O termo alienação, do latim “alienatione”, indica um processo ligado essencialmente à consciência e à situação dos seres humanos, seus criadores, mas pelo qual se oculta ou se falsifica essa ligação, de modo que o processo (e seus produtos) apareça como indiferente, independente ou superior a seus verdadeiros criadores.
Na Grécia antiga, a relação entre os seres humanos e o Logos está posta em Heráclito como alienação; e a alienação está presente em Platão quando ele postula a Natureza como imagem imperfeita do mundo das ideias.
Na tradição cristã, a ideia de alienação e desalienação encontra-se na doutrina do pecado original e da redenção, e está presente no conceito de idolatria do Velho Testamento.
Os teóricos do Contrato Social recorreram ao conceito de alienação. Entre eles, Hugo Grotius usou o termo para designar a transferência para outra pessoa da soberania de uma pessoa sobre si mesma.
A própria ideia de Contrato Social (tanto em Grotius como em Hobbe e Locke) revela um progresso no sentido da desalienação (maior liberdade ou segurança) através de uma alienação parcial sob controle. Mas coube a Rousseau ser o único pensador antes de Hegel a raciocinar amplamente em termos de alienação e desalienação. Ele faz isso ao postular a contradição entre “homem natural” e “homem social”. No mesmo sentido, a superação da contradição entre “vontade geral” e “vontade particular”, em Rousseau, é um projeto de desalienação.
No hegelianismo, a alienação é o processo no qual a consciência se torna estranha a si mesma, afastada de sua real natureza, exterior a sua dimensão espiritual. A consciência coloca-se como uma coisa, uma realidade material ou um objeto natural. O mesmo que reificação ou objetivação.
O conceito platônico da natureza como imagem imperfeita do mundo das ideias convida à problemática da concepção hegeliana da natureza como forma autoalienada do Espírito Absoluto.
O conceito de alienação em Hegel, inicialmente nomeado Positividade, a partir da “Fenomenologia do Espírito” (sobretudo da seção intitulada “O Espírito Alienado de Si Mesmo: Cultura”), assumiu finalmente os termos Alienação e Desalienação para expressar a ideia central e mais significativa de seu pensamento, conforme ficou resumido na sua “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”
O conceito hegeliano de autoalienação aplica-se ao Absoluto. A Ideia Absoluta (ou Espírito Absoluto) é a única realidade que Hegel reconhece. É um Eu dinâmico envolvido em um processo circular de alienação e desalienação. O Espírito Absoluto aliena-se de si mesmo na Natureza (que é a forma autoalienada da Ideia Absoluta) e retorna de sua autoalienação no Espírito Finito (o homem, que é o Absoluto em processo de desalienação). Desse modo, autoalienação e desalienação são formas do Ser Absoluto.
O homem é um ser natural e, portanto, alienado de si mesmo. Mas é também um ser histórico, capaz de alcançar um conhecimento adequado do Absoluto, o que implica um conhecimento da Natureza e de si mesmo. Desse modo, o homem se desaliena, realizando o Espírito Finito e sua evolução em direção ao Absoluto. Assim, ele articula estruturalmente a autoalienação e a desalienação.
Em suas obras “A Essência do Cristianismo” e “Princípios da Filosofia do Futuro”, Feurbach criticou a concepção hegeliana da Natureza como uma forma autoalienada do Espírito Absoluto e do homem como Espírito Absoluto em processo de desalienação.
Para Feurbach, o homem não é Deus alienado, mas Deus é que é o homem autoalienado. Nesse sentido, Deus é a essência abstraída do homem, absolutizada e afastada dele. A desalienação do homem se dá quando ele supera a imagem estranhada de si mesmo, ou seja, quando ele desconstrói o Deus que ele concebeu. Desse modo, criador e criatura estão invertidos na alienação religiosa: o homem não é criado à imagem e semelhança de Deus, mas é Deus que é criado à imagem e semelhança do homem.
No marxismo, a alienação é o processo no qual o ser humano se afasta de sua verdadeira natureza e torna-se estranho a si mesmo. Isso ocorre na medida em que ele já não controla sua atividade essencial, o trabalho, pois, no capitalismo, os objetos que produz, as mercadorias, adquirem existência independente de seu poder e antagônica a seus interesses.
A alienação é sempre alienação de si mesmo pela sua própria atividade, ou autoalienação. O conceito marxista de alienação implica um apelo à desalienação pela transformação revolucionária da totalidade das relações sociais.
Nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”, Marx concorda com Hegels no que tange à “autocriação do homem como um processo, a objetificação como a perda do objeto, como alienação e transcendência dessa alienação” (Terceiro Manuscrito). Mas abre dissidência com ele por ter identificado a objetificação com a alienação, ter considerado o homem como autoconsciência e a alienação do homem como alienação de sua consciência.
Marx concorda com a crítica de Feurbach à alienação religiosa, mas considera que ela é apenas uma forma de alienação entre outras. A alienação humana manifesta-se também nas formas de atividade espiritual como a filosofia, o senso comum, a arte, a moral; nas formas de sua atividade econômica como a mercadoria, o dinheiro, o capital; nas formas de sua atividade social como o Estado, o direito, as instituições sociais; etc. São inúmeras as formas de alienação. Em todas elas, o homem aliena de si mesmo os produtos de sua atividade e elabora com eles um mundo subjetivo de coisas separadas, independentes e poderosas com as quais se relaciona como um escravo, impotente e dependente.
Marx explica nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos” que “assim como o trabalho alienado aliena do homem a natureza e aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade vital, ele o aliena da própria espécie”. O trabalho alienado “aliena do homem o seu próprio corpo, sua natureza externa, sua vida espiritual e sua vida humana”. Além disso, “uma consequência direta da alienação do homem com relação ao produto de seu trabalho, a sua atividade vital, e à vida de sua espécie é o fato de que o homem se aliena dos outros homens”. Daí que, “em geral, a afirmação de que o homem está alienado da vida de sua espécie significa que todo homem está alienado dos outros e que todos os outros estão igualmente alienados da vida humana”. Por isso, “toda alienação do homem de si mesmo e da natureza surge na relação que ele postula entre outros homens, ele próprio e a natureza”. (Primeiro Manuscrito)
Em Marx, a crítica da alienação tem em vista a preparação da revolução radical. a qual desemboca na realização do comunismo, entendido como “a reintegração do homem, seu retorno a si mesmo, a superação da alienação do homem”, vale dizer, “a abolição positiva da propriedade privada, da alienação humana e, com isso, a apropriação real da natureza humana através do homem e para o homem”. (Terceiro Manuscrito)
Marx formulou o conceito de alienação nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”, em 1847, e só retornou a eles dez anos depois, nos “Esboços de uma Crítica da Economia Política”, os famosos “Grundrisse”, em 1857, mas com diferenças de enfoque entre as duas abordagens, o que levou Althusser a reivindicar um “corte epistemológico” no pensamento de Marx.
O livro de Lukács “História e Consciência de Classe”, de 1923, teve um impacto significativo no pensamento marxista. Lukács argumenta que a reificação (a transfiguração de relações sociais em coisas) é central na sociedade capitalista. Ele também enfatiza a importância da consciência de classe para a superação da subjugação dos trabalhadores. A obra contribuiu para debates sobre alienação, ideologia e ação revolucionária, influenciando gerações subsequentes de teóricos marxistas. Lukács estudou a alienação também em outros textos tanto sobre o jovem Hegel como sobre o jovem Marx.
Os “Manuscritos Econômicos e Filosóficos” foram publicados em 1932, enquanto que os Grundrisse o foram em 1939, mas é a partir da reedição de 1953 que se tornaram mais acessíveis, fraturando a interpretação do marxismo na animada controvérsia entre marxistas humanistas (Marcuse, Henri Lefebvre, Jean-Paul Sartre, Eric Fromm, Ernst Bloch) e marxistas estruturalistas (Althusser).
Os marxistas humanistas foram muito criticados por seu hegelianismo e acusados de idealismo. Seus críticos sustentaram que o jovem Marx empregou o termo alienação de forma pouco precisa e que posteriormente utilizou formas mais apropriadas como propriedade privada, dominação de classe, exploração, divisão do trabalho, entre outras. Mas objetou-se que os conceitos de alienação e desalienação não podem ser substituídos em sua integridade por esses outros conceitos.
Outra questão controversa é a da autoalienação, porque deixa implícita a existência de uma natureza humana ou essência fixa, imutável. Mas a autoalienação também pode ser interpretada como alienação das possibilidades humanas criadas historicamente. Nesse sentido, a práxis é que determina a autoalienação, E isso ocorre quando o homem não atua de uma maneira prática e crítica, quando ele não age de modo revolucionário.
Para o marxismo soviético, a alienação não é um sentimento, mas um fato objetivo, uma maneira de ser. Nesse sentido, A. P. Ogurtsov diz, na “Enciclopédia de Filosofia Soviética”, que a alienação é “a categoria filosófica e sociológica que expressa a transformação objetiva da atividade do homem e de seus resultados numa força independente, que o domina e lhe é contrária, e também a correspondente transformação do homem de sujeito ativo em objeto do processo social”.
Este texto não passou pela revisão ortográfica da equipe do Contrapoder.