60 anos do golpe de 1964 e os desafios da democracia brasileira

O golpe militar de 1964 no Brasil completa 60 anos neste 01 de abril. Apesar de o povo brasileiro ter superado, em 1985, o capítulo mais trágico de sua história recente, enquanto nação não acertamos as contas com nosso passado de graves violações de direitos humanos. Desse período nebuloso de Ditadura Militar herdamos um entulho autoritário que ainda não foi superado e permeia o funcionamento da sociedade e de suas instituições. 

A Ditadura Militar no Brasil depôs um presidente legitimo, lançou ao exílio o melhor da intelectualidade do nosso tempo, assassinou e fez desaparecer brasileiros e brasileiras, fez da tortura uma política de governo e dos quartéis draconianas máquinas de moer gente, estuprou mulheres, promoveu 40 mil prisões arbitrárias (somente em 1964), censurou a imprensa e parcela dos artistas. Nesses 21 anos de ditadura o Brasil incorporou o pior da tradição autoritária, que ainda se perpetua e se expressa na continuidade de graves violações aos direitos humanos.

Diferentemente de outras experiências de conquistas democráticas após regimes autoritários, como na Argentina, Chile e África do Sul, onde se estabeleceu a punição para torturadores e uma política de memória que contemplou as pessoas que tiveram direitos humanos violados, no Brasil, com uma transição democrática a frio e pactuada entre as elites, salvaguardou-se a anistia política aos militares e pouco se avançou na reparação real pela demanda histórica por justiça, memória e verdade. 

O golpe que depôs João Goulart da Presidência da República configura-se como uma derrota histórica da classe trabalhadora brasileira. Jango era um conciliador. Mais forte e importante que ele era o movimento social (como o operário e o estudantil), que exigia reformas e empurrava o próprio governo à esquerda. Era uma base social não fisiológica, mais fiel às suas reivindicações do que aos aparatos institucionais do Estado. Esse setor da classe foi derrotado politicamente e trucidado pelo terrorismo de Estado das Forças Armadas.  

Ainda é necessário tirar lições do que foi o golpe de 1964 para pensar como essa derrota histórica da classe trabalhadora impacta nos desafios da construção de uma democracia real no Brasil. Impõe-se contra todos nós uma herança autoritária que não foi enfrentada pelo progressismo. É verdade que no Governo Dilma Rousseff se fez uma Comissão da Verdade que reconheceu graves violações, identificou autorias, centros de tortura e pessoas envolvidas, mas também é verdade que nenhum militar foi punido por tortura neste país. Esse é o pacto da impunidade entre militares e elites que precisa ser quebrado. 

É necessário tanto exigir que os golpistas do 8 de janeiro não tenham anistia quanto pôr um fim numa tradição de impunidade, em especial contra os que atacam a democracia. É preciso interromper definitivamente o genocídio da juventude pobre e negra das periferias. Não se pode tolerar que em oito estados brasileiros os negros sejam 87% das mortes violentas, uma barbárie que precisa ter um fim. Sem esse passo adiante qualquer democracia será somente um nome do vocabulário.

Se o presidente Lula deseja que o Brasil construa uma democracia real, onde o povo exerça de fato o poder, é preciso proteger as terras indígenas na guerra contra o garimpo ilegal e o agronegócio. A Ditadura expropriou 2 milhões de quilômetros com a remoção forçada de 29 etnias indígenas entre 1971 e 1977, reprimindo, torturando e levando à morte 118 indígenas da etnia Parakanã. 
Esses são alguns dos principais desafios para a construção de uma democracia dos de baixo no Brasil. O progressismo nunca enfrentou esses desafios, e a realidade histórica nos mostra que sem uma classe trabalhadora organizada, consciente e disposta a lutar a democracia está fadada a ser a democracia burguesa e simplesmente institucional. Essa fórmula não serve aos que desejam construir outro projeto civilizacional para a humanidade.

Modesto Neto

Modesto Neto é historiador, mestre em Ciências Sociais pela UFRN, Professor da E. E. Juscelino Kubitschek em Açu (RN) e Direção Nacional da Revolução Socialista-PSOL

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