O único direito que temos garantido é uma bala na testa.

Foto/Arquivo Notibras

Por João Gabriel de Almeida*

Essa frase acima foi dita recorrentemente em entrevistas por Jesús Santrich, ex-guerrilheiro das FARC-EP e parte da refundação do movimento insurgente bolivariano na Colômbia. Infelizmente, a história lhe tem dado a razão. Através da Fundação Lazos de Dignidad, que desde 2017 vem lutando pelos direitos humanos, 233 signatários dos acordos de Paz foram assassinados em todo o território colombiano.

Desde as primeiras denúncias o governo justifica como casos isolados. O ministro de Defesa, ainda em 2017, quando começou este massacre, afirmou que eram por “Líos de falda” (por ir atrás de um rabo de saia). Estas mortes nos lembram muito outro evento histórico similar o massacre da União Patriótica nos anos 90 – partido que ia ser o responsável pela incorporação política da FARC naquele período. No caso da UP houve intervenção e perseguição sistemática dos grupos genocidas orquestrados pelo governo colombiano, como eram os cartéis colombianos e os paramilitares, foram sendo diluídos e perdendo investimento estatal e a violência política passou a ser exercida por grupos mais dispersos e a margem do Estado. Neste novo genocídio, não se pode afirmar que os assassinatos foram a mando do Estado, como ocorreu em muitas vezes na história colombiana. Mesmo assim, estes assassinatos são de responsabilidade estatal por total ausência de medidas de proteção.

A grande maioria dos assassinatos ocorrem em territórios onde há um reordenamento da rota da cocaína para o Pacífico. A especificidade da morte de ex-guerrilheiros é porque foram inimigos históricos destes grupos, assumindo a tarefa de proteção dos direitos dos pequenos produtores cocaleiros nas regiões produtoras, e atualmente como agentes ativos nos programas pactados com o governo para a substituição de cultivos ilícitos. Estas pessoas estão sendo assassinadas na sua maioria porque aceitaram a tarefa de cumprir o trabalho territorial de garantir os direitos aos pequenos camponeses estabelecidos no marco do acordo de Paz. O governo conhece bem a situação e não garante a seguranças dos militantes mesmo com sistemas de segurança já previstos em lei. Muitos dos mortos já haviam comunicado as ameaças aos órgãos competentes.

O que vem ocorrendo na Colômbia é a demonstração de que confiar na institucionalidade sem uma capacidade real de exercício de poder é uma das piores armadilhas para movimentos de esquerda. Como muitos já relataram, e inclusive foi o motivo para a fundação da Nova Marquetália, a vida na selva durante a guerra terminou sendo mais segura nos territórios que a “Paz” do regime neoliberal. Este fato é algo que os setores subalternos colombianos já sabem há muito tempo e que outros países se dão conta de maneira mais acentuada agora na pandemia global: A única garantia que o capital nos oferece é a morte.

* João Gabriel de Almeida, investigador e professor do Instituto de Pensamento e Cultura na América Latina, João foi professor e assessor comunicacional do partido Farc (Fuerza Alternativa Revolucionaria del Común) no seu processo de reincorporação

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *