As mudanças no MST e a CPI

Está em curso uma “CPI do MST” que beira o burlesco da maioria de seus membros. Deputados tentam fazer uma caricatura “perniciosa” para o MST. Os argumentos estão fora do mundo real, uma banalização grotesca com acusações de “assassinos, bandidos, comunistas”, dentre outras. A minoria de esquerda resiste, mesmo sabendo que o documento final será o que a direita quer. Uma deputada do PL chegou a acusar o MST de ensinar “marxismo” em vez de “ensinar a plantar”. O marxismo é ilegal? Quem é esta deputada para dar lições de como o MST deve se comportar?

O MST surgiu da necessidade de lutar pela terra, de democratizar a produção de alimentos, de oferecer trabalho e sobrevivência ao povo pobre e às classes populares brasileiras. O lema era “ocupar, resistir e produzir”. Ou seja, diante da inércia e do conservadorismo de governos e das classes dominantes capitalistas, os trabalhadores se organizaram e criavam o fato da reforma agrária pela ocupação de terras. Conseguiram feitos notáveis, produzindo, criando cooperativas, escolas, e pressionando as universidades pela criação de cursos superiores. Também fizeram cursos de formação e concluíram que o capitalismo favorece apenas os grandes, o agronegócio, o privado, e, assim, este sistema seria inviável. Este MST teve seu auge no governo FHC, com marchas, ocupações e produção cooperativa. Claro que, como todos os agrupamentos humanos, principalmente sob o domínio do capital, tiveram problemas, alguns maiores, outros menores, mas nada que desabonasse o MST em seu todo. As conquistas no capitalismo, porém, quando não se consegue superar o sistema do capital, criam problemas. Tornava-se necessário gerir, dentro do sistema, a produção, a distribuição e as escolas, tarefas ainda mais difíceis uma vez que os protagonistas são oriundos das classes populares, sem recursos para investimentos. E não podemos descartar um fato fundamental: a crise do socialismo nos anos 1990, com o fim de todas as revoluções do século XX, incluindo a soviética. E o MST foi mudando suas características, principalmente porque um governo oriundo das classes populares e trabalhadoras organizadas chegava ao poder federal brasileiro em 2003.

Assim, neste século, o Movimento passou por grandes transformações. Foi incorporando a luta pelo alimento sem agrotóxico e a agroecologia como suas principais bandeiras políticas. Esta era uma tendência dos movimentos camponeses neste século e havia uma demanda no capitalismo central. Fiel a suas antigas origens vinculadas às igrejas, principalmente a católica, de onde tirou simbologias, apoio às místicas (mistério), às passeatas, ao pequeno e à natureza, este novo e laico MST incorporou bandeiras ecológicas e críticas à modernidade (capitalista).

Seguindo a corrente de uma “nova esquerda”, também incorporou as lutas identitárias. Hoje faz feiras, montou “armazéns do campo”, onde vende seus produtos orgânicos e acontecem também cantorias e festas. Realiza feiras públicas. Conseguiu implementar a pequena agroindústria com seus produtos. Tornou-se o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.  Continua lutando pela reforma agrária, mas dentro da legalidade e para aplicar seus princípios de produção. Valoriza os conhecimentos tradicionais e uma nova ciência com base local. Faz doações de alimentos aos necessitados, principalmente em emergências. Luta por educação nos assentamentos e leva seus membros para as universidades.

No campo político, apoiam, com algumas críticas, os governos petistas. Aliás, são bem integrados ao petismo. Creio mesmo que a direita cultiva este ódio ao Movimento por desconhecer suas ações e, principalmente, para atingir o petismo e o lulismo. Mas basta conhecer seus membros e encontrarão pessoas decentes, lutando pela vida, querendo mudar a situação, estudando, cultivando, fazendo formação política e escolar. Logicamente, o MST abriga, entre seus membros e suas ações, diferentes visões de mundo, de sociedade e de sistema político. Alguns muito integrados ao petismo, ou psolismo, outros socialistas convictos e outros sem simpatia partidária. Como na sociedade. Apesar de certa “centralização”, as visões são diversas.

Neste movimento para a agroecologia, ecologia e identitarismo, fui crítico dos rumos do Movimento Sem Terra. Escrevi, respeitosamente, um livro com este debate.1 Via o MST perdendo o caráter revolucionário. Mas hoje é possível compreender que o Movimento entrou em outra fase. Busca seu espaço. Respeito o novo posicionamento.

O MST nunca foi o Movimento que a direita diz que é. Principalmente o que os reacionários da CPI dizem. Muito menos nesta sua nova fase, digamos, mais “light”. A agressão ao Movimento que a CPI faz, por meio de seus membros da mais extremada direita, não tem como se manter. Estas inverdades têm limite e a CPI perde força em suas denúncias.

Referências

  1. MENEZES NETO, Antonio Julio. Movimentos Sociais e Educação: O MST e o Zapatismo entre a autonomia e a institucionalização. São Paulo: Alameda, 2016.

Antonio Julio de Menezes Neto

Sociólogo e doutor em educação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *