O procedimento tático da social-democracia tardia em não considerar importantes as manifestações pelo Fora Bolsonaro/Mourão como eixo central da dinâmica política no Brasil, aprofundou o sentido eleitoreiro e fisiológico das alianças que estão sendo articuladas pelos estados. Na Bahia, a partir do petismo de governo, o pragmatismo das alianças tornou “rico” o processo político justamente pela descaracterização de um elementar compromisso com um projeto de caráter popular e progressista.
A marca registrada do burgo-petismo nas articulações que têm como perspectiva vencer o processo eleitoral de 2022 é, mais uma vez, marcada pelo longevo histórico de compromisso com as forças tipicamente oportunistas dos partidos de direita que compõem as diversas frações do Centrão no parlamento e na ordem de pertencimento aos governos de plantão. Esses agrupamentos de direita, fisiológicos por excelência, alguns definitivamente consorciados ao bolsonarismo de rapina, especializaram-se em montar acampamento na antessala das coligações que estão com farta vantagem eleitoral. Portanto, não teriam outra forma política de operar neste momento.
Para esses partidos de direita, é fundamental que o horizonte de vitória eleitoral se consolide como o fator determinante no processo de aproximação desses segmentos do balcão de negócios governamental e dos parlamentos. Essa tática fisiológica é o elemento motriz para se tornarem apoiadores dos corriqueiros governos da província. Até aí, nada de novo no front. Afinal, por 16 anos o petismo no governo alimentou os vícios dessa escória da política, optando por não modificar em nada a forma pela qual foram compostas as coligações burgo-petistas na velha Bahia, mantendo-se na mesma fórmula utilizada pelo antigo chefe político do conservadorismo local, Antônio Carlos Magalhães.
O planejamento do petismo de governo sempre foi pautado em obras para terceirização, com baixa capacidade de atendimento social (infraestrutura de saúde, sistema de educação e integração policial); utilizou como método de composição da máquina pública o sistema de votação dos chefes políticos locais e, ao lado disso, um sistema de cotas para atender aos interesses pessoais do governador e dos mais próximos (laços de amizade e familiar); permitiu que o controle dos recursos fosse administrado pela gerência/método da iniciativa privada; fez um superávit primário às custas do maior arrocho salarial da história da Bahia no século XXI sobre os trabalhadores do serviço público. Ao lado desse modelo atrasado de governança política, utilizou-se a mesma lógica de ACM e Paulo Souto para aprofundar a escorcha previdenciária, ao mesmo tempo que são disponibilizados fartos recursos para a máquina de propaganda do governo.
Essa modalidade de governo foi levada à exaustão. Optou, até mesmo, por aprimorar um discurso cujo perfil ideológico a tornou refém do conservadorismo societário, ao reforçar a lógica do reacionarismo social nos temas sobre família, religião, segurança pública, juventude, etc. Esse incentivo à decadência ideológica contribuiu para reafirmar pontos negativos estabelecidos e defendidos pelo neopetencostalismo, mas também pelo complexo político da parceria com a direita que está nos rincões do estado, estimulando vícios, posturas antiéticas e práticas de “curral” eleitoral e mantendo a Bahia no mapa da pequena política.
O burgo-petismo, aliado do tardo-carlismo, considera que seu maior empreendimento político é o que eles chamam de “portfólio de obras”. Estão completamente equivocados. O maior empreendimento do petismo de governo foi fazer tudo igual para que nada pudesse ser mudado. Vejamos algumas questões: total ausência de diálogo com quem faz a ponte entre o governo e a população através dos serviços públicos, ou seja, o funcionalismo público; sistema de educação caótico e sem atingir suas finalidades; universidades estaduais sucateadas e preteridas pelo governo estadual e pela bancada parlamentar aliada na Assembleia Legislativa (onde o governo tem ampla maioria); sistema de segurança pública reconhecido não pela forma cidadã de proteger a população, mas sim por estar entre as forças estaduais que mais executam pretos e pobres no Brasil; e, por fim, um sistema de saúde com prédios hospitalares sem capacidade de atendimento, o que, em última instância, é causado pelo sistema de terceirização montado pelo governo privatista de Rui Costa.
Nesse cenário da lógica política que opera o privado sobre o estatal, a conjuntura das alianças está sendo impactada pela pesquisa eleitoral na Bahia. Os altos índices eleitorais apresentados pelo candidato ACM, o neto, movimentaram o tabuleiro das alianças e alguns fatores devem ser destacados. O primeiro deles é o papel desagregador do governador Rui Costa. Sua arrogância e mandonismo facilitaram o voo das aves de arribação do fisiologismo baiano em direção à coligação de seu rival. O segundo, é o fato de que durante 16 anos o petismo de governo nunca procurou estabelecer novos parâmetros para uma articulação política, muito menos estabelecer laços com os movimentos populares e sociais que refletissem um compromisso com as massas na Bahia. O terceiro fator é o candidato escolhido por Rui Costa não ter conseguido sequer conversar com um projeto estratégico de universidade estadual, muito menos com a educação básica, ferindo deliberadamente a autonomia da universidade pública baiana e atacando a carreira docente, sem falar no colapso salarial a que a categoria foi submetida.
Consolidou-se a crise do ciclo do petismo de governo e sua aliança com o tardo-carlismo. A lógica do estímulo-resposta nas relações burgo-petistas entrou em convulsão. O bloco tardo-carlista quer o que sempre executou, ou seja, integrar governos, ganhar cargos, ter obras paroquiais, ser afagado pelo chefe de plantão. Portanto, vai mudar para ficar tudo como está. Afinal, o que esperar do PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, que aqui na Bahia é dirigido pela família Leão, Cláudio Cajado e congêneres, todos bolsonaristas no Congresso Nacional.
Embora as eleições não estejam decididas na Bahia, alguns movimentos no tabuleiro da política têm contribuído para firmar balizas difíceis de ser superadas: a desagregação da candidatura de Jaques Wagner, por exemplo, executada pela lógica carreirista de Rui Costa, que queria Otto Alencar como candidato a governador (para que o próprio Rui Costa tivesse a vaga de senador garantida); a fuga do senador Otto Alencar dessa posição, por preferir uma candidatura mais fácil (reeleição ao Senado); a insegurança que o grupo fisiológico do PP/Bahia passou a ter, etc. Só restou ao petismo de governo, com seus erros estratégicos e sua incapacidade tática, lançar o anódino Jerônimo Rodrigues.Resta à aliança burgo-petista, liderada pelo governador Rui Costa, manter-se na mesma tática aliancista, agora com o grupo do condenado Gedel Vieira Lima (MDB) na função de vice-governador (o vereador Geraldo Júnior), e trabalhar para colar essa chapa à figura popular do ex-presidente Lula, torcendo para que essa fórmula política de baixa intensidade se repita em 2022. O petismo de governo luta para manter tudo como está.