Sim, eu sei que o título parece tabuada ou resultado de jogo de futebol. Mas a ninguém escapa hoje do que falamos quando mencionamos 6 x 1. A deputada Erika Hilton apresentou o projeto de emenda constitucional que pretende acabar com a escala de apenas um dia de folga por semana. A emenda prevê a escala de 4 dias de trabalho e 3 de descanso por semana. Contrariamente ao que se possa supor, a iniciativa conseguiu o apoio parcial de não poucos representantes do empresariado.
Num país com menos de 30% de cidadãos que trabalham com carteira assinada,1 tal mudança legal atingiria apenas essa minoria da população. A grande maioria das e dos trabalhadores registrados tem uma escala de 5 dias de trabalho semanais contra 2 de descanso. Há algumas atividades, como o comércio, que a emenda pode impactar mais. E já há empresários que esperam negociar a redução do salário proporcionalmente à redução dos dias de trabalho.
O que é verdade é que o que os sociólogos chamam de “mobilidade social descendente” entrou em queda livre com a flexibilização das relações trabalhistas. E que mesmo aqueles que têm trabalho registrado buscam formas de complementar seus ganhos por meio de bicos. Além do mais, como acontece com os docentes, o trabalho invade o assim chamado “tempo livre” e o “tempo de descanso” com a preparação de aulas e correção de avaliações. Lembre-se aqui que as mulheres trabalham 7 x 0, mesmo que parte desses 7 dias sejam empregados em trabalho não pago.
Num tempo no qual se restabelecem formas de exploração como a escravidão por dívidas, e se criam novos modos de contratação como o trabalho “hora zero”2, o trabalho intermitente, terceirizado, quarteirizado e por aplicativos, dificilmente a redução legal da escala de trabalho provocaria uma mudança radical nas condições de vida. Se o congresso aprovar uma escala de 3 dias de folga semanal, quem renunciará a preencher esses dias com trabalho complementar? Estou me referindo, claro, a trabalho alienado. Com salários comprimidos por um lado e o bombardeio de estímulos ao consumo por outro, dificilmente as e os trabalhadores o fariam. Nesse contexto, uma medida legal de redução da escala de trabalho semanal dissolveria o salário mínimo tal como o conhecemos. O capital já não suporta sequer o sonho de Estado de bem-estar.
O debate, porém, para além dos interesses dos políticos e empresários envolvidos nas deliberações parlamentares, nos põe, perigosamente para os empresários, a olhar nossa vida à luz de um relâmpago, a encarar alguma coisa que normalmente pomos sob um cone de sombra: em que “gastamos” nosso precioso tempo, nossa vida finita. Que seria de nós se pudéssemos decidir o que fazer com nosso tempo “extra” sem o constrangimento dos baixos salários? Renunciaríamos a essa espécie de morte que é a venda de nossa força de trabalho em troca de dinheiro para fazer girar a roda do comércio? Teríamos o atrevimento de tal gesto de liberdade? Perguntas feito bichinhos furando com insistência nossa cabeça. E se…
Referências
- Informação oral de Márcio Pochmann, em abril de 2016, quando era presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
- Ver: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7427296