por Raúl Zibechi1
8 de dezembro de 2022
O breve governo de Pedro Castillo, com um ano e quatro meses, terminou tão mal quanto sua própria e desvairada gestão. Chegou à Casa de Pizarro nas costas de uma potente mobilização andina. Os excluídos do Peru acreditaram ser o professor rural e dirigente sindical, que protagonizou uma grande e exitosa greve em 2017, um dos seus. Por sua forma de falar, por seu sombreiro e seus modos, mas, sobretudo, por sua promessa de sair do modelo neoliberal e convocar uma Assembleia Constituinte que redigiria uma nova Carta para substituir a herdada da ditadura de Fujimori. Embora tenha iniciado seu governo em aliança com partidos de esquerda, já que sua força eleitoral (Perú Libre, definida como marxista-leninista) estava em franca minoria parlamentar, logo surgiram conflitos internos que levaram à ruptura.
Depois, fez mudanças inexplicáveis, nomeando ministros corruptos ou espancadores, vários deles processados por corrupção. Fez pactos obscuros, voltou atrás em várias ocasiões depois de tomar decisões aparentemente inalteráveis, ao ponto em que, com pouco mais de um ano de governo, realizou numerosas mudanças ministeriais, nomeando mais de 80 ministros. Seu governo perdeu o rumo, dilapidou o apoio político com o qual chegou ao governo e, em um arremate próprio de sua incompetência, fechou o Congresso e terminou preso na mesma prisão onde está Fujimori.
Seu estilo de governo deu asas à ultradireita, que tentou derrubá-lo no Congresso em quatro oportunidades, espaço que controla desde as eleições de 2021. O parlamento presidido pelo ex-general Williams Zapata, acusado de violação dos direitos humanos, conta apenas com 8% de aprovação popular, segundo as pesquisas.
A ultradireita, que nas urnas se alinhou com Keiko Fujimori, conseguiu o que se propunha e é a grande vencedora, pelo menos no curto prazo. Nunca aceitou a presidência de Castilho, estava empenhada em derrubá-lo e provavelmente o teria conseguido na votação que no mesmo 7 de dezembro ia se realizar para destituí-lo por “incapacidade moral permanente”, uma figura etérea que se presta a quase qualquer interpretação.
O certo é que o suicídio político de Castillo, como o avalia Rocío Silva Santisteban, defensora dos direitos humanos e ex-congressista pela Frente Ampla, é o pior corolário até mesmo para sua errática gestão. Reflete, em todo caso, as enormes dificuldades que a governabilidade em um país que parece marchar à deriva apresenta.
Com efeito, a sucessão de governos interrompidos e de presidentes processados por corrupção revela a incapacidade das elites de governar o país, drama a que se somou alegremente Castillo.
É certo, como reconhece a central sindical CGTP (Confederación General de Trabajadores del Perú) em um comunicado de 7 de dezembro, que “a constante instabilidade política, social e econômica no Peru tem raízes na espúria Constituição de 1993”. Mas a redação de uma nova Constituição não pode resolver esses problemas porque, como o acaba de mostrar o Chile, antes deveriam ser derrotadas as forças neoliberais incrustadas em todas as instituições e que dominam a economia.
O caminho dos povos não parece estar nas desprestigiadas instituições estatais, uma vez que Castillo é o sexto presidente processado por corrupção desde 2001. Dias atrás, as rondas camponesas e diversas organizações populares iniciaram mobilizações contra o Congresso e a nova presidenta, mas sobretudo contra o poder estatal ocupado pela ultradireita fujimorista.
Na Amazônia peruana, os povos wampis e awajún criaram dois Governos Territoriais Autônomos como modo de se defenderem do extrativismo e das máfias paraestatais. O primeiro data de 2015, quando as 65 comunidades do povo wampis se reuniram em uma assembleia geral para se autorreconhecerem como governo. O segundo nasceu em 2021, quando representantes de 70 mil awajún proclamaram seu próprio governo.
Este outro caminho, o das autonomias de fato, estão em plena expansão porque é cada vez mais claro que incrustar-se no Estado não é o que permite realizar mudanças, mas sim a decisão dos povos de tomar o destino em suas mãos.
*Artigo publicado por Desinformémonos.
Tradução: Marlene Petros