Coincidentemente, a absurda marca de 500 mil vidas perdidas por causa da COVID-19 e da irresponsabilidade dos governos e dos planos neoliberais/capitalistas foi atingida no dia 19/06/2021, a mesma data em que foram programadas manifestações de rua exigindo o fim do governo corrupto, autoritário, ultraliberal, negacionista e genocida de Jair Bolsonaro.
Centenas de milhares atenderam ao chamado à manifestações no 19J. Houve relatos de atos públicos, passeatas e carreatas em mais de 400 cidades brasileiras e em outros 18 países. A fachada da Torre de Londres, antiga cadeia da monarquia britânica, local de torturas e execuções, serviu como pano de fundo para a projeção de imagens no sábado à noite, fazendo-se um trocadilho com o nome de Jair Bolsonaro, substituído por Jail (cadeia, em inglês). A Liga Internacional Socialista – LIS convocou para uma Jornada Internacional em Embaixadas e Consulados, somando-se a uma mobilização global que pediu o fim do governo Bolsonaro.
Em relação ao mês anterior, dobrou o número de cidades onde houveram manifestações, aumentando significativamente a participação popular. São Paulo e Rio de Janeiro voltaram a reunir dezenas de milhares e a imprensa burguesa, diferente da omissão inicial no 29M, desta vez estampou em suas manchetes e capas de jornais fotografias da multidão que foi às ruas. Em Brasília a passeata ganhou o apoio dos povos indígenas que participavam do acampamento “Levante Pela Terra” e faziam pressão sobre o STF a respeito da demarcação de seus territórios tradicionais.
Bolsonaro sentiu o golpe, e em meio ao avanço das investigações da CPI da Pandemia e o acirramento da disputa interburguesa, somado à mobilização de amplos setores da população, mais uma vez demonstrou seu desespero e despreparo ao tentar intimidar uma jornalista aos gritos de: “cala a boca”, dois dias depois dos fortes atos que ocorreram no país. Minutos antes, o Presidente da República havia sido recebido sob vaias e gritos de “genocida”, ao visitar uma unidade de saúde em Guaratinguetá-SP. Fica cada vez mais óbvio que o povo, na rua, não pretende aguardar pacificamente pelo calendário eleitoral do regime democrático-burguês.
Os protestos no Brasil se somam à onda, nada “conservadora”, de lutas e protestos que ocorrem em várias partes do mundo, sobretudo na rebelde América Latina, como no Equador, onde as manifestações barraram o plano de ajuste pactuado pelo governo com o FMI. Na Colômbia, após uma histórica greve geral, que levou o governo Duque a retirar a proposta de reforma tributária, os enfrentamentos nas ruas seguiram por 49 dias, mesmo sob uma repressão brutal que deixou mais de 50 mortos. No Chile, a rebelião iniciada dois anos atrás, que esteve prestes a derrubar o governo Piñera, jogou na lata do lixo a Constituição que estava vigor desde a ditadura de Pinochet e conquistou uma Convenção Constituinte onde foi indicada uma representante indígena, do povo mapuche, para presidi-la, uma vez que mais da metade dos deputados constituintes foram eleitos por partidos de esquerda, movimentos sociais e independentes. No Peru, a onda de lutas se refletiu na eleição presidencial e surpreendentemente elegeu Pedro Castillo, um professor da zona rural que se apresentou ao eleitor com um discurso radical e conquistou mais da metade dos votos no segundo turno, em meio ao início de mobilização de massas que fez a burguesia recuar em sua tentativa de não legitimar o resultado eleitoral. São exemplos que demonstram que o Brasil não está sozinho, em uma conjuntura continental marcada por fortes enfrentamentos na luta de classes, e também nos mostram como as direções dos movimentos operam para canalizar o descontentamento da população para dentro das instituições do regime democrático-burguês.
Fogo amigo: dia 24 estava muito longe
Nesse contexto, a reunião de balanço da frente de partidos, centrais sindicais e movimentos sociais denominada “Campanha Fora Bolsonaro” apontou uma nova data para a próxima manifestação nacional contra o governo: por maioria, foi decidido o final do mês de julho, dia 24. Imediatamente começaram a surgir críticas que denunciavam ser muito longe a data, e que essa distância iria esfriar as mobilizações, dando uma trégua ao governo Bolsonaro, justamente no momento de maior pressão.
Mas o alívio do governo durou pouco e dias depois, em depoimento à CPI da Pandemia, um deputado federal, ex-aliado do presidente da República, relata que seu irmão, servidor efetivo do Ministério da Saúde, teria sofrido pressão dentro do próprio Ministério para que a importação da vacina indiana Covaxim fosse acelerada. A situação de Bolsonaro ficou mais complicada quando o deputado informou que levou ao conhecimento do Presidente da República a suspeita de corrupção na compra das vacinas, e piorou quando, pressionado, o deputado atribuiu a Bolsonaro a citação: “é mais um rolo desse Ricardo Barros”, referindo-se ao esquema de corrupção.
O empresário Ricardo Barros, atual líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, já foi Ministro da Saúde no governo Temer e vice-líder de governo nas gestões petistas de Lula e Dilma. É investigado pelo Ministério Público do Paraná, acusado de receber propina de R$ 5 milhões, em contratos fraudulentos para o fornecimento de energia eólica.
Essa turbulência política, combinada com o sentimento de indignação dos brasileiros, levou um setor da classe a não esperar pelo 24J. Imediatamente após as denúncias mais fortes de corrupção no governo, as torcidas de futebol antifascistas e movimentos sociais em São Paulo convocaram uma manifestação na Av. Paulista para o dia seguinte, 26/06. E diante da possibilidade de novas manifestações tomarem corpo, pois já haviam convocatórias para o dia 03/07, as frentes de unidade de ação que organizam os protestos pelo “Fora Bolsonaro” se reuniram às pressas e anteciparam a data dos novos atos públicos. Assim, em meio a pressões, críticas e vacilações, o 3J ocorreu em mais de 300 cidades no Brasil e em outras 35 no exterior, em 16 países.
13J: capitulação à política do lulopetismo
Mas logo em seguida uma nova polêmica tomou conta dos debates na esquerda. E agora, não apenas com os reformistas e a esquerda governista, mas dentro da própria esquerda revolucionária. Com um enorme equívoco político, a direção majoritária da CSP-Conlutas se absteve de convocar novas manifestações pelo “Fora Bolsonaro” para o dia 13/julho. As duas militantes de Luta Socialista que compõem a Secretaria Executiva Nacional – SEN, junto com outros quatro membros da SEN, assinaram uma nota à direção da Central solicitando uma reunião extraordinária para discutir a construção e mobilização do 13J. A direção majoritária se negou a convocar a reunião.
Na véspera da manifestação foi publicada matéria no site da CSP-Conlutas (reproduzida no site do PSTU) a qual caracterizava o 13J como um dia nacional de luta de “categorias específicas como trabalhadores dos Correios e povos indígenas”. A mesma linha política da corrente Resistência/PSOL, que em seu site (Esquerda On Line), minimizou a importância do 13J, caracterizado também como um “ato nacional contra a privatização dos Correios, em Brasília”. A política do lulopetismo, de invisibilizar o 13/julho como parte da campanha pelo fim do governo Bolsonaro, surtiu efeito, e seu tamanho ficou aquém do necessário, seja para derrotar Bolsonaro, seja para fazer frente à tentativa de privatização dos Correios ou para o apoio à luta pela demarcação dos territórios indígenas.
“Me chamem de corrupto, porra!”
Para a classe trabalhadora tem sido quase impossível acompanhar, com o detalhamento necessário, os acontecimentos políticos pelos quais nosso país tem passado nos últimos 30-40 dias. A revelação de um novo esquema de corrupção envolvendo os parlamentares da família Bolsonaro e/ou seus apoiadores políticos, termina por esconder o escândalo passado. E em meio a tantas denúncias, antigos personagens envolvidos em corrupção, voltam a frequentar os noticiários.
Há meses afirmamos que o isolamento político do governo Bolsonaro se acentua cada vez mais e aumenta consideravelmente o seu enfraquecimento. Até parlamentares do corrupto Centrão, do qual Bolsonaro se fez refém para tentar garantir sua governabilidade até as próximas eleições, já começam a abandonar o barco.
Em 2016, ao ser xingado de genocida, o então deputado Jair Bolsonaro respondeu: “me chamem de corrupto, porra!”, desdenhando da acusação de genocida. Na campanha eleitoral, em uma jogada de marketing, tomou essa frase como um símbolo, para dizer que seu governo seria incorruptível. Hoje essa farsa que o ajudou a se eleger já pode ser mais facilmente desmontada.
São denúncias de propina de US$ 1 por cada dose da vacina Covaxin a ser comprada; tráfico de influência e prevaricação; corrupção entre militares, ministros e parlamentares aliados; divulgação de áudios que colocaram os esquemas de rachadinha de volta aos noticiários. Sim, podem chamar o Presidente da República e seu governo de corruptos, além de genocidas.
O 19J, 3J e 13J deram o recado: não vamos esperar por 2022
Enquanto a CPI vai desmascarando os esquemas de corrupção e os trabalhadores organizados saem às ruas pedindo o fim do governo do presidente genocida, Lula, que ano passado defendeu o direito de Bolsonaro a cumprir os quatro anos de seu mandato, permanece sem participar dos protestos. A desculpa tem sido a alegação de que “não quero transformar um ato político em um ato eleitoral”. Lula e o PT tentam construir a narrativa de que o ex-presidente está apoiando as manifestações, quando na verdade, Lula tenta se distanciar do “Fora Bolsonaro” e das passeatas, para permanecer como um candidato confiável à setores da grande burguesia nacional e do sistema financeiro internacional. Por isso Lula insistiu em dizer, sobre o 19J, que “é a sociedade quem está convocando, não o partido”.
A adaptação de Lula e da cúpula dirigente do PT ao regime da democracia-burguesa, capitalista, após 13 anos de governo de colaboração de classes, é irreversível. Mas é preciso cobrar que os dirigentes sindicais e populares filiados ao PT, e que atuam na CUT, muitos dos quais participaram dos atos do 19J, do 3J e do 13J, não sigam a orientação de Lula e permaneçam participando dos fóruns e frentes que estão organizando a campanha “Fora Bolsonaro”.
É preciso exigir desses organismos de unidade de ação e das grandes Centrais Sindicais que seja dado continuidade na organização de novas e maiores manifestações pelo país, avançando para a convocação de uma Greve Geral que levante a bandeira do “Fora Bolsonaro e Mourão”, e que procurem unificar as lutas em base a um programa mínimo, onde conste a demanda por vacina para todos; por isolamento social; a criação de mais empregos (com a redução da jornada de trabalho, sem a redução de salários); a garantia da recomposição e do reajuste salarial; a redução e o congelamento de tarifas como água, luz, telefone, internet, e produtos da cesta básica. Um programa que lute para manter os serviços públicos gratuitos e com qualidade; que exija a realização de uma auditoria cidadã e o não pagamento da dívida pública. Um programa que reafirme a necessidade de se lutar por um governo dos trabalhadores, do povo pobre e da periferia. Por um governo dos trabalhadores do campo, da cidade e dos povos da floresta! Sem burocratas, nem patrões!
A última pesquisa feita pelo Instituto DataFolha demonstrou o derretimento do governo. A maioria entrevistada confirmou achar Bolsonaro desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário e pouco inteligente. Mas, não somente isso, Bolsonaro é rejeitado por 57% entre os mais pobres, 57% das mulheres avaliam o governo negativamente, 72% da comunidade LGBTQIA+, 77% de homossexuais e bissexuais e 57% dos pretos rejeitam o governo, por fim 54% dos brasileiros querem o Fora Bolsonaro!
Dia 24 de julho ocuparemos novamente às ruas do país pelo Fora Bolsonaro e Mourão. É necessário seguir em frente até a queda do governo.