Caso Glauber Braga e a defesa radical da vida

Desde 2014, em um artigo publicado no Desacato.info1, venho denunciando o avanço de um fascismo à brasileira, ancorado em jovens hiperdigitalizados que aspiram a estilos de vida fictícios promovidos nas redes sociais dos países centrais. Esse fenômeno mobiliza um número crescente de jovens, em especial homens, cada vez mais à margem do que podemos chamar de capitalismo de plataformas. Em 2018, junto a Matheus Pimentel, analisamos como o MBL se consolidou como expressão dessa lógica2.

Dito isso, quero ser claro: apoio Glauber Braga. E, mais do que isso, entendo que sua greve de fome foi um ato de defesa radical da vida, assim como a necessidade de que seu mandato se mantenha. Afinal, os que o atacam são figuras que representam o pior do capitalismo dependente — verdadeiros parasitas das contradições de um sistema que adoece a juventude e lucra com isso.

As plataformas digitais mudaram a lógica da economia. Criaram uma nova matéria-prima: os dados. Com isso, transformaram a forma como entendemos o ser humano e abriram uma nova fronteira de extração. No extrativismo de dados, os corpos humanos — suas emoções, comportamentos e pensamentos — tornaram-se minas exploráveis. Os modelos de negócio mais lucrativos são os que melhor capturam esses dados e os integram a sistemas de produção, logística e publicidade, gerando vantagem competitiva.

Com a automação reduzindo a taxa de lucro na indústria tradicional, tornou-se mais rentável manter uma massa de pessoas atuando fora dos contratos formais, fazendo “bicos” de forma intermitente. Essas mesmas pessoas passam horas conectadas a plataformas que capturam seus dados. Se ainda utilizam essas redes para divulgar seus próprios trabalhos, o ciclo se completa. Um exemplo é o mercado de cosméticos, que lucra com influenciadoras amadoras que criam tendências de maquiagem. A empresa que capta esses padrões em tempo real consegue adaptar produtos e estratégias de venda de forma mais rápida e eficaz.

Mas, assim como a extração intensiva esgota os territórios naturais, o extrativismo de dados corrói a saúde mental. Os corpos hiperconectados vivem ansiosos, dormem menos, sentem-se esgotados. Estão presos a lógicas de validação e pertencimento que só aumentam a exaustão. As redes sociais, na prática, não são ferramentas de socialização, mas grandes vitrines publicitárias que transformam usuários em recursos a serem explorados.

Nesse ambiente, poucos se destacam como “campeões do sistema”: pessoas que parecem sempre felizes, viajando, com corpos moldados e discursos motivacionais. Para todos os outros, sobra a frustração. É aí que surgem aberrações como o MBL. Assim como movimentos globais como os “sigma males” ou os “incels”, o MBL capta a raiva de jovens que sabem que não farão parte da elite dos influenciadores bem-sucedidos.

Em vez de oferecer alternativas reais, esses grupos apresentam respostas fáceis e violentas. Criam inimigos imaginários, desviam a frustração de uma geração exausta para alvos manipuláveis e alimentam discursos de ódio com alto apelo emocional. Pessoas sem acesso pleno ao trabalho e sem autoestima tornam-se máquinas de produção de conteúdo tóxico. Assim, a exploração de dados converte-se em capital político — e os corpos destruídos são descartáveis.

Diante desse quadro, a reação de Glauber Braga contra o jovem do MBL não só é compreensível — é necessária. A acusação de que houve violência por parte do parlamentar ignora a violência sistêmica promovida por esses grupos. O conceito de decoro envolve agir de forma ética e respeitosa dentro dos valores da sociedade. O que pode ser mais coerente com isso do que recusar a normalização de ações que destroem o convívio público e corroem os laços sociais?

Trata-se de um jovem treinado para provocar, que interrompeu o diálogo nas ruas, humilhou a mãe do parlamentar quando ela estava em seu leito de morte para ganhar curtidas, e representa um projeto que canaliza o sofrimento da juventude em favor do ódio. A geração que mais sofre com depressão, suicídio e exclusão social não pode continuar sendo empurrada para os braços de seus algozes.

Defender Glauber é defender uma linha. É reafirmar que há limites éticos que precisam ser protegidos, especialmente quando o que está em jogo é a própria possibilidade de diálogo, de cuidado e de vida coletiva. Num tempo em que a exploração se disfarça de liberdade, em que o lucro vem da dor, reagir também é um ato de amor. E manter o decoro, às vezes, é dizer basta.


Este texto não passou pela revisão ortográfica da equipe do Contrapoder.


Referências

  1. Leia em: https://desacato.info/jornadas-de-junho-caso-freixo-e-o-fascismo-a-brasileira/
  2. Leia em: https://www.researchgate.net/publication/339052003_Nuevas_Ciudadanias_Conservadoras_El_fenomeno_que_eligio_Bolsonaro_en_Brasil

João Gabriel de Almeida

Carioca criado em Florianópolis, adotado pela Colômbia e México. Acompanha distintos movimentos sociais em distintas latitudes. Atualmente se dedica a pensar e organizar a construção de "Outros Mundos Possíveis". Ah, para quem interesse também é doutor.

Um comentário sobre “Caso Glauber Braga e a defesa radical da vida

  • 2 de maio de 2025 at 10:59 pm
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    Ótimo texto! Resumiu bem a toxidade das redes e o quanto o sistema lucra com isso, por este motivo mesmo que a deseja e produz. Então faz isso massacrando e colonizando corpos e mentes…
    .
    Grande Glauber! Um político corajoso, incorruptível e necessário!
    #GlauberFica #ForaLira

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