“Futebol é um grande negócio. Sendo negócio, ele tem que dar lucro”1.
O século XXI está repleto de “inovações” para o esporte mais querido do mundo, algumas delas estão na condução do jogo, como o chatíssimo VAR, que deveria acabar com as polêmicas envolvendo os “assopradores de apito”, mas apenas as fez multiplicarem-se. Outras inovações dizem respeito às formas de aumentar o número de gols, diminuindo o tamanho e o peso da bola, quem se lembra da Jabulani? Mas nenhuma delas é tão detestável do ponto de vista dos torcedores quanto a possibilidade de se comprar um clube de Futebol. Encabeça essa lista o Milan, comprado por Silvio Berlusconi e que posteriormente o vendeu a Li Yonghong, multimilionário chinês por 4,5 bilhões de reais. Em 2005 Malcon Glazer comprou o Manchester United por 5,9 bilhões de reais (79 milhões de libras). A mais recente compra foi a do New Castle, clube pequeno da Inglaterra, pela pechincha de 353 milhões de euros, algo como 2,2 bilhões de reais, e a lista tem tudo para continuar crescendo.
Há clubes brasileiros, como o Cruzeiro e o Botafogo, que veem parte de seus torcedores desejando a compra por algum grande capitalista de seus clubes. Você, torcedor, gostaria de ver seu clube sendo vendido como uma mercadoria? A forma-mercadoria é a forma mais geral da economia capitalista e não foi à toa que Marx começou por ela a exposição das categorias econômicas em sua principal obra, O Capital. Sua generalidade contrasta com sua complexidade, com suas “manhas teológicas”, como estilizou Marx na famosa seção sobre o “Fetichismo da Mercadoria” no primeiro capítulo do livro I da obra. Mas não apenas “coisas” podem assumir a forma de mercadoria, exemplo disso é a força de trabalho, as próprias “formas econômicas”, como dinheiro e capital podem e de fato se tornam mercadorias com mercados próprios, o câmbio, o mercado de capitais. Marx foi além e afirmou que “coisas que em si e para si não são mercadorias, como, por exemplo, consciência, honra, etc., podem ser postas à venda por dinheiro pelos seus possuidores e assim receber, por meio de seu preço, a forma mercadoria. Por isso uma coisa pode, formalmente, ter um preço, sem ter um valor”.2
Um comprador de clubes não é um comprador qualquer. Para usar a linguagem de Marx ainda por uma última vez, não é apenas por seu valor de uso que grandes capitalistas compram clubes de Futebol. Alguns deles nem são torcedores, sequer amantes do esporte. Alguns os compram para lavar seu dinheiro recebido de modo “não-ortodoxo” como tráfico de drogas, de armas ou de pessoas. Nesse caso o clube é uma boa fachada para transações disfarçadas, por meio do Futebol, de legalidade. Alguns os compram como símbolos, e mais, alguns os compram como forma de redenção. Esse é o caso dos petrodólares despejados em clubes de futebol recentemente.
É o caso do Manchester City, comprado pelo Sheik Mansur bin Zayed al Nahyan, da família real de Abu Dahbi por apenas 210 milhões de libras (1,6 bilhões de reais) e que desde então (2009) empilha taças e contratou nada menos do que o melhor técnico do mundo. Essas arcaicas “famílias reais” de Estados autoritários e extremamente opressores de seu povo buscam no futebol uma espécie de “redenção” de sua imagem. Outro exemplo disso é o PSG, onde joga o “menino” Ney, amado e idolatrado pelo Rui Pimenta (PCO) e por muitos amantes do futebol. Comprado por 70 milhões de euros (444 milhões de reais) pela Qatyar Sports Investments, esconde atrás de si o multicriminoso regime do Qatar3, não à toa, próxima sede da principal mercadoria esportiva da FIFA, a Copa do Mundo de 2022. A própria copa do Mundo de 2022 está manchada de sangue de operários mortos na construção de estádios, com denúncias, inclusive, de trabalho análogo à escravidão, mas tudo isso não vira notícia por ter como “Escudo” clubes de Futebol, e muito dinheiro para a FIFA, é claro!
Aos poucos essa mercantilização de clubes vai chegando ao futebol brasileiro. Desde setembro de 2021 foi sancionada a lei que permite aos clubes mudarem sua configuração de “Associações sem fins lucrativos” para “Empresas”, uma “inovação” que ainda vai dar muito o que falar e pensar. Há atualmente dois clubes-empresa na série A do brasileirão. Red Bull Bragantino e Cuiabá. O América mineiro está em transição para se tornar o próximo. A Red Bull, como se sabe, tem além de uma equipe de Formula 1, outros clubes de futebol, e viram no modesto Bragantino uma forma de se introduzir no futebol repleto de promessas do Brasil, seu objetivo, ao que tudo indica é comprar barato (no Brasil) para vender caro (na Europa), e ainda assim está na final da Copa Sulamericana.
Uma questão que fica é a seguinte: poderia um time de massas no Brasil se tornar pacificamente um negócio de tipo capitalista? Ter um preço? Ter um dono? É claro que a maioria esmagadora dos torcedores não são associados aos clubes, não tem direito a voto, mas como coletividade tem sim direito a voz, a voz da torcida. Como lidariam os capitalistas com as torcidas organizadas?4 A desilusão com diretorias escolhidas por exíguos associados, crises financeiras e morais podem levar torcedores desesperados a clamarem por um Sheik milionário como “solução” do rebaixamento de seus times, mas não faltam exemplos de clubes que caíram no “conto do empresário” e ainda assim fecharam suas portas.5 Por isso, antes de sonhar com o Príncipe encantado do Qatar, é melhor você pensar e agir coletivamente e defender o seu clube de coração!
Referências
- Wanderley Luxemburgo, técnico do Cruzeiro da série B.
- O Capital, pag. 92 da tradução da Abril Cultural.
- Como Qatar usa PSG e Neymar como “escudo” em violações de direitos humanos, veja em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rafael-reis/2021/04/12/como-qatar-usa-psg-e-neymar-como-escudo-em-violacoes-de-direitos-humanos.htm?cmpid=copiaecola
- Lista de torcidas organizadas na Anatorg, ver em: https://anatorg.com.br/x/torcidas-associadas-a-anatorg/
- 8 clubes-empresas que deram errado ou decretaram falência pelo mundo, ver em: https://www.90min.com/pt-BR/posts/8-clubes-empresas-que-deram-errado-ou-decretaram-falencia-pelo-mundo
Não sou torcedor e não gosto de futebol embora tenha, ou tinha, simpatias pelo antigo Ferroviário hoje Paraná Clube, Corinthians e Flamengo, times que em tempos idos eram considerados pela extinta esquerda como “times do povão”.
Dito isso só quero acrescentar que gostei do artigo.