorância quando rejeita algo sobre o qual nada sabe.”

Saúde.

Referências

  1. Pablo é Doutor, Coordenador da Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade, neto do Presidente Salvador Allende Gossens.
  2. Referência à música de Victor Jara: https://www.youtube.com/watch?v=rX_NFOLYxb8
  3. Levantes da direita na Venezuela

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