21 de setembro – Dia de Luta das pessoas com deficiência
“A humanidade sempre tem sonhado com o milagre religioso: que os cegos vejam e os surdos falem. É provável que a humanidade triunfe sobre a cegueira, a surdez e a deficiência intelectual (grifo nosso). Porem a vencerá no plano social e pedagógico muito antes que no plano médico biológico. É possível que não esteja longe o tempo em que a pedagogia se envergonhe do próprio conceito de “criança com deficiência” (…) O surdo falante e o trabalhador cego, participantes da vida geral, em toda sua plenitude, não sentirão sua deficiência e não darão motivo para que os outros a sintam. Está em nossas mãos o desaparecimento das condições sociais destas deficiências, ainda que o cego continue sendo cego e o surdo continue sendo surdo.” Vigotski, L.S. Fundamentos da defectologia.
Em obras completas. Havana: Editorial Pueblo Y Educacion, Tomo V (1995, p.61)
Pessoas com deficiência já vivem historicamente em “isolamento social”. Falta acessibilidade arquitetônica para deslocamento e acesso aos espaços. Não há acessibilidade comunicacional e, principalmente atitudinal. Porém, uma das tantas facetas cruéis da nossa sociedade excludente, que se aprofunda com a pandemia, é o capacitismo. O capacitismo é a discriminação e a opressão às pessoas com deficiência ao considera-las inferiores, incapazes de produzir, trabalhar, aprender, amar, cuidar, sentir desejo e serem desejadas. A percepção da deficiência pela sociedade é formada a partir dos valores ideológicos da classe hegemônica, para conquista e manutenção das relações de dominação, afastando quem não atenda às suas demandas, arraigadas numa sociedade baseada na maximização da produção e do lucro. Portanto, a não participação na geração do lucro capitalista resulta nos processos de exclusão, contribuindo para a eliminação de quaisquer possibilidades de se realizarem por meio do trabalho. As barreiras impostas às pessoas com deficiência resultam de uma sociedade que os elimina, através de um discurso que desconsidera as bases materiais que promovem desigualdades de apropriação e usufruto das produções humanas. Isso acarreta práticas injustas e discriminatórias, que têm como consequência o estabelecimento de limites. Esses limites impossibilitaram, por anos, que pessoas com deficiência tivessem condições de lutar, em igualdade, por direitos na sociedade, sendo perversa a concepção de igualdade de oportunidades, que acaba por responsabilizar a pessoa pelo seu sucesso ou fracasso. E o modelo de “segregação” e de “inclusão”, nada mais é do que o ajustamento desse público a lógica burguesa em cada momento histórico, gerando opressões em todos os espaços que participam: emprego, escola, espaço público, meios de comunicação social e também na própria família.
A estrutura social desabilita e cria condições de deficiência devido à falta de serviços e oportunidades adequadas para garantir a plena e incondicional inclusão social de todos. Neste aspecto, a deficiência não é uma consequência natural do corpo lesionado, e sim uma imposição econômica, política, cultural e social. É importante considerar que o déficit orgânico não pode ser ocultado ou minimizado, visto que está presente e podem provocar grandes desafios na vida dessas pessoas. No entanto, o que está em nossa lente de aumento é a opressão sobre a condição de vida que delimita a deficiência. Desse modo, qualquer que seja a natureza ou causa da deficiência, os principais desafios a serem enfrentados residem na qualidade das interações e relações com o ambiente e rupturas com múltiplas barreiras insensíveis à diversidade humana. A citar, barreiras atitudinais, políticas, comunicacionais, físicas e arquitetônicas que favorecem e sustentam a cultura do capacitismo sobre as pessoas com deficiência.
As dificuldades em relação à contradição entre inclusão e exclusão extrapolam a questão da deficiência, dado que a relação direta é com o modelo de sociedade existente.
É preciso romper com tudo que obstrua a participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições. Diante desse conceito, a deficiência passa a ser vista como consequência e não como causa das barreiras existentes na sociedade. Destarte, a única alternativa parece ser a ruptura com o paradigma existente e substituí-lo por outro estruturalmente inclusivo, para que não seja preciso existir políticas protecionistas específicas para cada grupo ou sujeito, pois a todos serão garantidos e efetivados os direitos sociais. As políticas de inclusão existentes não superam as condições em que se produz a exclusão, na medida em que não desestruturam ou rompem com o modo de produção capitalista, mas apenas colaboram para um ajuste ou uma acomodação, nos marcos da conciliação da relação entre capital e trabalho. Os mecanismos e estratégias adotadas para evitar e minimizar a exclusão não rompem com os elementos que originam a desigualdade, pois estão enraizadas à lógica vigente.
Com a pandemia do coronavírus, o capacitismo se aprofunda, pois os governos sequer adotaram protocolos de atenção prioritários destinados às pessoas com deficiência, que não foram incluídas como grupo de risco ao contágio da Covid-19. Uma demonstração de negligência e omissão perante esta parcela da população, que está ainda mais invisível no contexto das medidas como isolamento e distanciamento sociais.
A pandemia nos trouxe a proposta de podermos pensar e efetivar novas formas de atuação com pessoas com deficiência nos cuidados multiprofissionais em todas as áreas – saúde, assistência, lazer, educação, comunicação, cultura, e principalmente nos relacionamentos e convívio das pessoas com deficiência com a sociedade, sejam estas ou não intencionais.
Estamos vivendo tempos de excepcionalidade e nada pode parecer normal e nem desejamos. Mas a sanha neoliberal quer nos fazer acreditar que podemos viver um “novo normal”. Esse “novo normal” é aprofundar o capacitismo e “devolver” as pessoas com deficiência ao caminho de volta à segregação. No dia 21 de setembro, dia nacional de luta das pessoas com deficiência, é mais que imperativo reforçar o lema: “Ninguém fica para trás e nem volta atrás”.
Excelentes tema e artigo!