Por Joice Souza
Em março de 2013, um protesto de cerca de 2 mil estudantes contra o aumento da tarifa de ônibus em Porto Alegre foi duramente reprimido pela guarda municipal. Parecia mais um protesto comum, mas havia algo novo no ar: uma semana depois os estudantes voltaram às ruas, dessa vez eram dez mil pessoas. Aquela mobilização derrotou o aumento da tarifa. A ideia de que era possível vencer os empresários de ônibus e as prefeituras correu o país. Esse exemplo estimulou atos em várias capitais, sendo que o congresso da UNE de 2013 refletiu a efervescência estudantil.
Manifestações em Goiânia, Natal, Rio de Janeiro e São Paulo pipocavam e cresciam, sendo reprimidas pela PM. Nossa juventude, por exemplo, teve inúmeros ativistas detidos nessas manifestações prévias às jornadas de junho. Surgiram novos organismos que convocavam os atos, como o Fórum de Lutas do Rio de Janeiro, a Assembleia Horizontal de BH, o Bloco de Lutas do RS, coordenadas com os calendários do MPL (Movimento pelo Passe Livre) de SP.
Quando uma nova manifestação foi reprimida em São Paulo, no início de junho, os barris de pólvora explodiram em todo o país: rapidamente assembleias e manifestações convocadas via redes sociais obtiveram adesão massiva da população, em sua maioria jovens estudantes. Era o início de um novo momento que entrou para a história como as Jornadas de Junho de 2013. A aparente calmaria do país se rompia definitivamente em protestos e lutas:
“As manifestações de junho no Brasil colocaram o país de pernas para o ar. (…) A cada dia, nas ruas, novas e sentidas reivindicações apareciam nas cartolinas escritas à mão, nas faixas improvisadas e nos gritos da multidão. Em pouco tempo ficou demonstrado que não era só os 20 centavos de aumento do combustível que mantinha a fogueira acesa. Educação e saúde pública de qualidade, contra a corrupção, contra a homofobia e exigências democráticas por participação e transparência entraram rapidamente na pauta. (…) O contraste gritante entre os gastos para realizar a Copa da FIFA/2014, esbanjando dinheiro público enquanto a saúde e a educação são escandalosamente sucateadas, se converteu em bandeiras contra a Copa em meio aos protestos, brutalmente reprimidos, durante a Copa das Confederações. Mas, a cada repressão a resposta era mais gente nas ruas mais ódio contra os governantes.” Combate socialista nº 48. Havia ainda um forte conteúdo internacionalista nas passeatas, pela ligação com os protestos na Turquia, que ocorriam no mesmo momento.
As jornadas de junho foram manifestações de direita?
Diversas setores de esquerda, correntes do PT e até do PSOL classificam essas manifestações como o “ovo da serpente do fascismo”. Nós discordamos categoricamente delas.
Naquele momento, o Brasil começava a sentir o impacto da crise econômica mundial e o governo, na época do PT, respondeu com inflação, arrocho salarial, aumento das passagens e sucateamento dos serviços públicos. Dilma anunciava um contingenciamento de R$ 15 bi no orçamento público enquanto as empreiteiras e bancos enriqueciam vertiginosamente. “Esse foi o elemento central que gerou essa tremenda inflexão para a irrupção das massas nas ruas, iniciada principalmente pelos jovens, mas que foi ganhando corpo e simpatia em setores populares e entre os trabalhadores.”
As manifestações radicalizadas eram marcadas pelo ódio aos políticos, aos partidos e no geral a todas as instituições do regime. É claro que a direita também tentou disputar esses processos enquanto de conjunto as instituições burguesas buscavam saídas pela via institucional que “estancassem a sangria”. A Rede Globo e outros setores passaram a estimular pautas, como é comum em qualquer movimento de massas que nunca ocorre no vácuo. A própria Operação Lava-jato se encaixa nesse turbilhão de disputas interburguesas e de pressão das massas, do contrário jamais se entenderia como empresários multimilionários como os Odebrechet e políticos como Sérgio Cabral foram parar na cadeia. Onde atuou um setor do judiciário seletivo tentando se mostrar como “eficiente” contra a corrupção, o que não passa de hipocrisia pois jamais a justiça burguesa vai acabar com a corrupção..
Infelizmente, o governo Dilma Roussef aplicou o mesma receita dos governos neoliberais: repressão. Dilma agiu em conjunto com o governador de SP (do PSDB), e do Rio (PMDB), na repressão. Mandou a Força Nacional atuar contra as manifestações e enviou ao Congresso o Projeto de Lei Antiterror, conhecido como “o AI5 da Dilma”. Com o apoio das direções da CUT e da UNE o governo buscou construir um pacto com governadores e prefeitos que tinha como centro garantir o ajuste fiscal que retirava dinheiro do orçamento para manter o pagamento da Dívida pública e apresentar uma reforma política recuada. Não podemos esquecer que Haddad e Alckmin, juntos num evento na Europa, criticaram as manifestações.
Ainda hoje sentimos os efeitos das jornadas de junho
As manifestações foram fruto da legítima indignação dos trabalhadores e da juventude. A tentativa de classificar junho como de direita também faz parte da estratégia eleitoreira de repetir o modelo de conciliação de classes. Para isso é preciso reafirmar que no governo do PT não havia problemas, mas junho de 2013 provou contrário. Ocorreu um levante, uma revolta popular histórica, contrariando as práticas das velhas direções conciliadoras e eleitoreiras, polarizando as ruas do país de norte a sul, marchando para a porta dos palácios de governo e se articulando em plenárias democráticas massivas. Características fundamentais para incorporar na elaboração da estratégia revolucionária da esquerda socialista.
Para nós, a situação iniciada pelas jornadas de junho de 2013 continua aberta pois de lá pra cá a juventude e os trabalhadores seguem com disposição de enfrentar a retirada de direitos e os governo. Hoje, o governo de extrema-direita de Bolsonaro não consegue encerrar essa disposição nem tirar o povo das ruas, isso explica que em seis meses de governo, já tivemos um tsunami da educação e uma greve geral. Junho nos ensina que o caminho para derrotar Bolsonaro continua sendo o da mobilização.