Eleições do ANDES-SN: desafios para construção da Unidade na perspectiva classista e autônoma

Sentimento que não espairo; pois eu mesmo nem acerto com o mote disso ― o que queria e o que não queria, estória sem final. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus (Rosa, Trotsky, Lenin e Marx) quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito ― por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia. (ROSA, Grande Sertão: Veredas)

Nos dias 10 e 11 de maio de 2023 docentes da base do ANDES-SN elegerão a sua nova Diretoria Nacional. Pela segunda vez, em mais de 40 anos de história, há três chapas na disputa. Neste artigo apresento uma síntese da constituição da Chapa 2 ANDES-SN Classista e de Luta, a qual componho na condição de 3ª Vice-presidenta, em articulação com nossos princípios. 

ANDES: uma trajetória classista e autônoma

Em 2012 e 2015 estive na Diretoria do ANDES-SN, como Presidenta (2012-2014) e Vice-Presidenta (2015-2016), momento que protagonizamos duas grandes greves. A intensificação das disputas sociais permitia projetar perspectivas para a superação do período de apassivamento e de cooptação nos governos Lula. A greve de 2012 foi fruto da construção da unidade com os(as) Servidores(as) Públicas Federais (SPFs) e mais de 30 categorias do serviço público federal pararam, destacando-se a greve da educação federal. Após sete anos sem greves nacionais, os(as) docentes das federais se levantaram e enfrentaram o governo federal para defender um projeto de universidade que, conforme ficou evidente ao longo do processo, era oposto ao projeto governamental. Setores expressivos da categoria docente reconheceram no ANDES-SN a legítima direção do movimento. O governo isoladamente encerrou as negociações com as entidades que representavam a ampla maioria da categoria docente federal – ANDES-SN e SINASEFE. O PROIFES, braço sindical do governo, assinou o acordo, desrespeitando as decisões da maioria das Universidades que estavam em greve. Importante ressaltar que nem mesmo o reajuste em 2015 foi conseguido pelo PROIFES, pois era contra a greve. Esta entidade cumpriu o papel que o governo queria: o de chancelar o que a ampla maioria da categoria docente havia rejeitado. Isso precisa ser denunciado sempre. Em minha avaliação, não podemos usar práticas semelhantes como exemplo ou parâmetro de negociação. Precisamos, ao contrário, resgatar a história do ANDES-SN: de mobilização e deliberação pela base, com autonomia e independência.

É fundamental compreendermos o papel do ANDES-SN e como as ameaças em prol de sua docilização são respostas dadas dentro da ordem para sua eliminação do âmbito político de intervenção classista. Na atual conjuntura, é necessário não esquecermos que nosso Sindicato foi protagonista nas lutas em defesa da classe trabalhadora brasileira, da categoria docente, da educação pública, laica, democrática e de qualidade. Por nossa concepção sindical nos filiamos e desfiliamos da CUT e nos filiamos à Conlutas (depois CSP-Conlutas). Por essa mesma concepção assumimos a contenda contra as opressões, pois o capitalismo é racista, LGBTQIAP+fóbico, capacitista, machista, em suma, excludente. Fiéis a essa concepção e história, constituímos a Chapa 2 ANDES-SN Classista e de Luta!

O ANDES-SN tem desde sua origem as marcas da disputa de concepções de organização sindical. Em 1981, quando foi criado, ainda como Associação Docente (por imposição legal não eram permitidos sindicatos de servidores(as) do setor público), estavam postos dois projetos: de um lado, estavam os que defendiam uma organização federativa que congregasse entidades constituídas por local de trabalho; de outro, estavam os que afirmavam a necessidade de uma organização sindical nacional, a qual teria seções nos locais de trabalho, partes orgânicas da entidade. Foi aprovada a segunda concepção e, assim, o ANDES-SN foi constituído como “organização totalmente diferente da tradição sindical brasileira, um sindicato nacional com seções sindicais autônomas organizadas nos locais de trabalho” (ANDES-SN, 2008, p. 7).

Tal concepção de organização sindical é fruto de nossa construção histórica e não pode, de forma alguma, ser tida como propriedade de determinado coletivo ou militante isoladamente. Mas há, em nossa avaliação, diferenças entre as abordagens atuais acerca desse processo, as quais se expressam na presente disputa eleitoral. Nós que compomos a Chapa 2 sempre defendemos a unidade classista em nosso Sindicato e fora dele. Compreendemos que o envolvimento da categoria é fundamental para o fortalecimento das lutas. A ampliação da base é o que possibilita fazermos o enfrentamento dos inimigos da classe trabalhadora em bloco, representando nossos verdadeiros interesses, tanto no que tange às reivindicações específicas, quanto às gerais nos embates que envolvem a sociedade oprimida e explorada pelo capital.

A construção do sindicato via coletivos e as buscas de Unidade

Essa disposição em construir unidade na base do ANDES-SN se expressa também nos processos eleitorais e aqui é preciso recuperar as últimas eleições. Em 2020, quando dialogamos com o Coletivo Andes de Luta e pela Base (ALB), Chapa 1, sobre a possibilidade de termos uma chapa conjunta com base em uma política de aliança, tal processo não avançou, pois para o campo da Chapa 1 a unidade deveria ser limitada aos cargos que colocariam à disposição. Foi vetada, por exemplo, qualquer representação de nomes de nosso grupo ao Triunvirato (Presidente, Secretaria Geral e 1ª Tesouraria), oferecendo-se algumas poucas vagas aos Coletivos Rosa Luxemburgo e CAEL no Grupo de 11 diretores(as) nacionais. Some-se a isso o fato de que os nomes que outros coletivos indicassem deveriam ser avalizados pela ALB. Na ocasião decidimos não aceitar tais termos, assim como não construir outra Chapa. Deliberamos, ainda, manifestar apoio à ALB, tendo em vista as diferenças ainda maiores que tínhamos em relação à chapa do Renova ANDES-SN que havia concorrido em 2018.

No período 2020-2023 nos empenhamos para fortalecer o ANDES-SN em seu protagonismo na defesa da categoria, das demandas de Servidores(as) Federais e da classe trabalhadora contra as opressões e exploração. Contribuímos apresentando nos espaços deliberativos propostas para colocar o Sindicato na luta. Mantivemos nossa militância na base, encampando bandeiras pela recomposição de nossos salários e reestruturação da carreira, bem como contra a reforma administrativa, os cortes no orçamento das IES públicas, a Ebserh e os projetos privatizantes, como o Viva UFRJ. Somou-se a essa pauta a defesa de permanência do ANDES-SN na CSP-Conlutas, mesmo com críticas, por entendermos que o caráter popular de tal Central permanece importante instrumento de organização da nossa classe contra a exploração e as opressões.

Entre final de 2022 e início de 2023 o debate sobre as eleições do ANDES-SN ganhou destaque. Passamos, então, a dialogar com coletivos e militantes que reivindicam uma entidade classista e autônoma. Tal debate envolveu inicialmente quatro Coletivos (Rosa Luxemburgo, CAEL, Graúna e Militância Classista), ampliou-se depois para a ALB e àqueles que compuseram a proposta de Chapa 4 (ART e POR). O resultado desse movimento político foi uma composição programática entre Rosa, CAEL e militantes independentes de todas as regiões do país.

A inviabilização de uma chapa única no campo dos que reivindicam a unidade classista e autonomia do ANDES-SN precisa ser entendida no âmbito das tratativas com a ALB (Chapa 1), sem perder de vista o processo desencadeado em 2020. O primeiro diálogo sobre as eleições de 2023 ocorreu uma semana antes do 41º Congresso do ANDES-SN (Rio Branco, AC, 6 a 10 de fevereiro de 2023); foi, pois, no Congresso que iniciamos formalmente a apresentação das Chapas. A conversa contou com representantes da ALB e do Coletivo Rosa Luxemburgo, cujo tema foi o Congresso e o processo eleitoral, não se configurando como negociações em torno de uma política de aliança. Na ocasião representantes do Rosa informaram acerca do diálogo avançado sobre as eleições com outros coletivos, notadamente CAEL e Graúna, significando que qualquer discussão sobre possível composição deveria ser precedida de conversa com tais coletivos também. A ALB indicou que havia conversa marcada com CAEL e se comprometeu em conversar com o Graúna.

Em seis de fevereiro, primeiro dia do 41º Congresso, ocorreu nova reunião entre representantes da ALB e do Rosa. Na ocasião, a ALB informou que havia aprovado em sua convenção eleitoral, no dia anterior, uma política de aliança com o Rosa sem, contudo, sua presença na composição do Triunvirato, cujos cargos caberiam exclusivamente à ALB. Ademais, a aliança não envolveria outros coletivos – com os quais o Rosa estava em articulação –, posto que, segundo informação da ALB, não havia ocorrido qualquer contato com eles. No dia seguinte, em nova reunião, nossa resposta foi que, mesmo sem estarmos reivindicando qualquer cargo, o veto a priori de nomes de outros coletivos expressava uma desconfiança política que contraria a disposição de unidade e, ainda, reiteramos que havia a necessidade de debate com os demais coletivos, conforme acertado na primeira reunião. Para nós restava claro que – para além da composição formal do Triunvirato e de quaisquer outros cargos – estava em questão um novo espectro de debates e acordos dentro de uma nova composição, com outros coletivos, e não apenas ALB e Rosa. Isso significaria, ademais, reposicionamentos em relação aos princípios e programas dos vários coletivos, assegurando, todavia, a trajetória histórica do Sindicato, assentada na mobilização e deliberação pela base e na manutenção de sua autonomia e independência.    

No dia oito de fevereiro, na terceira e última reunião, a coordenação da ALB informou que mantinham a posição inicial para composição: aliança política com o Rosa, mas sem sua presença no Triunvirato, e exclusão de outros Coletivos. Desse modo, encerrou-se a possibilidade de avanço na composição unitária, pois não nos subordinamos à “unidade” unilateral apresentada pela ALB. Não houve acordo porque entendemos que uma política de alianças vai muito além de indicar nomes. Consiste em alinhar os princípios, a linha matriz do Programa, as estratégias de ação. Consiste em afinar as interpretações basilares sobre o papel do Sindicato explícitas no Caderno 2 do ANDES-SN. Consiste em buscar a representatividade na base dos(as) possíveis representantes a serem indicados(as). Consistiria, segundo nossa avaliação, em ter redobrada atenção sobre os rumos da política educacional, posto que as ingerências da burguesia sobre tais políticas vêm multiplicando suas estratégias, atuando intensamente em nível federal e por dentro dos entes federados. Nossas armas precisam estar azeitadas, pois o período social e econômico que se seguirá exigirá de nós capacidade analítica profunda e forte ação política, a mais unificada possível.      

No diálogo estabelecido com a ALB não discutimos os pontos programáticos de eventual composição. Entretanto, pelas posições expressas nos últimos anos estavam evidentes pontos que gerariam tensões: a autonomia sindical perante governos, administrações e partidos políticos; o papel do ANDES-SN na defesa de um projeto classista de educação; as perspectivas organizativas abertas com a desfiliação da CSP-Conlutas. Sobre essas questões, em nossa avaliação, é necessário termos um programa em situação radicalmente oposta ao projeto do Renova ANDES.

Congruentes com nosso procedimento, constituímos uma chapa com a participação de independentes e do Coletivo CAEL. Nossa Chapa é composta por militantes com larga história no ANDES-SN e em outros movimentos sindicais e populares e por aqueles que têm atuação mais recente em tais espaços. São LGBTQIAP+, mulheres e homens, que expressam a diversidade da nossa base, com valorização de negras(os), indígenas, mulheres, pessoas com deficiência, idosas(os) e jovens. São militantes que entendem a necessidade de reafirmar a defesa de nossa classe no Sindicato e por isso mantê-lo com independência de governos, administrações e partidos políticos.

A pauta “independência de governos, administrações e partidos políticos” é fulcral em nosso programa, elemento central de nossa oposição à Chapa 3, liderada pelo Renova.  De nosso ponto de vista, ela se configura como a maior expressão do sindicalismo negocial no movimento docente, apassivado. Esse papel tornou-a responsável por avalizar a desestruturação da carreira docente federal, assinada pelo PROIFES, além de defender o retorno à CUT como central sindical do ANDES, a mesma que traiu a classe trabalhadora. Não podemos deixar que o tensionamento governista continue a negar a história do ANDES-SN e atacar seus princípios.  É fundamental termos um Sindicato Classista e de Luta!

Que o debate seja pela valentia e não pelo medo!

É importante que a base do ANDES-SN, constituída por mais de sessenta mil docentes filiadas(os), tenha conhecimento dessa construção e dos motivos políticos que levaram à composição de chapas distintas. Como dito, teremos três chapas e é crucial que estejamos bem informados (as) para fazermos nossa escolha. Pedimos à nossa categoria que venha para os debates, analise e compare os programas, as propostas, identifique as diferenças e vote sem a pressão do “voto útil”. Para nós, é determinante o apoio da base teórica e praticamente identificada com os problemas reais de nossa categoria e consciente do papel que o ANDES-SN deve cumprir na conjuntura nacional e internacional.

Vamos de Chapa 2 ANDES-SN Classista e de Luta.

*Este texto não passou pela revisão ortográfica do Contrapoder.

Marinalva Oliveira

Professora; pesquisadora na área de Aprendizagem e desenvolvimento de pessoas com síndrome de Down; Ex Presidente do ANDES-SN; Militante do Coletivo Rosa de Luxemburgo no ANDES-SN; Militante na base do ANDES-SN e dos Direitos das pessoas com deficiência.

2 comentários sobre “Eleições do ANDES-SN: desafios para construção da Unidade na perspectiva classista e autônoma

  • 25 de março de 2023 at 4:35 am
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    Excelente artigo !

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  • 26 de março de 2023 at 2:58 pm
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    Importante que a proposta da chapa seja “desvinculada” de partido político! Isso é a força sindical!

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