A autobiografia de Bernardo Boris Vargaftig, “Encontrar seu lugar” (São Paulo: Usina Editorial, 2024), é uma obra que resume várias trajetórias, que encontram no autor e personagem uma síntese, na qual, como escreveu o grande historiador francês do século XIX, Jules Michelet, “a História é uma poderosa química moral, em que as minhas paixões individuais se transformam em generalidades, em que os meus povos se tornam eu mesmo, em que o meu eu retorna para animar os meus povos”.
Boris é ele mesmo e seus povos, uma geração inteira pelo testemunho de um homem de ciência e de militância política.
Como médico e cientista da biologia molecular, especialista na investigação dos processos inflamatórios, ele se tornou um dos mais importantes pesquisadores brasileiros, atuando muito tempo na França, entre outras instituições, no instituto Pasteur.
Assim, seu lugar no campo científico se estabeleceu de forma brilhante.
Mas Boris sempre foi também um militante socialista, que começou na juventude comunista e logo se vinculou à corrente trotskista. Assim o livro é a memória de uma consciência crítica, que nunca aceitou que a degeneração stalinista pudesse representar o marxismo.
Preso em 1964 em plena mesa de cirurgia de um cão numa aula, passou dois meses encerrado num navio prisão em Santos e depois viveu anos no exílio na França, onde nasceram seus três filhos.
De volta ao Brasil, ingressou no PSTU e depois no PSOL, onde milita até hoje. Em parte desse período, tive o privilégio de participar com ele na mesma célula partidária.
Sempre lúcido, não deixa nunca de apontar os riscos do eleitoralismo e do cretinismo parlamentar, fazendo questão de apontar os paralelos entre a ascensão do nazifascismo e a do bolsonarismo, sem deixar de lembrar “algo que não tem sido destacado, a lembrança das traições do lulismo em tantas ocasiões” (p.381).
Diante do crescimento do obscurantismo anticientífico do neofascismo, faz um balanço implacável das políticas negacionistas diante da pandemia, assim como de outras atitudes das “poderosas organizações religiosas antirracionalistas”, retomando a história da guerra da religião e do “criacionismo” contra Darwin e a ciência.
Denuncia o absurdo episódio da aprovação da fosfoetanolamina como suposta terapia contra o câncer, aprovada por Dilma sem respeito por nenhum procedimento técnico científico de aprovação de novos fármacos. Pior ainda, foi a promoção oficial da cloroquina pelo governo Bolsonaro, responsável direto por grande parte das mortes durante a Covid.
Suas memórias, assim, unem, numa “química moral” a sua história pessoal e a da sua geração com a história da ciência, do Brasil e do mundo, diante dos impasses que a contrarrevolução produz, fazendo ressurgir o negacionismo e o dogmatismo.
Diante do “atual temor, ansiedade, violência gratuita, pelo desaparecimento generalizado da solidariedade”, o livro de Boris é um alento de esperança de uma nova sociedade possível, baseada no conhecimento científico, na solidariedade e no socialismo
Ótima observação do Henrique. Por mais textos do Carneiro no site. Até a vitória câmaras!