Cavalo de Tróia

Ao cair da noite, os soldados rasos saíram de dentro do presente grego para atacar a cidadela. O Cavalo de Tróia atual, no entanto, não tem soldados rasos: tem quadros políticos, especificamente dois: um Rei e um Príncipe — Lula e o Príncipe divergente, que explicitamente prega o caminho liberal, Haddad. No cair da noite de 9 de novembro, um dia após sair do ostracismo físico, desembarcam no Largo da Carioca. Lá, ao que parece, foram recebidos com pompas por bobos dessa corte de burocratas subservientes e um aspirante a Imperador. Este, com seu chapéu de lado, posava imponente sobre um trator: atropelou tudo e todos, abrindo caminho para o onipresente — mas unilateral — Rei. Todos foram esmagados: convenções partidárias, pessoas simples, figuras secundárias, até colegas parlamentares. O imperador tinha pressa e sede, sede de clientelismo e carreirismo. Era um bufão, mas não qualquer: um que se doa, faz qualquer coisa pelo povo, inclusive o esmaga para sua glória hedonista. Dizia que assim administraria a cidadela, antiga capital do Reino, em benefício do povo. Tratora-se o povo para elevá-lo à categoria de suma massa de manobra. Recebeu, ainda naquela noite, sob os urros dos bobos da corte pseudodirigentes do partido, a benção máxima do Rei. Porém todos sabiam: o Rei manda, o Imperador apenas vestirá o manto e receberá as porradas que advirão.(1)

Quem deu aval para Marcelo Freixo — o aspirante a Imperador — assumir a candidatura à antiga capital imperial?

Até onde se sabe — pois há mais tramoia entre o céu e a terra que pode saber nossa vã filosofia –, Renato Cinco havia se colocado, também, como pré-candidato do PSOL carioca à prefeitura, inclusive com um manifesto público: Construção do programa socialista, ecológico e libertário (2). Renato Cinco retirou sua pré-candidatura em favor de Freixo? Ou a burocracia partidária — os bobos da corte — resolveu na canetada, a despeito de qualquer mobilização, aspiração, debate e etc. da base do partido, das pessoas simples? Qual a posição da direção do PSOL-RJ? Há complacência — e cumplicidade — com a “tratorada”?

Há algo claro — mas fétido — no ar: Lula manda, e se isenta, já que não é quadro do Partido Socialismo e Liberdade, é quadro “universal”, um Rei divino.

Mais importante que a base do PSOL — essas pessoas simples, sem nome ou cargos, que enfrentam a vida lutando por ela –, mais importante que os sem-nome que se doam sem tergiversar é o Rei que em tudo dá linha política, mesmo que sem programa — ou melhor, o programa é ele mesmo. Vossa Majestade, esta sumidade que até antes de ontem tomava toda simbologia das lutas sociais com seu nome que paira no ar com o espírito santo que ninguém vê e todos se submetem, agora desembarca do cavalo de madeira e dita regras, abençoa patifarias e atropelos, não se faz de rogado já que sabe de “seu poder”.

Para quem desacredita, o próprio aspirante a Imperador aceita e reproduz o que a Carta petista Capital diz: “Freixo será o nome da esquerda para derrotar Crivella no Rio. E com apoio total de Lula” (3) . Com apoio total de Lula? Quando o Lula virou dirigente do Partido Socialismo e Liberdade? Desde quando ele decide qualquer coisa que deve, necessariamente, ser debatida com as instâncias partidárias, com os filiados, com a base, numa convenção ou no congresso do partido?

Recentemente escrevemos, sem premonição mas com senso aguçado das movimentações políticas — inclusive as espúrias –, que isso aconteceria: “Se [Lula] conquistar a liberdade, trará consigo um programa pronto, na sua cabeça, como o Pai redentor que levará todos para o pretérito Jardim do Éden.” (4) Teremos de dizer que Aécio Neves, esse nefasto, tinha razão ao dizer, no debate presidencial para as eleições de 2014, que o PSOL era “linha auxiliar do PT”? O que nos consola é que Aécio errou — e, portanto, não precisamos concordar com ele: somos mais que linha auxiliar, mais que “puxadinho”: somos areia de gato onde Vossa Majestade impõe sua política aos bobos.

Vinicius Xavier — Núcleo Resistência Popular — PSOL-Brás
Arilton Soares — Núcleo Resistência Popular — PSOL-Brás
Márcia Nestardo — Núcleo Resistência Popular — PSOL-Brás

1 — Cabe lembrar que a coisa foi pior ainda: o aspirante a Imperador e os bobos que vieram a São Bernardo do Campo pedir a benção de Vossa Majestade. Além de subservientes, capachos.

2 — https://manifestocinco.com/

3 — Link para a postagem de Marcelo Freixo: http://bit.ly/2CDEfzR. Link para a reportagem da Carta Capital: Freixo crava candidatura à Prefeitura do Rio em chapa com o PT. In:

4 — Lula livre para quê? In: http://bit.ly/c1_nbbras

Resistência Popular

Núcleo PSOL - Resistência Popular, Brás, São Paulo

Vinicius dos Santos Xavier

Militante marxista desde o início dos anos 2000, Professor de filosofia da rede estadual de São Paulo, integrante do grupo de estudos “Repensando o Desenvolvimento”, do LABIEB-USP no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

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