Ensinamentos democráticos das escolas do MST em tempos de extinção da democracia

As classes proprietárias definitivamente abandonaram suas propostas de democracia burguesa. Parlamentos do mundo inteiro se converteram em espaços onde há somente uma possibilidade “democrática”: a ditadura do capital financeiro. Pior que isso, as decisões fundamentais dos rumos da sociedade foram transferidas para as corporações transnacionais ou para as bolsas de valores.

Gestores do capital, CEOs, tecnocratas, ou o que Mészáros chama de “personificações do capital” decidem os rumos da humanidade: o que produzir, como produzir, o que consumir, quem terá direito a emprego, moradia, trabalho e educação. Eles decidem quem será condenado a miséria, quais países ou regiões terão investimentos “produtivos” ou “improdutivos”.

No caso brasileiro, o parlamento ganhou sua forma perfeita, se tornou um espaço do capital, com representantes dos donos de porcos, frangos, bois, soja, milho, cana, minério, etc. Todos os animais e demais commodities do agronegócio estão bem representados, mas os seres humanos não. Através de ampla manipulação, foram “eleitos” pelo povo mas representam os direitos do capital. Em tempos de eleições, basta um candidato a vereador, prefeito, governador ou presidente acenar para uma agenda de direitos sociais que será rapidamente expelido pela mídia (verdadeiro braço do grande capital) por ser de “extrema esquerda”.

O Brasil nunca teve uma democracia burguesa com letras maiúsculas, que fosse respeitada. De tempos em tempos, um golpe aqui e outro acolá faz-se necessário para botar ordem na casa.

No microcosmo de escolas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), como fruto da resistência dos movimentos sociais latino-americanos ao avanço do capital, se vivencia uma democracia radical impossível de ser realizada em sociedades controladas pelo capital financeiro. Nas escolas do MST existe uma outra forma de exercitar a democracia. Os alunos participam das decisões fundamentais da escola, se organizam para deliberar e cumprir as deliberações. As decisões mais importantes são tiradas em assembleias gerais. Não existe a figura despótica da diretora ou do diretor, e muito menos dos supervisores escolares.

Os pedagogos soviéticos nos mostram que a forma escolar é tão importante quanto os conteúdos socializados. Eles evidenciam que a escola produz relações sociais, e dependendo do caminho adotado, pode formar politicamente seres alienados e submissos ou jovens lutadores que praticam um “currículo político”.

Em países com marcas autocráticas como o Brasil, com um sistema educacional extremamente verticalizado, com decisões de cima para baixo, as “liberdades” democráticas dos alunos, professores, e lideranças do MST se torna um “luxo”, uma espécie de oásis num deserto autocrático.

Poderia citar várias escolas do MST, mas peço licença ao leitor para apresentar a Escola Milton Santos, situada na região de Maringá (PR). Tivemos a oportunidade de visitar este espaço várias vezes. Curiosamente a escola divide muro com um presídio. De um lado, a solução encontrada pelo capital para as massas deserdadas, o presídio, com a punição clássica e provavelmente a Educação de Jovens e Adultos (EJA) de péssima qualidade. Do outro lado do muro, as liberdades para se exercitar o ensino emancipado, a convivência fraterna entre professores e alunos, formas de gestão democráticas e ensino técnico agroecológico.

Lais Santos (2016) consegue demonstrar o exercício da gestão democrática na escola de educação profissional agroecológica, bem como suas contradições. Por ser uma escola do trabalho baseada na agroecologia, os alunos têm a oportunidade de teorizar e praticar a agroecologia, plantar sem venenos, usar adubos orgânicos, em sintonia com seus assentamentos. Em muitos casos, esses jovens “levam” o novo (a agroecologia) para suas comunidades e trazem problemas teórico-práticos para a escola, uma vez que a escola se baseia na pedagogia da alternância.

Muitos alunos que saíram dali certamente hoje estão semeando em várias regiões do país formas de decisão democráticas, não baseadas na esperança de que um líder carismático ou um coronel vai trazer a solução para seus problemas. Estão semeando também formas de produzir na terra baseadas no trabalho associado, na policultura, e na produção de alimentos saudáveis para o povo, bases da agroecologia. Saíram de lá técnicos que estão difundindo os princípios da produção de valores de uso, e não os da produção destrutiva do agronegócio. Eles se diferenciam dos técnicos e agrônomos pró capital, com suas receitas de bolo e fórmulas “mágicas” que “levam” conhecimentos prontos e acabados para os latifundiários, camponeses e agricultores familiares.

É preciso destacar que a Escola Milton Santos foi instalada num terreno de uma fábrica que faliu. O prefeito, personificação dos capitalistas da região, realizou várias investidas para acabar com a escola.

Pra finalizar, em países como o Brasil, verdadeiro “latifúndio do conhecimento”, a educação é privilégio de alguns. O MST, ao lado de outros movimentos sociais, tem lutado bravamente para construir embriões de educação para além do capital, e para construir uma democracia popular, não só no microcosmo das suas escolas. Se esta proposta for levada a cabo, num nível mais amplo, o desafio será enorme: construir uma democracia socialista, onde a classe trabalhadora decida o que produzir, como produzir, como viver e para quê viver.

Num contexto de Golpes (como o de 2016), de avanço da extrema direita e pelourização dos lutadores sociais, os prejuízos para os que vivem do trabalho têm sido enormes. No caso do MST, o prejuízo é que os fundos públicos para a manutenção de escolas como a Milton Santos foram conscientemente estrangulados, impedindo o bom funcionamento da escola. Porém, num novo ciclo de lutas a classe trabalhadora não precisará partir do “zero”. A experiência acumulada pela Escola Milton Santos – e tantas escolas do MST que foram criadas – permitirá a classe trabalhadora – dar um salto na construção de sistemas educacionais para além do capital.

Com o golpe de 2016, os fundos públicos para a manutenção da escola foram “fechados”, mas essa experiência continua viva e aberta, ao contrário do presídio ali ao lado e da nossa democracia, que foi interrompida definitivamente.

Referências
SANTOS, L. Gestão democrática e participação na educação profissional agroecológica do MST (PR): limites e possibilidades de uma educação emancipatória. 97f. Dissertação de Mestrado. UNESP – Marília, 2016.

Henrique Tahan Novaes

Professor da FFC e do PPGE Unesp, autor de “O fetiche da tecnologia - a experiência das fábricas recuperadas” entre outros títulos, pesquisado da área produção destrutiva, cooperação, autogestão, agroecologia e escolas de agroecologia.

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