Todos os poderes da república sabem o que os “bolsonaros” fizeram e o que o atual presidente faz. Os chefes das instituições do Estado capitalista brasileiro têm completo conhecimento das ações do agitador fascista. Mesmo aqueles que têm algum tipo de restrição ao modelo do caos controlado que governa o Brasil, passando por muitos que se comportam como vômito leniente, até os operadores do golpe por dentro das instituições… Todos, absolutamente todos, têm conhecimento da lógica político-administrativa do atual governo.
Grande parte da população sabe o que ele fez no “verão passado” e o que ele faz no presente. É público e notório. A imprensa, aquela confiscada pelo suborno oficial, a imprensa, aquela que tenta não entrar no mérito da questão, a imprensa, aquela que se esconde em outras polêmicas porque está de acordo com a destrutiva pauta econômica, a imprensa, aquela que finge ser imprensa. Todos, absolutamente todos, sabem o que representa Bolsonaro.
O Brasil foi deliberadamente colocado no laboratório do neofascismo. São experiências que estão sendo realizadas em vários cenários para testar a elasticidade das instituições, a repercussão da mídia, o envolvimento ou não do conjunto da população, a capacidade de resistência das forças organizadas no campo das diversas esquerdas. Esse projeto burguês obscurantista, agora, faz um dos mais macabros testes: deixar que a Covid 19 dizime uma quantidade absurda de brasileiros/as. O genocídio está sendo televisionado, mas, até agora, nada de novo no front da resistência…
O teste do projeto neofascista não abriu o nosso portão e não esteve no nosso jardim. O teste bolsonarista se aproveitou das balizas antidemocráticas da cultura política reacionária que se desenvolveu no Brasil de 2013 a 2016 e cavalgou na trilha do golpe de 2016, alimentando, como espetáculo, o ódio aos pobres, aos serviços públicos, ao conhecimento científico, aos negros/as, às mulheres, ao mínimo civilizatório. Venceu o rancor das redes de contágio com toda a sua riqueza imbecil.
As diversas frações da burguesia que buscam uma melhor posição no bloco do poder querem mais, não importa qual será o preço a se pagar. PECs e decretos confirmam o golpe por dentro das instituições, avançam através de centenas de outras alterações internas ao sistema das instituições da sempre sonolenta democracia formal, essa que é dirigida pela sempre ativa autocracia burguesa. Um básico Estado capitalista está sendo adaptado aos procedimentos da crise econômica e da crise política, portanto, também passando pelo processo de crise ideológica. Está em evidência a via brasileira para o fascismo com a sua agenda remodelada.
Destruiriam as balizas civilizatórias, colocaram a imbecilidade e o obscurantismo no templo sagrado da verdade com requintes de fundamentalismo religioso; instituíram a mentira como elemento central do debate para questionar a razão. Não existe mais verdade, esse pressuposto transformou-se na visão de cada um sobre qualquer questão: ciência, conhecimento, direitos humanos, moral e ética, cultura e arte, etc.
Na ordem das questões de Estado, estão suprimindo o valor universal dos serviços públicos para possibilitar que a saúde, educação, assistência social, relação Estado/Indivíduo sejam transformadas em carteiras de negócios privados. As salvaguardas que poderiam direcionar o desenvolvimento produtivo estão sendo entregues ao mercado e à lógica das bolsas de valores. Estão destruindo a Petrobras, a Eletrobras; já destruíram a Embraer; avançam sobre o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os Correios, etc. O capital no Brasil, na órbita do consórcio internacional, não está deixando pedra sobre pedra…
Os poderes da república, ou seria como afirma o poeta: “esses podres poderes”, a exemplo do judiciário, mostram-se ativos no juizado moral das pequenas causas e completamente leniente diante do atacado golpista. O parlamento, deixou de lado a parceria conflitiva para exercício do palco midiático, entrando, a partir de mais uma vitória do Centrão, como operador político do executivo obscurantista. Estão sendo aprovadas contrarreformas para destruir a mínima presença do Estado na vida social. E, mais, com a contrarreforma administrativa eles querem fisiologizar o agente da relação Estado/Cidadão, o trabalhador público concursado, este sujeito social atacado desde sempre.
O palco da ópera-bufa, ou drama-burlesco, está deliberadamente em confusão, é a realidade política brasileira agindo para dar a janela de oportunidades ao capital interno e seu consórcio internacional; o poder executivo brasileiro, na sua procura incansável pela melhor formatação do golpe que não seja pela via tradicional, deixou bem nítido que o caos controlado e a subjugação das instituições são o caminho. Se essa lógica paulatina não se efetivar será aberta a picada para outra situação; quando farão o último teste, se por acaso chegarmos ao impasse político, tivermos poderes em desacordo institucional e o povo bradando em virtude da mais completa situação de penúria social: aí sim teremos forças policiais e milicianas armadas nas ruas, quartéis em alerta para a defesa do projeto do agitador fascista, hordas reacionárias alimentando diversos cercadinhos da política pelo Brasil e manifestações golpistas em profusão nas redes de contágio.
Todos os poderes da república sabem dessa possibilidade; as instituições convivem com esse cenário; o ajuste ultra neoliberal vibra; há uma corrida pela fatia dos mais diversos tipos de ganhos…
Do outro lado, em posição secundarizada relação de força, já que a principal disputa ainda é entre as frações da burguesia por uma melhor posição no bloco do poder, a esquerda paralisada pela pandemia, tergiversa sobre a centralidade da luta. Uma parte importante tem calafrios quando se coloca a questão da reorganização da classe (está satisfeita com seus pequenos aparelhos); outra, imagina que a questão central é se preparar para reordenar o pacto neodesenvolvimentista da conciliação de classes para 2022.
Contudo, essas duas variantes de um mesmo processo que paralisa a capacidade de enfrentamento e de ação para mudar a relação de força na conjuntura política brasileira, pode ser impactada se encontramos uma saída que não precisa inventar a roda, temos uma importante trilha: avançarmos no trabalho de base, firmarmos uma ampla articulação que possibilite a reorganização da classe trabalhadora brasileira, construirmos uma frente social e política que seja constitutiva da formação do bloco proletário e popular, numa frente única das organizações proletárias, populares, de juventude e mulheres, do povo pobre das mais diversas periferias e dos partidos de esquerda.
A consciência cínica sabe que deve se acomodar e permitir o caos controlado e o golpe de Bolsonaro por dentro das instituições. Portanto, fará tudo para não enfrentar o último teste do roteiro de ações bolsonaristas. Aos trabalhadores/as organizados e à esquerda cabe o papel de colocar em xeque a consciência cínica e se preparar para enfrentar a possibilidade do último teste, ou seja, o cenário da via brasileira para o neofascismo.
Excelente texto, mas o final me deixou intrigado. De que ou de qual esquerda o autor está falando? Nos anos de chumbo da Ditadura Empresarial/Militar tínhamos uma ESQUERDA militante, e agora temos o quê?