por Judite Strozake1, María Gabriela Guillén Carías2, Maria Orlanda Pinassi3, Silvia Beatriz Adoue4
Mais um ano de pandemia e de guerra aberta contra as mulheres e os territórios. A guerra é a forma que o capital internacionalizado encontrou para vencer os limites que o planeta apresenta à sua ambição.
Em cada crise, sempre, o capital compensou suas perdas com mais espoliação. Mas hoje a espoliação pura e simples supera a exploração assalariada em todo o mundo. A civilização sempre se valeu da barbárie. Contudo, hoje, o lado obscuro da civilização se impõe e tende a impregnar as “boas” almas e congelar seu coração. Uma grande parte da economia mundial precisa atuar por fora de todos os marcos legais dos padrões civilizatórios que a antecederam.
A guerra sempre foi um dispositivo para resolver as crises do capital, a competição econômica, por outras vias; para criar condições e também para dominar novos territórios para a espoliação. Hoje, porém, há outro motivo forte: a guerra é um negócio. A indústria de armamentos sempre encontrará nos Estados poder de compra.
Milícias, mercenários, cartéis de traficantes atuam como a parte oculta das instituições, na distribuição de tarefas para abrir caminho para a extração de riquezas. O bombardeio comunicacional também é parte desse “lado obscuro”, paralisando e confundindo a capacidade reflexiva.
As cadeias de acumulação de riquezas estão internacionalizadas. E todas se beneficiam com as diferentes facetas desta guerra contra a vida e, em particular, contra suas defensoras, as mulheres. Somos, as mulheres, as mais afetadas com esta combinação de coerção econômica com violência e terror, que chega a fazer de nossos corpos também território sujeito à espoliação.
Vários exemplos da intensidade com que os corpos são objeto de espoliação: das mulheres e meninas como botim de disputa dos cartéis no México às casas reprodutoras de crianças loiras para adoção ou com barrigas de aluguel nos países do ex-Pacto de Varsóvia. Assim como o tráfico que acompanha os deslocamentos da extração mineral e agrícola, ou a construção de infraestrutura logística e de energia para as cadeias flexíveis. As mulheres e suas crianças são também as mais vitimadas em sua defesa da reprodução da vida dos territórios em um momento em que parte importante da população é um obstáculo para o capital.
Em meio às transformações que se apresentam no horizonte da intensificação da espoliação e na configuração geopolítica, ambas operadas pelas diferentes facetas da guerra, nada joga a nosso favor. Para dar um exemplo: a retirada da ocupação militar estadunidense do Afeganistão não redundou em uma melhora das condições da população, já que as milícias dos senhores da guerra, do norte do país, e do Taleban negociam com as cadeias de exploração de minerais e ópio utilizando mulheres e crianças como moeda de troca para não poucas transações. Na região, o tráfico adquire formas muito sofisticadas, com uso de tecnologias e com modificação do marco legal dos Estados.
A ação dos cartéis de traficantes na América Latina vem diversificando seus serviços para abrir novos territórios para a mineração ilegal, cujas riquezas já não são contrabandeadas, uma vez que passam por dispositivos da esfera financeira para transformar-se em commodities legalizadas. No caso da extração de ouro na Amazônia, até mesmo em terras indígenas, de onde foram retiradas 200 toneladas no último ano, além de contaminar as águas dos rios, de onde a população retira parte importante de seu alimento, chegou a “tragar” crianças indígenas com suas dragas.
Mas mesmo a operação legal do capital configura uma guerra. No Chile, já há cinco áreas reconhecidas pelo Estado como “áreas de saturação”, nas quais se quantificam os impactos poluentes das termoelétricas na vida dos indivíduos, com o objetivo de calcular indenizações, sem qualquer intenção de interrupção da operação das usinas, nem, muito menos, um plano de recuperação dos territórios impactados. Práticas similares vêm sendo adotadas com a contaminação por pulverização aérea de agrotóxicos e suas consequências fatais para a vida humana nas zonas de cultivo de soja na Argentina e Brasil. E o mesmo vem ocorrendo depois dos desastres provocados pela mineração em Mariana e Brumadinho, no Brasil.
Esses são apenas alguns exemplos de como as cadeias de acumulação e os Estados se valem de novos marcos legais para a integração às cadeias de espoliação, mas também como lançam mão da ação ilegal para avançar em territórios ainda protegidos pela legislação.
O destino dessas riquezas é alimentar a acumulação nos fundos de investimento disseminados de maneira internacionalizada. Não se restringem a uma ou outra potência, como no velho imperialismo, apesar de alguns Estados ainda concentrarem capacidade militar para atuar em favor desses fundos e desta dinâmica do capital. A guerra favorece o capital como um todo.
Diante desse panorama, nós, mulheres, seguimos cuidando da vida. Produzindo alimentos e tecendo redes de solidariedade. Em alguns lugares, como em Rojava, mulheres de diferentes nacionalidades seguem o exemplo das curdas, e constroem territórios de vida onde os senhores da guerra foram vencidos.
Não queremos um mundo onde se multipliquem os senhores, onde a guerra seja o que inflame as relações cotidianas. Queremos um mundo para a vida.
Guerra à guerra!
Publicado originalmente em: https://contrahegemoniaweb.com.ar/2022/03/08/8-de-marzo-guerra-a-la-guerra/
Traduzido e revisado por: Marlene Petros