Estamos diante de uma gravíssima situação nacional.
As esquerdas conservadoras, ao não compreenderem ser o próprio capital o agente da demolição nacional, não elegem os trabalhadores como eixo da transformação socioeconômica necessária. É preferível a derrota eleitoral com os trabalhadores humilhados e miserabilizados pelo desmonte neoliberal, do que o abraço com a burguesia criadora deste pandemônio neocolonial que nos avassala. É preciso abrir caminhos para quebrar o círculo vicioso das derrotas e desmanches sucessivos.
São muitas as variantes de democracia rolando na praça. A finada Nova República, na fase final, experimentou o duopólio PT x PSDB, cujo neoliberalismo social pretendeu conviver com o melhorismo nos marcos da fúria nacional, sob batuta mundial, do novo capital financeiro. As burguesias vetaram essa democracia melhorista, com ajuda substantiva dos gringos. Executam uma verdadeira revolução na contrarrevolução, realizam as premissas não concluídas do golpe de 1964. Puseram no poder a ultradireita, adepta da democracia restritíssima da autocracia sob jugo plutocrático banqueiro.
A experiência de construção de um capitalismo melhorado sob o império do novo capital financeiro faliu. Em toda a parte, tanto aqui quanto no Chile, é isso o que nos espera.
Os marxistas brasileiros já haviam descoberto, nos anos 60, a impossibilidade, em nossa particularidade histórica – assim como de todas as ex-colônias ibéricas – de realização da democracia capitalista com soberania econômica e política nacional. Nossas burguesias nunca quiseram isso.
Somente a expansão, o salto democrático sob a égide dos interesses das maiorias trabalhadoras nos levará à estabilidade democrática e à plena soberania, com cidadania plena do trabalho frente ao capital. Isso se chama revolução democrática.
Infelizmente, nenhuma das esquerdas conservadoras, da mais à menos civilizada, pensa assim.
Ou seja, ainda estaremos por longo tempo sujeitos aos sucessivos desmanches promovidos pela contrarrevolução permanente advogada desde sempre por nossas classes proprietárias e seus amos. Sem uma poderosa força da democracia radical, revolucionária, não quebraremos o encantamento que nos prende à miséria, à dependência neocolonial e à batuta da contrarrevolução.
Hoje, nestes instantes, todas as forças da democracia conservadora, do derrotado melhorismo mais civilizado até a antidemocracia no poder se organizam para disputar a divisão do orçamento público nas próximas eleições, todas elas solidárias com a alienação política, social e econômica dos trabalhadores como resultado das unânimes reformas capitalistas promulgadas pelo congresso, por iniciativa do executivo.
Todas as forças da democracia conservadora estão unidas em torno de sua nova democracia, advinda dessas reformas exclusivas pró-capital, forma de criar a inserção neocolonial da nação, ou seja, a destruição da nação e sua transformação em espaço de regência de classes burguesas neo-vassalas do novo capital financeiro, forma específica de refeudalização capitalista da reprodução social, de neocolonização do país.
Sua nova democracia pressupõe a expulsão dos trabalhadores da arena socioeconômica e política em prol daquilo que, para todas elas, é pressuposto estratégico em maior ou menor grau, as reformas capitalistas exclusivas dos interesses do capital e a inevitável constrição da democracia ao mínimo necessário para o livre negócio dos blocos políticos da ordem.
A liofilização da ultradireita antidemocrática no poder, agora posta em movimento pelos blocos políticos do capitalismo, interessa para a divisão do orçamento público, embora esta força política ainda permaneça sendo fonte vital e dinâmica das reformas nacionais necessárias ao capital e sua arquitetura mundial neoliberal.
Os trabalhadores continuam, desse modo, vítimas do círculo vicioso das inevitáveis derrotas sucessivas e dos subsequentes desmanches de suas conquistas em ciclos crônicos de repressão e violência institucional necessários para mantê-los ordeiros e disciplinados em sua avançada miséria e desemprego, em sua acrescida impotência política.
Só a revolução democrática abre as portas para a transição comunista. O que está na rua gritando, uivando, reiterando seu chamado, no limite de suas forças, é a democracia em pé, dos e para os trabalhadores. Ela é a expressão da real e massiva socialização da política, que permite alcançarmos as demais etapas econômico-sociais. Foi exatamente o que ocorreu, por exemplo, na Rússia, Cuba ou Venezuela.
A revolução democrática é quem abre as portas para a transição a uma nova ordem social, ela é o primeiro passo radical da negação da democracia em que vivemos, a democracia sentada, bem-comportada, conservadora, do e para o capital. Esta democracia faliu, as maiorias rueiras, marchadoras, insubmissas, sublevadas, descobriram seus limites e os denunciam ao mundo, sem medo. É o caso exemplar do Chile. A democracia melhorista das radicais reformas ultraliberais da contrarrevolução pinochetista faliu em seu intento de domesticar para todo o sempre os trabalhadores miserabilizados, esmagados pela ditadura formal e real do capital. As raízes insurgentes da classe trabalhadora educada por Recabarren, rebrotaram com força e viço inauditos, surpreendentes, espetaculares. O bloco chileno da Revolução Democrática está, de fato, negando, subvertendo o sentido original, histórico, desse processo.
A revolução democrática é herdeira, antes de tudo, do bloco de forças da democracia radical, contra a ordem do capital. Quando esta última, por várias razões, não tem ou perdeu expressão política, como é o caso dos EEUU, sua derrota ocorrida em inícios do século vinte, determina um transito doloroso dos assalariados pela provação da radical democracia exclusiva do e para o capital, que já dura quase um século. É preciso que se diga que socialistas e comunistas nasceram e existem para e com a democracia radical. Abandona-la implica em somar-se ao bloco melhorista, conservador.
No Brasil, perdeu-se na neblina o bloco da democracia radical, perseguido, caçado, assassinado, incinerado e por fim, em consequência disso e também como fruto de suas inconsistências teóricas, pulverizado nas malhas das forças da democracia conservadora, que ocupa todo o espectro da ordem e vai da autodenominada esquerda civilizada até as franjas da antidemocracia no poder.
Os grupos altamente minoritários, dentro e fora da ordem, através de seus porta-vozes, proclamam a consigna ritual da necessidade imperiosa da revolução socialista como solução de nossos problemas nacionais e mundiais. Contudo, este apelo é equívoco. Ocorre que o socialismo, na conceituação derivada da formalização staliniana da revolução russa e posteriormente universalizada como verdade inconteste, não passa de uma forma histórica, um nome e um conceito incorreto para um passo incompleto e condenado à não realização da transição ao comunismo.
O que importa à maioria trabalhadora e à humanidade é saber superar o capital antes que ele destrua a vida humana no planeta. Ou seja, o fundamental, para elas, assim como para Marx, é o comunismo, a negação do capital pela realização do poder político das maiorias. Esse sempre foi o nosso programa, do qual nos esquecemos no século XX.
Daí a necessidade de acentuarmos, agora e sempre, o momento da revolução política, ou seja, da revolução democrática. É uma maneira de driblar, com fundamento teórico, o termo socialismo e seus derivados, que não nos levam a nenhum lugar, que obscurece o essencial, qual seja, o controle das maiorias sobre o capital e toda a reprodução social, derivado da revolução política necessária e urgente.
Pois o projeto neoliberal, de transição radical ao controle social o mais pleno do capital sobre a reprodução capitalista, é essencialmente antidemocrático, de negação democrática do trabalho na sua nova democracia. Para superá-lo, só com uma democracia das, e para as maiorias, contra o capital e o capitalismo como sua forma histórica.
Mas as eventuais forças e personalidades da democracia radical estão fortemente imantadas a seus nichos conservadores. Notemos que mesmo no Chile, caso extremo de democracia em pé, de universal e reiterada ocupação de ruas, praças e bairros, estas forças e personalidades ainda não iniciaram sua translação ao centro trabalhador sublevado.
Em grande medida devido ao hábito ideológico consagrado, cristalizado no século XX, de apelação seja à democracia em abstrato, seja ao socialismo, figura retórico-política evanescente já incapaz de empolgar as massas, tal como ocorria até meados do século XX.
É plenamente justificável que nossos irmãos monoteístas apelem aos seus lugares sagrados identitários, sejam os destroços sobrantes da fortaleza de Davi, ao Vaticano ou a Meca. Mas os vastos campos da emancipação humana, para a democracia radical, para os revolucionários da democracia das maiorias, estão descortinados no legado da transição comunista teorizado por Marx. Nosso projeto é o comunismo como superação do reino do capital e jamais o muro das lamentações socialistas, teórica e praticamente incapaz de fazer o controle político das maiorias comandar a revolução democrática, aquela que inicia a caminhada rumo à superação do capital.