Atualizando uma polêmica: qual o fôlego do Governo Bolsonaro frente a pandemia?

Do Oriente ao Ocidente, o terror bateu a porta. A pandemia do Covid-19 projetou sobre o mundo o pânico generalizado e atingiu o mercado financeiro mundial. A crise de saúde já chegou em 64 países e ameaça a vida, em especial dos mais pobres. A previsão de derretimento da economia mundial já é uma realidade que se desenha e a mais recente projeção da ONU aponta um aumento de 35% de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza na América Latina. Todas as perspectivas parecem ter sido tomadas por nuvens cinzentas.

No caso do alastramento do vírus no Brasil, tem sido demonstrado nos últimos dias que a curva de crescimento do contágio tem sido superior ao da Itália que vive uma crise sem precedentes, deixando parte de seus idosos a própria sorte e no aguardo da morte. O número oficial de infectados no país ‘governado’ por Jair Bolsonaro supera a marca de 1 mil, tendo em vista a problemática da subnotificação, os dígitos de infectados reais pode superar os 14 mil.

É importante fazer duas ponderações sobre as estimativas de infectados no Brasil e no mundo: o caos numérico não é uma particularidade do Brasil. O historiador estadunidense Mike Davis alerta que a continuada escassez de kits de diagnóstico tem produzido estimativas imprecisas nos EUA na África. A luz da experiência histórica da Gripe Espanhola de 1917–1918, dentre outras crises sanitárias, Davis indica que a letalidade do vírus Covid-19 será muito superior nos países da periferia do capital.

O perigo desse fenômeno para as populações pobres de todo o mundo vem sendo quase completamente ignorado por jornalistas e governos ocidentais. O único artigo publicado que li nesse sentido argumenta que por conta do fato da população urbana da África ser a mais jovem do mundo, a pandemia deve produzir lá apenas um impacto ameno. À luz da experiência de 1918, essa não passa de uma extrapolação tola. Assim como a suposição de que a pandemia, assim como a gripe sazonal, irá recuar diante de climas mais quentes [1].

O Brasil se localiza na periferia do mundo capitalista e na frenética e conturbada conjuntura política que atravessamos, o Covid-19 avizinhou-se como uma tempestade que agudizou a crise econômica, paralisou o país e que pode ter colocado o Governo Jair Bolsonaro em cheque. Há pouco menos de um mês, Mauro Iasi [2] atualizou o debate sobre o folego do Governo miliciano, levando em consideração os aspectos econômicos, as movimentações de setores políticos e a caracterização conjuntural do economista Plinio Sampaio Jr.

Plinio e Iasi divergem quanto ao fôlego do Governo: para Plínio a burguesia tem uma relação utilitária e funcional com Bolsonaro, quando este não mais servir, poderá ser descartado. Iasi aponta que que Bolsonaro “é a expressão política de um segmento significativo do reacionarismo, do preconceito, do anticomunismo, do fanatismo religioso obscurantista” e que a essa base social de apoio pode ser uma das razões de sua continuidade na Presidência. O certo é que Plinio e Iasi não tinham como antever o alastramento da pandemia do Covid-19 e seus efeitos no Palácio do Planalto. E vale destacar: essas consequências políticas ainda são elementos muito imprecisos para serem apontadas inteiramente.

A primeira e mais óbvia consequência do Covid-19 no Governo Bolsonaro poderá ser a infecção do próprio presidente, que no começo de março esteve nos EUA. Em sua comitiva 23 membros testaram positivo para o exame do Coronavírus e obviamente a Abin deve ter orientado o núcleo duro do Governo a negar a infecção do presidente como preconiza qualquer cartilha de segurança nacional, caso seu exame tenha sido positivo. Portanto qualquer consideração sobre essas circunstâncias devém ser ponderadas.

Uma segunda consequência é o fato do presidente ter convocado manifestações em meio a pandemia que ocasionou no pedido de impeachment protocolado por deputados do PSOL. O documento sustenta que Jair Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade ao convocar atos que pediam o fechamento do Congresso Nacional e do STF e, principalmente, por colocar em risco a saúde nacional ao romper o isolamento indicado pela Organização Mundial da Saúde e pelo próprio Ministério da Saúde de seu governo. O mais grave: o presidente participou das manifestações no 15 de março.

Tal como as grandes crises provam os líderes, a capacidade de fazer escolhas e enfrentar consequências, uma crise desta magnitude tende a desmascarar totalmente qualquer arremedo de ídolo político. E é exatamente isto que Bolsonaro é: um arremedo, desequilibrado, inepto, incapaz. O presidente apequena-se diante do tamanho dos problemas que o Brasil atravessa com a pandemia, sua incapacidade de liderar permite que outras figuras da direita ocupem um espaço de protagonismo, pois, o único espaço que o próprio presidente ocupa é o da tragicomédia, quando atrapalha-se com uma máscara em cadeia nacional de TV.

As medidas esboçadas por Paulo Guedes e Bolsonaro para amenizar a crise, conter a propagação da pandemia e garantir a subsistência do povo brasileiro, são claramente insuficientes e visam a proteção das empresas em detrimento da proteção das pessoas. O Governo destina um vexatório auxilio de R$ 200 aos trabalhadores autônomos e a liberação de R$ 24 bilhões em linhas de crédito pessoal, enquanto que anuncia o socorro as empresas aéreas e a liberação de R$ 48 bilhões em crédito para o empresariado.

Nos últimos dias, quando a magnitude da pandemia já era pública, o presidente Bolsonaro continuou a minimizar os efeitos do contágio e chegou a criticar o fechamento de Shopping Centers. O chanceler Ernesto Araújo e o deputado Eduardo Bolsonaro, com declarações estapafúrdias e uma nota pública vexatória, causaram um desserviço gigantesco e incalculável ás relações diplomáticas com a China, nosso principal parceiro comercial e detentor de tecnologia de ponta para a contenção do Covid-19. O Brasil é uma embarcação sem comando em meio a tempestade.

Neste cenário, os governadores de São Paulo e Rio de Janeiro, João Dória e Wilson Witzel, tem tomado medidas mais enérgicas e sensatas para conter o avanço da infecção comunitária. O fechamento temporário ou a restrição de funcionamento de divisas terrestres, aeroportos, shoppings, academias, escolas e universidades públicas e privadas, a interdição de praias e a suspensão de eventos esportivos e de laser, são uma necessidade obvia e de primeira hora. A sensatez poderá cacifar Dória e Witzel eleitoralmente para parte da população e da burguesia em um futuro próximo no tabuleiro nacional. Por incrível que pareça a crise mastigará Bolsonaro e ao fim dela, o presidente conseguirá estar ainda menor. Seu Governo está em cheque e os mais otimistas provavelmente estão na torcida para que Bolsonaro de tão pequeno, desapareça.

Nestes tempos de quarentena podemos colocar o sono em dia e ao menos nos sonhos, imaginar um país onde Bolsonaro e outras chagas como o Covid-19 não existem. Na vida real e com os olhos bem abertos, resta-nos a luta pelo fim desse Governo e a defesa da vida acima do lucro.

NOTAS

[1] Por Mike Davis. O coronavírus e a luta de classes: o monstro bate à nossa porta. Blog da Boitempo. Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/16/mike-davis-o-coronavirus-e-a-luta-de-classes-o-monstro-bate-a-nossa-porta/>. Publicado em 16 de março de 2020.

[2] — Por Mauro Iasi. Atualizando uma polêmica: qual o fôlego do governo Bolsonaro? Contrapoder. Disponível em: <https://medium.com/@Contrapoderbr/atualizando-uma-pol%C3%AAmica-qual-o-f%C3%B4lego-do-governo-bolsonaro-8cd4390798e7>. Publicado em 28 de fevereiro de 2020.

Modesto Neto

Modesto Neto é historiador, mestre em Ciências Sociais pela UFRN, Professor da E. E. Juscelino Kubitschek em Açu (RN) e Direção Nacional da Revolução Socialista-PSOL

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