CAMARADAS, UNI-VOS!!!

Li o livro da estadunidense Jodi Dean, “Camaradas”1, que ao menos em parte, apresenta uma ótima contribuição acerca da importância da organização política, do partido e do sentido de pertencimento que estes nos proporcionam. Pois “Camaradas” são aqueles com quem partilhamos visões de mundo, utopias e pertencimento. Somos todos “parte deste pertencimento” se compartilhamos ideais coletivos. Fazendo uma crítica ao atual identitarismo, apesar de não aprofundar, diz que nas identidades, não necessariamente temos o pertencimento. Neste caso, basta ser “aliado”, que não é a mesma coisa de camarada (ou companheiro), pois o comprometimento aliado não é o de pertencer a algo no qual se acredita e é parte. 

O livro de Jodi, centrado nos EUA, mostra que, apesar da preocupação com a totalidade, o Partido Comunista dos EUA sempre foi parte nas lutas dos negros, buscando desmistificar que o termo Camarada seja “homem e branco”. Também li recentemente duas ótimas biografias de Eleonor “Tussy” Marx2 (publicadas pela Expressão Popular) e suas Obras Completas, publicadas pela Aetia Editorial3 através do apoio coletivo da Catarse. Eleonor mostra que a luta feminista está presente nas luta socialistas desde o século XIX, mas dentro da totalidade da luta pela superação do capitalismo e da luta pelo socialismo. Com estas indicações pretendo mostrar que, sem perder o conceito de identidade, estas não podem ser atomizadas, mas tem de estar presentes nas lutas pela totalidade das transformações sociais e, para isso, precisamos de organizações e do sentido de “pertencimento camarada”, ou seja, lutarmos juntos com todos aqueles que têm visões de mundo próximas das nossas, não apenas como aliados, mas sabendo que fazemos parte da mesma luta. E, para isso, precisamos ter elos mais fortes do que o sentimento de justiça que o termo “aliado” possui.

Pessoalmente, me lembro do sentido de “companheirismo” que o antigo PT provocava em seus militantes, pois bastava identificar alguém com a estrelinha vermelha e, quase de imediato, esta pessoa tornava-se “companheiro”. Ou (usando uma linguagem mais acadêmica) do “Jovem MST” (pré-2003) com sua “mística laica”, em que seus militantes tinham orgulho de ostentar seus símbolos. Para não falar, de modo mais genérico, de toda a história dos partidos comunistas.

Digo isso para repensar a atual fragmentação dos socialistas-comunistas brasileiros. Pelos dados do TSE, os 4 partidos com menos filiados no Brasil, são, por ordem: UP, PCO, PCB e PSTU. Ou seja, são quatro partidos de cunho socialista-comunista (não sei hoje se o PCO está com o Lulismo ou se enquadra na categoria citada). Temos diversos grupos trotskistas e não trotskistas no PSOL que não aceitam a subordinação ao PT e reafirmam seu caráter revolucionário (apesar de ser minoria no Partido). Temos diversos movimentos sociais calcados nas identidades sem se desvincular ao movimento comunista maior. Mas todos estão presos às suas circunstâncias, às suas verdades e ao seu passado. Está na hora de passarmos por cima de vaidades e verdades absolutas e sermos camaradas no que devemos ser: na luta contra o capitalismo, pela construção do socialismo-comunismo. Se nossa história, do qual me orgulho, sempre foi de conflito, é hora de repensarmos e buscarmos os elos de união. Está na hora de focarmos nas contribuições de cada um em vez de focar nos equívocos. Os erros devem ser debatidos não para acusar o outro, mas para construirmos diferente. 

Sei que muitos falarão que não é hora de pensar em socialismo, que a derrota de bolsonaro (com minúsculo mesmo) é o alvo atual, que o keynesianismo liberal-social petista é o possível neste momento, que o momento é de resistência apenas (penso que seria importante que o PT, a maioria do PSOL e do PCdoB e parte do PSB e PDT também se unissem numa Federação social-democrata). Ou seja, o mesmo argumento que sempre colocou as esquerdas socialistas na retaguarda e andando em círculos. Se nunca é o momento, como avançaremos? Esperando o capitalismo entrar em crise por ele mesmo? Fazendo pequenas políticas sociais como a única alternativa no momento e despejando recursos para o capital?

Não temos mais como postergar a luta. Ou lutamos juntos, seja em Federação, Polo ou o que for, ou entraremos em crise permanente e ficaremos nos debatendo em pequenos grupos e partidos sobre quem é o dono da verdade. Não estou dizendo que cada um deve esquecer suas análises, suas identidades, mas pensar na identidade comunista maior. Não estou defendendo esquecer erros, pois estes sempre acontecerão, mas aprender com eles em vez de apontar dedos. 

O momento é de nos organizarmos até para a nossa sobrevivência. Pela legítima defesa do ideário socialista-comunista devemos focar mais no nosso lado camarada. Temos sonhos, utopias, projetos, análises científicas. Temos divergências, mas que devem ser menores do que nossas convergências. Temos uma identidade que perpassa a 90% de nossos camaradas: somos assalariados do capital, “escravos modernos”. E, a grande maioria, vende sua força de trabalho por sua sobrevivência neste mundo da mercadoria e da fartura capitalista. Precisamos mudar isto e não gerenciarmos melhor ou pior o sistema do capital.

Socialismo ou barbárie!!!

Referências

  1. DEAN, Jodi. Camaradas. São Pulo: Boitempo, 2021 – O livro possui passagens interessantes e outras que parecem um pouco fora de contexto, como toda a Parte 4.
  2. HOLMES, Rachel. Eleonor Marx: uma vida. São Paulo: Expressão Popular, 2021 SILVEIRA, Maria José. Eleonor Marx, filha de Karl. São Paulo: Editora Francis. Tem também uma edição atual da Expressão Popular.
  3. MARX, Eleonor. Obras Completas Londrina: Aetia Editorial, 2021. Organizado por Felipe Vale da Silva e Guilherme Henrique Nahes Alonso.

Antonio Julio de Menezes Neto

Sociólogo e doutor em educação.

Um comentário sobre “CAMARADAS, UNI-VOS!!!

  • 29 de outubro de 2021 at 3:05 pm
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    Parabéns ao “camarada” A. Júlio pelo texto. Trata-se de uma questão muito complexa de fato. Cada vez mais me sinto incapaz de externar uma visão que me pareça já para mim próprio totalmente irrefutável. O problema (das divergências internas e das separações) é velho e complexo assim como velhos os apelos à unidade. O que me parece ainda sólido e atual é a ideia de que só na prática (práxis) das lutas se pode construir unidade legítima e efetiva.

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