Uma forte mortandade de peixes ao longo das últimas semanas no rio Xingu chamou a atenção da população de Altamira. Mortandades como esta acontecem regularmente desde a construção da hidrelétrica de Belo Monte. A população indignada exigiu o posicionamento das autoridades competentes. Em entrevista a um canal de televisão local (clicar no link para ver o vídeo da matéria), expliquei como a flutuação do nível do reservatório de Belo Monte recorrentemente causa o apodrecimento do capim que cresce na beira do rio, roubando o oxigênio da água e matando os peixes asfixiados – um fenômeno que em Biologia chamamos de eutrofização. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma consequência direta da construção da hidrelétrica, que roubou do rio a energia do movimento das águas (para convertê-lo em energia elétrica), transformando o rio em lago e alterando também os ritmos naturais de cheia e seca do Xingu.
Apesar da previsibilidade e da obviedade das causas do fenômeno, o secretário de meio ambiente da prefeitura, Ubirajara Junior, declarou à mesma reportagem da Rede Record que ainda não se pode atribuir culpa a ninguém pela situação. Segundo ele, antes que os responsáveis sejam penalizados, a relação da mortandade de peixes com o lago de Belo Monte precisa ser tecnicamente comprovada, por meio do exame dos peixes mortos e amostras da água coletados: “Em relação ao lago de Belo Monte, a gente não consegue precisar neste momento… a gente sabe que o reservatório influenciou em muitas características físico-químicas, mas a gente só consegue fazer determinada afirmação após fazer as análises… A gente sabe que isso acontece de forma sazonal e a gente precisa verificar o que está acontecendo e ver quem são os responsáveis para que a secretaria de meio ambiente tome as providências e medidas cabíveis contra estas entidades ou quem estiver causando este tipo de problema.”
Secretário, o senhor sinceramente tem dúvidas sobre qual entidade seria responsável pela mortandade de peixes no rio Xingu? É claro que é a Norte Energia, e sua causa foi a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Não há qualquer dúvida quanto a isso. A população altamirense tem memória clara de como era saudável o nosso rio Xingu até a construção da barragem. Nós alertamos repetidamente que Belo Monte transformaria o rio Xingu em um imenso lago podre, e foi justamente o que aconteceu. E agora que a água do lago apodreceu e que os peixes estão morrendo, como previmos, o senhor vem falar em análises técnicas para determinar o culpado pela mortandade de peixes no Xingu? Não é necessária nenhuma análise. O cheiro da água já é suficiente.
Nesse contexto, o argumento da “análise técnica” serve apenas para encobrir o óbvio, que se percebe com os sentidos, e diminuir o peso do conhecimento tradicional dos ribeirinhos e pescadores, que não precisam de análise nenhuma para saber o que está acontecendo. Belo Monte está matando o rio Xingu. E as autoridades brincam de investigar os “culpados”. Vários dos biólogos que trabalham nessas empresas que supostamente apontariam tecnicamente os responsáveis pelo desastre ambiental no Xingu são meus ex-alunos na Faculdade de Biologia da Universidade Federal do Pará. Enquanto alguns simplesmente recolhem peixes mortos dos locais mais visíveis, como a proximidade das pontes dentro da cidade, para acobertar flagrantes da mortalidade, outros analisam amostras que mostrariam aquilo que já sabemos. As amostras são analisadas e os momentos críticos de mortandade de peixes passam antes que se saiba dos resultados. O assunto sai da mídia e os responsáveis por Belo Monte não são devidamente responsabilizados. Enquanto isso, a população vai ficando cada vez mais sem o peixe para viver.
Belo Monte, junto com as grandes hidrelétricas do rio Madeira, foi o grande crime dos governos do PT. Quando Lula veio para Altamira defender a construção de Belo Monte, eu e meus colegas dos movimentos sociais fomos impedidos pela Força Nacional de nos manifestar no estádio de futebol da cidade contra a hidrelétrica. É irônico pensar que boa parte daqueles que, do outro lado, pediram a Lula a construção da barragem, hoje estão com suas caminhonetes adesivadas em apoio a Bolsonaro.
Volto a este assunto porque todos sabemos que Belo Monte foi pensada como a primeira de uma série de hidrelétricas no Rio Xingu. Além disso, neste momento avançam projetos de construção de cinco hidrelétricas no Rio Tapajós. Vencidas as eleições presidenciais deste ano, como o novo governo Lula vai se posicionar a respeito desses projetos que terminariam por destruir completamente uma imensa parte da bacia amazônica? Será que estamos seguros de que a tragédia não se repetirá nos próximos anos mesmo com a volta de Lula ao poder? Seria o caso de esquecer este assunto e nos concentrar apenas em derrotar Bolsonaro sem fazer perguntas desconfortáveis? Acho arriscado. O Fiscal do IBAMA, um perfil anônimo do Twitter, importantíssimo na divulgação de crimes ambientais, já detectou um movimento das esquerdas desqualificando suas críticas a Belo Monte: “Toda a desqualificação baseada em quem FINANCIA as ONGs ignora completamente o crime ambiental…tudo isso pra sustentar uma conspiração internacional contra o desenvolvimento do país. Sabe quem curtiria esse fio? HELENO. Claro q choveu SOMMELIER de esquerda, sustentando que eu era um alienado e besteiras assim. Pro mané do chapéu de alumínio sobrou comemorar o meu block (UAU, parabéns campeão!) e claro incitar seus seguidores q engolem os hoax sem refletir (orgulho do Olavo) a nos atacar” (clicar no link para ler o fio no twitter).
Mesmo com todas as questões apontadas no texto em relação ao Lula e o PT, em nome da luta contra o nazifascismo bolsonarista, estou propenso a dar novamente meu voto a Lula já no primeiro turno. Sem dúvida, precisamos fazer de tudo para derrotar o mal maior do bolsonarismo, que está devastando a Amazônia a todo vapor. Mas, para apoiarmos Lula já no primeiro turno, seria importante que tivéssemos desde já a garantia de que a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia e a expansão desenfreada do agronegócio seriam freadas por governos de esquerda, colocando a destruição no passado.