Recuperações de terras indígenas e camponesas e o plano de reforma agrária do governo Gustavo Petro.
por: Wilmar Harley Castillo Amorocho e Silvia Adoue
2 de setembro de 2022
O governo de Gustavo Petro e Francia Márquez está diante do dilema da terra. Pressionado pela direita política e pela burguesia agrária integrada às cadeias extrativistas transnacionais, deu um prazo de 48 horas para que indígenas e camponeses se retirem das terras recuperadas. Indígenas e camponeses respondem que não são eles os invasores.
Durante toda a história de Colômbia, comunidades indígenas, afrodescendentes e camponeses estiveram e ainda estão em permanente tensão entre expulsão e recuperação de suas terras, confrontando os latifundiários e, mais recentemente, as cadeias transnacionais do agronegócio (tanto o legalizado como o ilegal). Seu calendário de lutas não se alterou com a posse do governo de Gustavo Petro e Francia Márquez. Ao contrário, os povos do campo observam as promessas de apoio dos novos mandatários à reforma agrária como um alento a suas lutas e objetivos. Nas últimas semanas houve recuperações em Valle del Cauca, Huila e César. Em César, por exemplo, no domingo 21 de agosto, camponeses ocuparam uma fazenda que explora gado e palma africana no município de Curumaní. Também há um processo de recuperação de Santa María, no município de Astrea. Em Valle del Cauca, houve recuperações indígenas em fazendas de cana-de-açúcar, nos municípios de Caloto, Guachené e Miranda.
Em 30 de agosto, o governo colombiano lançou uma declaração pública, com a presença da vice-presidenta Francia Márquez e dos ministros de Defesa Iván Velázquez e de Agricultura Cecilia López Montaño. O comunicado condena as ocupações de prédios e lembra o compromisso com a Reforma Agrária, afirmando que “as propriedades arrecadadas pela Sociedade de Ativos Especiais (SAE) serão destinadas aos colombianos mais vulneráveis, que se encontram em zonas de alto risco, cooperativas, mulheres e jovens empreendedores”. Também identifica as regiões onde houve recuperações desde a pose do governo: Valle del Cauca, Huila e César. E adverte que a polícia atuará para impedir as ocupações e despejar as que já ocorreram, dando um prazo de 48 horas para que os “invasores” se retirem. Francia Márquez, visivelmente contrariada, pede que “os que estão de maneira violenta ou de maneira inadequada invadindo prédios privados” não o façam.
Assim, o governo responde às pressões, por exemplo, da Federação Colombiana de Pecuaristas (Fedegan, na sigla em castelhano), que lançou um vídeo no qual seu presidente José Félix Lafaurie Rivera convida os pecuaristas do Sul de César a reagir por si mesmos às recuperações.
Em 31 de agosto, tanto o Conselho Regional de Indígenas do Cauca (CRIC) como a organização camponesa Coordenador Nacional Agrário (CNA) pedem que o governo reconsidere a ordem de despejo. O CRIC diz em seu comunicado: “Convidamos os diferentes representantes do governo a não deslegitimar as lutas reivindicativas e a reavaliar os paradigmas modernizantes colonialistas”. O CNA diz que a ordem de despejo é um “cheque em branco para que as forças de segurança agridam as vítimas do despojo”. “[…] não somos invasores [dizem], estamos recuperando a terra como parte do que nos roubaram durante décadas a oligarquia agrária local e o capital transnacional, e que nenhum governo fez nada para impedir. Portanto, é nossa responsabilidade fazê-lo com nossos próprios meios, ainda que nos custe a vida e a liberdade”. E esperam as 24 horas que faltam para cumprir-se o prazo para que os “verdadeiros invasores” se retirem das terras dos camponeses.
Sobre este ninho de vespas da posse e uso da terra, vale a pena lembrar das intenções manifestadas pelo governo nacional, encabeçado por Gustavo Petro, para implementar a Reforma Rural Integral (RRI). Não há nada novo, já que é a implementação do acordo de paz assinado entre as extintas Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP) e o governo do ex-presidente Juan Manuel Santos, em 2016. Além do mais, há três eixos para esta reforma rural: 1) converter a Colômbia numa potência agroalimentar, 2) cumprir o pactado no acordo de paz de La Habana, e 3) articular a proteção da natureza.
Mas há muita distância entre o que se diz e o que se faz. Porque a realidade, segundo os profissionais que fizeram parte do acordo de paz em matéria de terras, antepõe muitas dificuldades para a implementação do ponto número um do acordo. No Fundo de Terras há aproximadamente dois milhões de hectares, 10% dos quais estão disponíveis para a adjudicação, que não foi possível por diferentes razões que não foram avaliadas. 90% dos dois milhões de hectares estão ocupados, e têm problemáticas que ainda não se avaliaram ou apresentam a necessidade de passar por um processo de recuperação de baldio. Para essas tarefas legais, requerem-se juízes agrários que ainda sequer foram nomeados.
O acordo de paz tem a meta de adjudicar três milhões de hectares a cargo do Fundo de Terras. Por esse motivo, soma-se ao já dito a procura do milhão de hectares faltante, com condições que permitam a adjudicação. E, junto com essa falta de terras, está o problema do minifúndio: sete milhões de hectares que precisam ser legalizados. Cada minifúndio, como pequena propriedade camponesa, consta de não mais de cinco hectares produtivos. Mas apenas nos 60% dos hectares pendentes de legalização aparece a informação do uso da terra. Então, falta informação do que se faz nos hectares faltantes e a identificação de quem tem a posse.
Indígenas e camponeses não esperam. Nunca esperaram. Continuam recuperando terras para viver.
Publicado originalmente em: https://www.kavilando.org/lineas-kavilando/formacion-genero-y-luchas-populares/9255-colombia-quienes-son-los-invasores-de-tierras