A esquerda pós-ditadura e a reconstrução atual

O PT nasce com um radicalismo classista difuso, devido a diversidade que contemplava. Foi fruto da sua época, do período pós-ditadura, e da ânsia de reorganização da sociedade.

Se colocava como anticapitalista, crítico do poder e se amparava nas classes trabalhadoras. Era a opção dos trabalhadores, dos pobres, da sociedade que começava a se organizar de baixo para cima. Estava inserido, de uma forma ou outra, na luta de classes. Era amplo, de tendências, tendo o Novo Sindicalismo, novos movimentos sociais, intelectuais, religiosos vinculados a Teologia da Libertação e comunistas diversos que voltavam do exílio ou que lutavam por aqui como sua base. Conquistou boa parte dos servidores públicos. Considerava os PCs (que optaram por continuar no PMDB) partidos reformistas, o que realmente eram naquele momento. Pregava a independência de classe e recusou-se a apoiar Tancredo no Colégio Eleitoral. Aos que dizem que o PT sempre foi liberal, aconselho-os a ler os primeiros documentos do PT para ver que o partido carregava um radicalismo anticapitalista.

O liberalismo no partido não surge de uma hora para outra. Foi um processo de quase 20 anos em que, neste meio tempo, as revoluções do século XX vão desmoronando e houve um avanço do neoliberalismo que foi chamado até de “pensamento único”. A partir daí, mesmo com resistências minoritárias, o rebaixamento do programa para levar o Lula-lá de “qualquer maneira” venceu. A proposta, por exemplo, de Plínio de Arruda Sampaio, de o PT continuar como um partido que deveria crescer pelas bases, perde espaço. A burocracia do Lula-lá avança.

Este avanço da burocracia, cheio de compromissos e conciliação de classes, acaba por vencer as eleições para o governo federal. Mas já era um PT desfigurado de suas propostas originais. Estava próximo de uma social-democracia tardia em tempos neoliberais, rala, assumindo um caráter liberal-social. Os governos federais petistas não visaram nenhum caminhar para socialismo. Não fizeram reformas com enfrentamento ao capital. Não estatizaram, não criaram novas estatais, não fizeram reformas estruturais. Fizeram pequenas reformas sociais. Melhor do que nada, reconheço. Mas muito pouco para quem poderia mexer com as estruturas do país. 

Surfando em um bom período do capitalismo internacional, o Brasil, país produtor e vendedor internacional de commodities, conseguiu alguns bons resultados no segundo governo Lula e, mesmo com a crise do 2008, postergou nossa crise para meados do primeiro governo Dilma. Estes sintomas da crise estiveram presentes nas Jornadas de 2013, mas o governo e os movimentos vinculados ao mesmo não aproveitaram o momento para avançar, deixando o espaço para a direita. 

Dilma, recebendo o impacto da crise, tentou políticas totalmente conservadoras para contornar a crise, mas, mesmo assim, com a crise no seu segundo governo, foi apeada do poder. Depois do impeachment/golpe de 2016 surge uma nova realidade. A direita se organiza e Temer e agora Bolsonaro assumem o governo. Lula foi preso, solto e, ao contrário do que imaginavam, inclusive setores do PSOL, não está mobilizando as massas. O Lulismo, que havia se tornado um problema para as esquerdas socialistas, começa a enfraquecer. Este enfraquecimento pode ser positivo, pois, talvez, sem figuras messiânicas, possamos elaborar um programa e um projeto mínimo para as múltiplas esquerdas

É hora destas “esquerdas”, da “social-democracia reformista radical” aos “comunistas revolucionários”, dos “socialistas de esquerda” aos “diversos anarquistas” proporem um programa avançado para as classes populares e trabalhadoras. Sem hegemonia, sem “líderes carismáticos”. Mas um programa radical para recomeçarmos a construir uma esquerda transformadora da sociedade.

Com foco nos oprimidos e explorados. Visando uma sociedade mais igualitária socialmente e respeitando as diversidades. Classista, mas tendo como horizonte o fim das classes. Conquistando este Estado para inverter suas prioridades imediatas, mas visando, ao longo de nossa utopia real, o fim deste Estado e a construção de outras formas de regulação social. Um Estado Social? Não sei, pois não tenho como prever o desenvolvimento futuro das lutas para uma nova sociedade. 

Mas no imediato temos de suprir as necessidades básicas “do estômago e do espírito” da “materialidade e da cultura”. Já temos como todos usufruírem destas benesses. Falta democratizar, socializar. O que temos é de começar, pois para darmos mil passos temos de dar o primeiro.

Antonio Julio de Menezes Neto

Sociólogo e doutor em educação.

Um comentário sobre “A esquerda pós-ditadura e a reconstrução atual

  • 17 de novembro de 2020 at 11:35 am
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    Muito bom o texto, mas com esta população atrasada e mal informada, e uma burguesia violenta apoiada por militares americanizados, tem que ser com jeitinho mesmo até a classe dominante cair em si.

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