2016 e a nova conjuntura: A esquerda crítica deve continuar a luta pelo socialismo?

1 – Quadro geral:

Entre os governos de FHC e o primeiro governo Dilma, o Brasil viveu uma estável (e forte) polarização política (mais política do que econômica), com as disputas entre PSDB e PT. Parecia até que caminhávamos para o bipartidarismo, no estilo democratas x republicanos (EUA) no Brasil. Na crise de 2008, Lula aplicou políticas keynesianas, com o lançamento do PAC, a renúncia fiscal para a linha branca de eletrodomésticos e automóveis e o crédito consignado. Ganharam os setores populares e médios que foram às compras e os ricos do capital empresarial e financeiro (estes muito mais, de acordo com Lula). Dilma, tomando posse em 2011, procurou replicar este modelo, fazendo renúncia fiscal de cerca de 500 bilhões para as empresas, mas inutilmente, pois a conjuntura era outra. A marolinha virou crise, o Brasil teve crescimento negativo e Dilma, que tinha sido eleita com um discurso de esquerda, passou a aplicar políticas conservadoras. Mas isto não impediu seu impeachment em 2016, comandado pelas forças conservadoras de direita. 

A direita que deu o golpe, porém, pegou um país em crise e colocou Michel Temer no governo, buscando fazer reformas antissociais para debelar a crise. A fórmula falhou inteiramente e os conservadores se deram muito mal. Pode-se dizer que os três grandes partidos, da direita de então, praticamente acabaram (PSDB, MDB e DEM). Por outro lado, criou-se um novo clima político em que o PT foi colocado como vítima da direita e este fato ressuscitou o Partido dos Trabalhadores. E a prisão de Lula, pela Lava Jato, posteriormente revogada, completou o quadro de ressurreição. 

Mas com o fim da direita tradicional, surgiu uma ultradireita, tosca, com cabeça protofascista. Esta direita elegeu como seu mito o então deputado Jair Bolsonaro, um político do baixo clero, que até então era mais conhecido por suas declarações e ações bizarras e truculentas. Este mesmo Bolsonaro, porém, com ideias fascistas que nunca colocou em prática, era um inepto e desqualificado político. Mas como a história reserva surpresas, ele acabou eleito presidente da República em 2018, período em que Lula estava preso e impedido de se candidatar. O Movimento Lula-Livre ganhou grande alcance e, aos poucos, foi ganhando até os setores de esquerda que foram críticos ao seu governo.

2 – Impeachment de Dilma e Lula-Livre:

As esquerdas críticas, socialistas e comunistas sempre tiveram dificuldades de organização desde que Lula assumiu o governo em 2003, pois os principais movimentos sindicais, estudantis e sociais passaram a apoiar Lula quase incondicionalmente. Apesar de o PSOL ter surgido como crítico e oposição ao Lula em 2004 e sua candidata à presidência em 2006, a então senadora Heloísa Helena (mesmo tendo feito uma campanha centrada quase só em temas de corrupção), ter obtido 6,85% dos votos, o partido navegaria para outros rumos a partir, principalmente, de 2016, aproximando-se do PT e de Lula. O PCB e o PSTU, na primeira década do novo século, já eram combativos, mas pequenos, sem recursos e sem parlamentares, apesar de serem maiores do que se configurariam a partir de 2016. E havia resistências ao governo da esquerda liberal de Lula e Dilma, porém dispersas nas universidades e alguns sindicatos.

Esses setores críticos citados participaram das manifestações de 2013, mas, sem o apoio do PT e seus aliados, a direita conseguiu impor suas pautas e, mesmo derrotada nas eleições presidenciais de 2014, começa a se organizar nas ruas e no Congresso Nacional. Como a crise econômica só se acentuava e Dilma procurava compor seu governo com os conservadores, sem convocar os setores populares, a direita foi crescendo e ganhando as ruas em grandes manifestações. Foi neste contexto que o Congresso acabou dando um golpe parlamentar em Dilma em 2016. A partir daí temos, realmente, um novo quadro político que colocará em campos opostos, de um lado o PT e Lula e, de outro, uma direita representada por Temer e aliados. As manifestações de rua, porém, radicalizavam para a construção de uma ultradireita, representada por Bolsonaro.

Os petistas também começaram a se manifestar e, desde então, foram ganhando setores antes críticos aos governos petistas. Alegaram a quebra da legalidade no impeachment de Dilma, além de que os trabalhadores poderiam perder o que haviam ganhado nos governos Lula e no primeiro governo Dilma e que não era hora de fazer oposição ao PT, que representava a única alternativa aos governos de direita. Foram caminhando para perto de Lula, que, preso, virou mártir. O PSTU perdeu quase metade de seus filiados, em um “racha” em que boa parte de seus militantes, que foram para o PSOL, se aproximaram cada vez mais de Lula. O PCB também perdeu muitos filiados, e diversos intelectuais e personalidades de esquerda foram amenizando o discurso de oposição à esquerda ao PT e a Lula. 

Quando Bolsonaro começou a crescer e a ter chances concretas de vencer as eleições de 2018, o discurso antifascista de que era necessário combater o fascismo bolsonarista, de que era necessário defender a democracia (sem adjetivos) e o “estado de direito”, foi crescendo em toda a esquerda. Começou uma corrida para apoiar o PT, que em 2018 teve como candidato o moderado Fernando Haddad. Mas todos estes fatos acabaram enfraquecendo mais ainda a esquerda socialista e comunista, pois boa parte dela parecia ter desistido de se organizar em campo próprio.

O governo Bolsonaro foi marcado por muitos conflitos e radicalizações. Mas, mesmo a esquerda outrora crítica cada vez mais se somava à defesa da prioridade de derrotar Bolsonaro, e vai aderindo ao Movimento Lula-Livre. Quando Lula consegue sua liberdade, os debates de uma Frente Ampla vão ganhando espaço na esquerda. Aqueles que não aderiam eram chamados de “sectários”. O PSOL, além de ter assumido uma forte militância identitária, alinha-se ao PT a ponto de ser confundido com este Partido na opinião pública. O mesmo acontece com o PCdoB, CUT, MST, UNE e outros. 

Assim, grande parte da outrora oposição à esquerda do PT vai se aninhando no terceiro governo Lula, sob o pretexto do quase eterno “não é hora de críticas”, “temos de derrotar o fascismo”. Muitos resistem, mas diminuem em número cada vez maior. A esquerda que quer ir além do social-liberalismo não pode capitular sob o argumento de que a conjuntura é outra desde 2016. Temos de procurar entender esta nova conjuntura para que, mesmo que a passos curtos, possamos voltar a sonhar com o socialismo, com o comunismo, com a superação do capitalismo. E dizermos: sim, vamos continuar lutando, com os trabalhadores, pelo socialismo!!!

Antonio Julio de Menezes Neto

Sociólogo e doutor em educação.

Um comentário sobre “2016 e a nova conjuntura: A esquerda crítica deve continuar a luta pelo socialismo?

  • 12 de junho de 2023 at 10:05 pm
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    Só um reparo factual: ao contrário do PSTU, o PCB não “diminuiu” de 2013/16 pra cá – ao contrário, cresceu, especialmente na juventude

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