A narrativa de que a economia estaria a caminho de uma recuperação foi abandonada pelo próprio Ministro da Economia, o qual, há poucas semanas, com a maior cara de pau, pediu “paciência” aos brasileiros. “Deixem um governo liberal ter uma chance. Esperem quatro anos”.
Para 1,3 milhões brasileiros marginalizados do mercado de trabalho depois que Bolsonaro chegou ao poder, engrossando a massa de mais de 28 milhões de desempregados, desalentados e subutilizados, não é um pedido aceitável. Principalmente quando se leva em consideração que a economia brasileira está prostrada há cinco anos e que, em 2018, o PIB se encontrava no patamar de 2010.
No ritmo quase parado dos últimos dois anos e meio, o Brasil precisaria de 38 anos para voltar à renda per capita de 2013. E, ainda assim, o oceano de pessoas marginalizadas do mercado de trabalho continuaria crescendo, pois o aumento das ocupações tem sido muito inferior ao necessário para absorver o crescimento vegetativo da força de trabalho.
A perspectiva de curto prazo é, na melhor das hipóteses, de continuidade da estagnação. Embora a presença de ampla capacidade ociosa no parque produtivo permita que uma política de estímulo à demanda agregada promova uma rápida expansão da produção e do emprego, todas as frentes de gasto que poderiam revitalizar o mercado interno se encontram bloqueadas.
A tendência decrescente da taxa de lucro, o elevado grau de endividamento das empresas e as incertezas econômicas e políticas em relação ao futuro deprimem os investimentos. Apesar da demanda reprimida pela longa recessão, o desemprego e o arrocho salarial inibem o consumo das famílias — que regrediu em termos reais ao nível de 2013. Por fim, o congelamento do gasto público por vinte anos e a Lei de Responsabilidade Fiscal não apenas criminalizam qualquer possibilidade de medidas anticíclicas, como também impõem a necessidade de cortes substanciais nas despesas reais da administração pública.
Sem ter como estimular a recuperação do mercado interno, o dinamismo da economia fica inteiramente dependente das exportações. No entanto, o cenário externo não é nada favorável. O baixo crescimento da economia mundial, o acirramento do conflito comercial entre os Estados Unidos e a China, bem como a aguda crise econômica argentina não deixam margem para uma expansão vigorosa do comércio internacional.
Posta em perspectiva de longa duração, a correlação negativa entre liberalismo e crescimento econômico é inequívoca. Depois de quase quatro décadas de ajuste às exigências da ordem global, a promessa de uma nova era de prosperidade e progresso não se cumpriu. O baixíssimo dinamismo do padrão de acumulação liberal-periférico fica evidente quando se constata que, entre 1981 e 2018, o crescimento do PIB foi de apenas 2,1% ao ano. No mesmo período, a renda per capita ficou praticamente estagnada, expandindo 0,7% ao ano. É um desempenho muito inferior ao que havia ocorrido nos vinte e cinco anos anteriores. Entre 1956 e 1980, impulsionados pela industrialização por substituição de importações, o PIB e a renda per capita cresceram 7,5 e 4,7% ao ano, respectivamente.
O reduzido crescimento da era liberal veio acompanhado de recorrentes crises recessivas. Nos últimos trinta e oito anos, o Brasil registrou expansão sustentada da renda per capita em apenas quinze anos — 1993–1997 e 2004–2013. Nos outros vinte e três anos, a economia brasileira viveu penosos períodos de estagnação — 1981–1992, 1998–2003 e o que começou em 2014 e não tem prazo para terminar. Em contrapartida, entre 1956 e 1980, a trajetória expansiva da renda per capita foi interrompida em apenas três anos — 1963–1965.
A análise fria do desempenho da economia brasileira revela que a ideia de que os problemas econômicos do país decorrem do excesso de travas ao funcionamento do “mercado” é ideologia barata. O neoliberalismo transformou a acumulação de capital em um fim em si. Na lógica dos negócios das grandes corporações que comandam o Estado, tudo e todos ficam subordinados à necessidade de: aumentar a taxa de lucro do capital pelo rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores; especializar as forças produtivas nacionais numa posição mais degradada na divisão internacional do trabalho pelo incentivo à produção de mercadorias de baixo conteúdo tecnológico — agronegócio e extrativismo mineral; abrir oportunidades de negócios para o capital pela privatização das empresas e serviços públicos; e garantir a sustentabilidade da especulação financeira com títulos públicos, subordinando o orçamento fiscal às exigências dos credores do Estado.
Ao desvincular radicalmente a lógica dos negócios do bem-estar da população, o neoliberalismo condena o brasileiro a uma vida infernal. Se não houver uma mudança radical no rumo da política econômica, não haverá como superar os bloqueios que paralisam o país. O primeiro passo para uma política preocupada com a geração de emprego e a melhoria do bem estar da população é romper o bloqueio mental que naturaliza o neoliberalismo. O segundo, é quebrar a teia institucional que sustenta o Plano Real — uma verdadeira arapuca que deixa a sociedade brasileira a reboque do grande capital internacional e nacional e inviabiliza qualquer iniciativa anticíclica.
Uma estratégia alternativa para enfrentar a crise econômica deve organizar um ambicioso programa emergencial de geração de emprego, combate à pobreza e erradicação da desigualdade social, articulado a uma série de medidas que permitam reorganizar a economia nacional, tais como: a imediata revogação da reforma trabalhista, da Lei de Responsabilidade Fiscal e do congelamento dos gastos públicos por vinte anos; a reversão do processo de liberalização comercial e financeira; a suspensão do pagamento da dívida pública; a centralização do câmbio, a democratização do Banco Central; a nacionalização efetiva da Petrobrás; a estatização do sistema financeiro; a expropriação da Vale do Rio Doce e de todas as empresas envolvidas em crimes ambientais e delitos de corrupção; bem como o planejamento público dos investimentos. Evidentemente, uma mudança dessa envergadura supõe uma intervenção popular que mude radicalmente as bases do Estado brasileiro.
Plínio de Arruda Sampaio Jr., professor aposentado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas — IE/UNICAMP. Editor da Plataforma Contrapoder.