Encarceramento e comunidades: Por uma política para o trabalhador negro e periférico

Natália Granato – Juventude Vamos à Luta, com colaboração de Jorge Augusto Ribeiro e Eduardo Protázio da Comissão de negr@s da CST PSOL.

Historicamente as prisões se constituíram como lugares de cárcere da população negra. A dinâmica da luta de classes no Brasil excluiu a população negra da construção do proletariado nacional. Esse lugar, a história mostra que foi deixado para os imigrantes europeus, nesse sentido, a massa de negros e negras vindas do pós-abolição, não tiveram espaço garantido nos meios de produção. Com isso, os espaços para manter a subsistência dessa parte da população sempre foram sempre a informalidade. A falta de políticas públicas no Brasil para a população negra foi usada, de forma intencional, como mecanismo higienista e racista, para apagamento e morte. Sendo assim, as prisões ganham centralidade, o espaço reservado ao homem negro e pobre, ou era o trabalho precarizado, a informalidade ou a prisão.

O medo da chamada “onda negra”, reforçada pela sombra da revolução Haitiana, em que os negros escravizados tomaram o poder, sempre esteve no inconsciente da burguesia nacional. A PM cumpre, portanto, desde a chegada da família real (1808), a tarefa de repressão e proteção da propriedade privada e dos interesses da burguesia e classe dominante. Com isso, a repressão e o aprisionamento em massa da população negra, sempre estiveram no projeto de estado-nação brasileira.

No século XX, o papel repressivo, racista e classista desta Polícia Militar, se aprofundou. Sobretudo nos períodos de bonapartismo e ditadura militar (1930-1945; e 1964-1985), em que os representantes das forças repressivas adquiriram maior espaço institucional em cargos de poder. Generais e ditadores passaram ditar leis que garantiram estas mãos de ferro contra questionamentos políticos, lutas democráticas e greves operárias. Alinhada com o caráter burguês do Poder Judiciário, então, concretizou-se uma verdadeira combinação estrutural anti interesses da classe trabalhadora – em sua maioria, negra.

A Constituição de 1988, chamada de “cidadã” pelos partidos da ordem e mídias burguesas, infelizmente não encerrou este ciclo paramilitar da polícia, não unificou as forças em apenas uma polícia civil, cujo intuito fosse o de garantir efetiva segurança e prestar cidadania à sociedade, e também o de garantir direitos políticos aos próprios trabalhadores da área de segurança pública, que até hoje são proibidos de realizar greves e reivindicar melhores condições de trabalho.

Encarceramento e extermínio: faces do racismo estrutural a serem combatidas.

O aumento da população carcerária no mundo é um dado importante na análise sobre o projeto neoliberal em curso, e mostra que mesmo sob a administração de governos “progressistas” este número vem aumentando ano após ano. “Entre 2000 e 2015, enquanto os EUA aumentaram em 14% sua população carcerária, no Brasil houve uma alta de aproximadamente 170%.” ¹

Contudo, a agenda ultrarreacionária da extrema-direita que governa os países, como Bolsonaro e Sérgio Moro aqui no Brasil, é assustadoramente aprofundada com políticas de extermínio legalizadas nas favelas, morros e periferias Brasil afora. Por exemplo, o chamado “Pacote de Lei Anticrime”, apresentado em 2019 pelo ministro da Justiça ao Congresso Nacional, apresenta uma verdadeira permissão para matar por parte do aparato armado, já que propõe o “excludente de ilicitude” aos policiais que matarem sob a justificativa de “ação por legítima defesa”. Isto é, não seriam punidos aqueles alegassem terem atirado e matado alguém. Sem dúvidas, aprofundaria a situação de extermínio da população e juventude negra, principal alvo das operações militares nas periferias brasileiras.

 A realidade atual nos mostra um país com números de guerra civil. Dados do Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo IPEA, apontam: “Segundo os dados oficiais do […] (SIM/MS), em 2017 houve 65.602 homicídios2 no Brasil, o que equivale a uma taxa de aproximadamente 31,6 mortes para cada cem mil habitantes. Trata-se do maior nível histórico de letalidade violenta intencional no país […]”. E ainda escancara o abismo racial dentre aqueles que são assassinados intencionalmente: “Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros […], sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi de 16,0.”.

Trata-se de números recentes que detalham a realidade racista existente em nosso país, contrariando os falsos-discursos entoados pelo presidente Bolsonaro, de que aqui não há racismo, mas sim, vitimismo de pequenos grupos que somente almejam “viver de benefícios às custas do governo”. Afinal, em sua cabeça de papel, todos têm condições de chegarem onde quiserem… “é só querer”.

Retomando ao tema do encarceramento: o aumento da massa de presos – exposto anteriormente -, só reforça que o encarceramento, sobretudo da população negra e empobrecida, cresceu ano a ano neste século, demonstrando que para sobreviver dentro de suas contradições, mesmo sobre administrações Lulo-Petistas, o projeto dos governos de gestão do capital nunca abriu mão das prisões.

No Brasil, existem pouco mais e 800 mil encarcerados e mais de 60% destes são negros (dados do CNJ). Do total de presos, aproximadamente 30% tem sua condição motivada por tráfico de drogas. A grande causa para esta elevação super crescente foi à Nova Lei de Drogas (11.343/2006), sancionada por Lula. Trata-se de uma lei racista e segregadora social e racialmente, pois impõe, em relação às penas, ao julgamento que o juiz considere estereótipos, como no segundo inciso do capítulo III (DOS CRIMES E DAS PENAS): “§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.”. Em outras palavras, se o abordado for pobre, negro, estiver em uma periferia e contiver mesmo que uma pequena quantidade, será enquadrado no xadrez. Isso porque sabemos que um usuário de cocaína, como é Aécio, dificilmente será abordado de maneira abrupta ou preso por ser usuário de uma droga ilegal. Para vermos como a atualização da lei intensificou o encarceramento, em 2000 havia cerca 230 mil presos; e em 2006 o índice de presos pelo tráfico era de apenas 14%. Em 2014 há um salto de mais de 620 mil, sendo deste total 55% de jovens, e 40% do total é de presos provisórios, ou seja, sequer receberam uma sentença, mas ainda assim, é levado aos presídios e penitenciárias, o que gera superlotação, más condições para abrigar tantas pessoas, uma difícil possibilidade de ressocialização e cada vez mais cenas de rebeliões e motins por justas reivindicações de melhores amparos nas cadeias.

Caminhando desta forma, a guerra às drogas se transforma em mais um elemento de repressão contra a juventude negra. O jovem assim se transforma no alvo preferencial, combinando a criminalização da pobreza ao racismo como elementos principais de aprisionamento. Neste aspecto, concordamos com o que aponta o Movimento Negro Unificado: “A “guerra às drogas”, tal como está colocada em nosso país, comunga com o que identificamos como “criminalização da pobreza”, e a ilegalidade de determinadas substâncias psicoativas têm servido de substrato principal para a marginalização da juventude pobre moradora de periferias das grandes e pequenas cidades.” (http://mnu.org.br/jornal_2014).

Natália Granato

Dirigente da CST.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *