Heteroglossia, cronotopo, transgrediência e outras leituras bakhtinianas

Resumo

Este artigo articula um discurso inspirado em textos bakhtinianos. Com esse espírito, procura lançar luz sobre conceitos tais quais heteroglossia, cronotopo e transgrediência. Nas dobras dessas leituras, talvez se possa vislumbrar uma poética histórica. 

Introdução

A leitura de textos bakhtinianos (de/sobre Bakhtin) nos fez conceber este artigo como um discurso articulado em torno de três mônadas1: heteroglossia, cronotopo e transgrediência. Pensamos que essas mônadas, tais como emergiram de nossas leituras, nos propiciam uma primeira aproximação à poética histórica de Bakhtin. Partimos do conceito de poliglossia para alcançarmos a noção mais refinada de heteroglossia (que se relaciona à de horizonte próprio). Em seguida, fomos expondo as idéias de horizonte próprio e excedente de conhecimento, para chegarmos aos conceitos de cronotopo e formação ideológica. Abordamos as idéias de dialogismo, passado─presente e grande tempo para compreender a complexa relação texto–leitor. Encerrando o corpo do artigo, nos debruçamos sobre as noções de transgrediência e exotopia, o que nos remete de volta aos conceitos de horizonte próprio e excedente de conhecimento. 

Desse modo vencemos um percurso que, se não aponta para uma unidade temática e não forma sistema, em sua fragmentação, ao revelar uma incompletude interna, faz coro com a metodologia bakhtiniana e abre janelas para múltiplos desenvolvimentos.

Poliglossia

Mikhail Mikháilovitch Bakhtin2 nasceu em Orel, pequena cidade provinciana ao sul de Moscou., em 1895, numa família da baixa nobreza russa3. Aos nove anos, mudou-se com a família para Vilno, capital da Lituânia. Enquanto Orel era habitada exclusivamente por russos, só usava o idioma russo e só professava a fé ortodoxa russa, Vilno era habitada por diversas etnias. O russo era a língua oficial e a ortodoxia russa a religião oficial, mas havia uma expressiva minoria judia, que falava o ídiche, e uma maioria composta por lituanos e poloneses, de religião católica romana. Nesse ambiente cultural diversificado, Bakhtin, criado na ortodoxia russa, vivenciava pela primeira vez a passagem da monoglossia à poliglossia4.

No ensaio A pré-história do discurso novelístico, escrito nos anos 30, Bakhtin desenvolve a tese de que a poliglossia da Grécia helenística brotou as condições para o surgimento do romance (grego). Bakhtin descreve Samósata, cidade natal de Luciano, com características similares às de Vilno: a cidade helenística era governada pelos romanos, tendo o latim como língua oficial, mas a massa da população era constituída por sírios, os quais falavam aramaico, enquanto a elite culta falava grego e escrevia nessa língua; além disso, a cidade estava situada em uma rota comercial, o que levava a que muitos estrangeiros transitassem por ela5.

Heteroglossia

A poliglossia da Grécia helenística não só representa a derrocada do etnocentrismo que fazia os gregos não verem os estrangeiros senão como bárbaros, mas também, ao colocá-los destronados em face do outro, o diferente, força-os à percepção da própria identidade variegada, assomando suas próprias dessemelhanças. Se a poliglossia alude ao multilingüísmo (e, conseqüentemente, ao multiculturalismo), a heteroglossia6aponta para a diversidade intralingüística (e intracultural). O que parecia homogêneo, coeso, revela-se heterogêneo, fraturado. 

A noção de heteroglossia abarca a realidade da língua nacional como um diassistema integrado pelo atrito dos socioletos7, ademais da dissonância dos idioletos. E é dessa polifonia, da precariedade dessa unidade na diversidade que, para Bakhtin, é feito o romance (grego); não como novo gênero literário, não como um novo cânone, mas como o antigênero que questiona todos os cânones: a “romancidade”8 enquanto contraposição prosaica ao épico e ao poético9.

Horizonte próprio

Mikhail Mikháilovitch Bakhtin morreu em Moscou, em 1975. O ensaio Metodologia das ciências humanas10 foi um dos últimos escritos revistos por ele. A sua derradeira palavra, ou, carregando nas tintas, o seu testamento. Nele, Bakhtin estabelece a distinção entre “o conhecimento da coisa e o conhecimento do indivíduo” como dois limites. Em relação ao primeiro, ele considera que “a pura coisa morta, dotada apenas de aparência, só existe para o outro e pode ser totalmente revelada por um ato unilateral do outro (o cognoscente)”11. Em relação ao segundo, ele explica:

“O segundo limite ‘é a ideia de Deus em presença de Deus’, o diálogo, a interrogação, a prece. A necessidade da livre auto-revelação do indivíduo. Aqui há um núcleo interior que não pode ser absorvido, consumido, em que sempre se conserva uma distância em relação à qual só é possível o puro desinteresse; ao abrir-se para o outro, o indivíduo sempre permanece também para si. Aqui o cognoscente não faz a pergunta a si mesmo nem a um terceiro em presença da coisa morta, mas ao próprio cognoscível.”12

A metáfora divina pode estar se referindo a um criador, o homem, posto diante de outro criador, outro homem. E o monologismo do ato cognoscente diante da coisa só pode se tornar dialógico diante do humano: o sujeito interpela um objeto que é outro sujeito; logo, o objeto é responsivo.

Bakhtin especula em termos eróticos:

“O significado da simpatia e do amor. Aí o critério não é a exatidão do conhecimento mas a profundidade da penetração. Aí o conhecimento está centrado no individual. É o campo das descobertas, das revelações, das tomadas de conhecimento, das comunicações. Aí são importantes o segredo, a mentira (mas não o erro). Aí são importantes a indiscrição e a ofensa, etc. A coisa morta não existe no limite, é um elemento abstrato (convencional); em certa medida, qualquer totalidade (a natureza e todas as suas manifestações relacionadas à totalidade) é pessoal.”13

E insiste na metáfora fálica:

“A complexidade do ato bilateral de conhecimento-penetração. O ativismo do cognoscente e o ativismo do que se abre (configuração dialógica). A capacidade de conhecer e a capacidade de exprimir a si mesmo. Aqui estamos diante da expressão e do conhecimento (compreensão) da expressão. A complexa dialética do interior e do exterior.”14

Essa dialética é expressada através da palavra sensualizada:

“O indivíduo não tem apenas meio e ambiente, tem também horizonte próprio. A interação do horizonte do cognoscente com o horizonte do cognoscível. Os elementos de expressão (o corpo não como materialidade morta, o rosto, os olhos, etc.); neles se cruzam e se combinam duas consciências (a do eu e a do outro); aqui eu existo para o outro com o auxílio do outro. A história da autoconsciência concreta e o papel nela desempenhado pelo outro (amante). O reflexo de mim mesmo no outro. A morte para mim e a morte para o outro. A memória.”15

Aqui Bakhtin introduz a ideia do “horizonte próprio” modelando a individualidade, o ponto de vista individual. 

E o raciocínio bakhtiniano prossegue sugerindo a imagem do intercurso carnal:

“Os problemas concretos dos estudos da literatura e arte, vinculados à inter-relação do ambiente e do horizonte, do eu e do outro; as questões das zonas; a expressão teatral. A penetração no outro (fusão com ele) e a manutenção da distância (do meu lugar), manutenção que assegura o excedente de conhecimento. A expressão do indivíduo e a expressão das coletividades, dos povos, das épocas, da própria história, com seus horizontes e ambientes. A auto-revelação e as formas de sua expressão dos povos, da história, da natureza, etc.”16

Nesse ponto podemos nos deter sobre a noção de “horizonte próprio” relacionada à de “excedente de conhecimento”. Como cada “eu” tem o seu “horizonte próprio”, cada “eu”, que se constitui introjetando a totalidade de horizontes de uma cultura, tem um “excedente de conhecimento” em relação a todos os outros. Esse “excedente de conhecimento” distingue o “horizonte próprio” dos horizontes alheios, destacando a singularidade do indivíduo no grupo social (totalidade cultural) a que está subsumido. Na literatura, essa pluralidade de pontos de vista é expressada através dos personagens que enformam o romance polifônico, na medida em que não há um olhar privilegiado que enfoque uma verdade superior às demais.

Isso pode ser ilustrado por uma história do culto dos orixás. Consta que dois amigos esqueceram-se de prestar as oferendas das segundas-feiras a Exu. O astuto orixá, ultrajado, maquinou sua revanche com um ardil. Colocou um chapéu que era branco de um lado e vermelho do outro, e passou entre os dois relapsos que, de lados opostos, aravam a terra. Cumprimentou-os educadamente e seguiu em frente. Os dois comentaram a passagem do desconhecido. Para um, o chapéu do passante era branco; ao passo que, para o outro, era vermelho. A discórdia fez-se desavença, os dois brigaram e acabaram se matando a golpes de enxada.17

Tzvetan Todorov chama a atenção para a semelhança entre a argumentação de Bakhtin e a que Jean Paul Sartre (1905 – 1980) desenvolve num artigo de 1939, intitulado M. François Mauriac e a liberdade. Nesse texto, Sartre nega ao romancista “o direito de abandonar o campo de batalha” para se colocar como um Deus a “julgar” suas personagens. Para Sartre, “um romance é escrito por um homem para homens”. E diz que “aos olhos de Deus, que traspassa as aparências sem nelas se deter, não há romance”. Isso porque, “num verdadeiro romance, assim como no mundo de Einstein, não há lugar para um observador privilegiado”18

Cronotopo e formação ideológica

Bakhtin, influenciado pela teoria da percepção do fisiólogo russo A. A. Ukhtômski19, cunhou o termo cronotopo20[ para dar conta da questão espaciotemporal como uma unicidade indissociável que encapsula um centro irradiador de juízos de valor. Pode-se pensar tempo como equivalente de histórico; e espaço, de social. Nesse viés, tempo-espaço equivale a histórico-social. Mas o espaciotemporal também pode ser pensado como uma refração do histórico-social internalizado, como um tempo-espaço interior, psicológico. Ou, dito em outros termos, como o ponto de partida de um mimena21.

“O cronotopo determina a unidade artística de uma obra literária no que ela diz respeito à realidade efetiva. Por isso, numa obra, o cronotopo sempre contém um elemento valioso que só pode ser isolado do conjunto do cronotopo literário apenas numa análise abstrata. Em arte e literatura, todas as definições espaço-temporais são inseparáveis umas das outras e são sempre tingidas de um matiz emocional. É evidente que uma reflexão abstrata pode interpretar o tempo e o espaço separadamente e afastar-se do seu momento de valor emocional. Mas a contemplação artística viva (ela é, naturalmente, também interpretada por completo, mas não abstrata) não divide nada e não se afasta de nada. Ela abarca o cronotopo em toda a sua integridade e plenitude. A arte e a literatura estão impregnados por valores cronotópicos de diversos graus e dimensões. Cada momento, cada elemento destacado de uma obra de arte são estes valores.”22

As diferentes perspectivas axiológicas dos cronotopos explicam porque, por exemplo, colares que são objetos sagrados para os crentes das religiões afro-brasileiras, não sejam mais do que adornos sem significação especial para outros brasileiros.

O cronotopo é um ponto de observação único, irrepetível no tempo, a partir do qual o sujeito observa o seu objeto. São duas as conseqüências do cronotopo. A primeira é que o “horizonte próprio” do “eu cognoscente” varia no tempo, implicando um conhecimento inacabado, uma consciência que é sempre um vir-a-ser. A outra é que os cronotopos de dois sujeitos que observem o mesmo objeto não são intercambiáveis: eles nunca partilharão o mesmo horizonte. 

Extrapolando para os grandes grupos humanos que constituem as classes das formações sociais historicamente determinadas, teremos que os pontos de vista de classe estarão sempre se constituindo, serão apenas parcialmente superpostos e nunca coincidirão (já que divergentes em suas perspectivas axiológicas). 

Se tomarmos o conceito de ideologia23 como uma visão de mundo que justifica e reforça as relações sociais do modo de produção, teremos que admitir com Barthes que “a ideologia só pode ser dominante”24, é sempre a ideologia da classe dominante em uma formação social historicamente determinada. Mas a maneira específica como cada classe introjeta a ideologia está modelada pelo cronotopo. Esse elemento diversificador da formação ideológica introduz a autonomia relativa entre o núcleo ideológico da classe dominante, homogêneo, e a periferia, heterogênea, composta pelas camadas ideológicas das classes subalternas, abrindo uma brecha para a instauração da crise ideológica, do mesmo modo que a autonomia relativa das esferas da circulação em relação à esfera da produção de mercadorias fornece a ocasião para que a crise econômica se instale. 

Dialogismo

O emprego que aqui faço do cronotopo não é necessariamente o que Bakhtin faria. Mas se inspira nele, na orientação metodológica que ele dá:

“Um sentido só revela as suas profundidades encontrando-se e contactando com outro, com o sentido do outro: entre eles começa uma espécie de diálogo que supera o fechamento e a unilateralidade desses sentidos, dessas culturas. Colocamos para a cultura do outro novas questões que ela mesma não se colocava; nela procuramos resposta a essas questões, e a cultura do outro nos responde, revelando-nos seus novos aspectos, novas profundidas de sentido.”25

Para Bakhtin, “sem levantar nossas questões não podemos compreender nada do outro de modo criativo”. E ele acrescenta que “nesse encontro dialógico de duas culturas elas não se fundem nem se confundem; cada uma mantém a sua unidade e a sua integridade aberta, mas elas se enriquecem mutuamente.”26

É claro que, para que as diversas culturas mantenham “a sua unidade e a sua integridade aberta” ao mesmo tempo em que se “enriquecem mutuamente”, o contato entre elas deve se dar em condições que preservem o dialogismo27 (uma via de mão dupla). Nas atuais condições de globalização imperialista, o monologismo se impõe como pensamento único (“verdadeiro”). Resulta daí duas tendências: uma é a desqualificação da diversidade cultural pelo etnocentrismo da cultura imperial que assujeita as culturas periféricas; outra é a marginalização do pensamento crítico no interior de sua própria cultura pelo caráter homogenizador do pensamento oficial. Na literatura, esse fenômeno se manifesta no best-seller e tem sua base material na indústria cultura28.

Passado presente

O dialogismo se coloca também em relação ao passado. 

Antonio Gramsci (1891 – 1937) diria que o presente é uma crítica do passado, e que nossa aderência ao presente depende da nossa “consciência do passado e seu perpetuar-se (e reviver)”29. Essa formulação gramsciana inspira-se no texto marxiano do Dezoito Brumário: 

“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem arbitrariamente, em condições escolhidas por eles, senão nas condições diretamente dadas e herdadas do passado. A tradição de todas as gerações mortas pressiona pesadamente o cérebro dos viventes. E mesmo quando eles parecem ocupados em transformar a si mesmos e às coisas, em criar algo totalmente novo, é precisamente nessas épocas de crise revolucionária que eles evocam temerosamente os espíritos do passado, que eles lhes tomam emprestado seus nomes, suas palavras de ordem, seus costumes, para aparecer sobre a nova cena da história sob esse disfarce respeitável e com essa linguagem tomada de empréstimo.’30

Bakhtin dirá que “o gênero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica”, ou seja, “é uma archaica com capacidade de renovar-se”31. Para ele,

“Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites). Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez para todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de desenvolvimento subseqüente, futuro do diálogo. Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação. Questão do grande tempo.”32

Em Bakhtin, como em Gramsci e Marx, presente e passado se interpenetram e se amalgamam; nada é definitivamente, pois os sentidos revivem e se renovam.

Grande tempo

Em Bakhtin ganha relevo a questão do “grande tempo”: o passado remoto, nem esse está morto. E mais: ele é determinante na literatura. Essa concepção que Bakhtin traz de Fadei F. Zielínski33, é um dos traços mais originais da sua concepção do romance, e o poria em antagonismo não só com a teoria do romance em Luckács, mas com o pensamento estabelecido entre historiadores e teóricos da literatura.34

O “grande tempo” é a chave do pensamento bakhtiniano que rompe simultaneamente com o formalismo e com o determinismo mecanicista. 

Bakhtin – coincidindo com seu contemporâneo Lev Semenovich Vigotski (1896 – 1934)35 – articula uma ontologia do ser social na qual a linguagem ocupa o proscênio do processo histórico-social em que o homem se faz homem: o trabalho é a mediação determinante em última instância (esfera da infra-estrutura), mas a linguagem é a mediação imediatamente decisiva na articulação das esferas da infra-estrutura e das superestruturas complexas, participando de ambas as esferas no desempenho das funções de comunicação pragmática e de expressão da subjetividade, como ideologia do cotidiano (ideologia prática) e como sistemas éticos e estéticos. 

As relações de produção se alteram muito mais radical e rapidamente do que as formas de pensar. Se a mediação central é a língua, e as camadas culturais arcaicas persistem nela muito mais do que nas relações econômicas, então a literatura não é um reflexo das condições sociais presentes, nem daquelas herdadas de um pretérito próximo, mas uma refração do passado mais remoto imbricado ao passado cercano e ao presente. Daí que a origem do romance não deva ser buscada apenas nas condições coetâneas e pretéritas recentes, mas fundamentalmente na gênese da literatura ocidental, ou seja, na Antigüidade clássica.

“Se não se pode estudar a literatura isolada de toda a cultura de uma época”, concede Bakhtin, “é ainda mais nocivo fechar o fenômeno literário apenas na época de sua criação”, porque “uma obra remonta com suas raízes a um passado distante”. Para ele, “as grandes obras da literatura são preparadas por séculos”. Isso quer dizer que, “na época de sua criação, colhem-se apenas os frutos maduros do longo e complexo processo de amadurecimento”.36

Walter Benjamin (1892 – 1940) observou que “Lukács pensa em períodos históricos, Kafka em períodos cósmicos”37. Poderiamos dizer, pegando carona na metáfora benjaminiana, que também Bakhtin pensa em “períodos cósmicos”. 

Texto e leitor 

Para Bakhtin, a grande obra é a que “dissolve as fronteiras” da sua atualidade para “entrar no grande tempo”, já que “tudo o que pertence apenas ao presente morre juntamente com ele”.38

Bakhtin exemplifica com Shakespeare: “nem o próprio Shakespeare nem os seus contemporâneos conheciam o grande Shakespeare que hoje conhecemos”. E isso porque:

“Os fenômenos semânticos podem existir em forma latente, em forma potencial, e revelar-se apenas nos contextos dos sentidos culturais das épocas posteriores favoráveis a tais descobertas. Os tesouros dos sentidos, introduzidos por Shakespeare em sua obra, foram criados e reunidos por séculos e até milênios: estavam escondidos na linguagem, e não só na literária como também em camadas da linguagem popular que antes de Shakespeare ainda não haviam penetrado na literatura, nos diversos gêneros de formas de comunicação verbalizada, nas formas da poderosa cultura popular (predominantemente nas formas carnavalescas) que se formaram ao longo de milênios, nos gêneros do espetáculo teatral (dos mistérios, farsas, etc.), nos enredos que remontam com suas raízes à Antigüidade pré-histórica e, por último, nas formas de pensamento.”39

Vigotski adverte que, “uma vez criada, a obra de arte separa-se de seu criador; não existe sem o leitor; é apenas uma possibilidade que o leitor realiza”40. E o leitor a realiza na medida em que “a reproduz, recria e elucida”41

É por isso que Barthes observa que “a escritura tem esse poder de operar um verdadeiro silêncio da destinação”. Dramatizando, ele a nomeia de “contra-comunicação”, “cacografia”.42

Com efeito, quando falamos, dizemos algo a alguém; mas, no texto literário, para quem escrevemos? O falante escolhe o seu ouvinte, ao passo que o escritor não sabe para quem escreve, nem pode ter certeza de que realmente haja alguém para quem escreva (leitor hipotético), posto que é o leitor quem escolhe o texto. 

Mas, além disso, Barthes sublinha que, “no texto, fala apenas o leitor”.43[43] 

Assim, a escrita sem leitura é como uma voz sem sonoridade. Não uma voz interior, mas uma não-fala. Sequer um silêncio significativo, mas uma ausência ignorada, já que a leitura (e cada releitura) é como o sopro inaugural que infunde o hálito da vida (ânimo, alma) à matéria inerte (modelada em significantes “com o pó apanhado do solo” – Gn 2,7)).

Transgrediência

Aqui retomamos as ideias de “horizonte próprio” e “excedente de conhecimento”. 

“A verossimilhança da personagem é, para Dostoiévski, a verossimilhança do seu discurso interior sobre si mesma em toda a sua pureza, mas para ouvi-lo e mostrá-lo, para inseri-lo no campo de visão de outra criatura torna-se necessário violar as leis desse campo de visão, pois um campo normal de visão tem capacidade para absorver a imagem objetiva de outra criatura mas não outro campo de visão em seu todo. Tem-se de procurar para o autor algum ponto fantástico situado fora do campo de visão.”44

Transgrediência45 é um conceito que procura dar conta da relação “eu–tu”, seja como “sujeito–objeto” (nas ciências humanas) ou como “autor–personagem” (na literatura). Para conhecer-te, eu devo procurar experimentar a tua situação, assumir o teu “horizonte próprio” presumido. O paradigma é o da compreensão do sofrimento alheio. Eu preciso colocar-me no teu lugar para tentar sentir o que tu estás sentindo (empatia). Só assim poderei avaliar o teu sofrimento. A transgrediência consiste no “abrir-se para o outro”, na transgressão das fronteiras do “eu – tu” em direção ao “nós”; ou, dito de outro modo, na superação dos particularismos rumo a uma visão mais universal. Mas “aqui há um núcleo interior que não pode ser absorvido, consumido, em que sempre se conserva uma distância em relação à qual só é possível o puro desinteresse; ao abrir-se para o outro, o indivíduo sempre permanece também para si”46. Eu não posso nem devo fundir-me contigo, preciso guardar uma distância crítica que me deixe continuar sendo eu mesmo, pois é justamente o meu “excedente de conhecimento” que me permite enxergar-te por inteiro e completamente, alcançar uma visão de ti que eu não posso ter de mim mesmo. Ninguém consegue enxergar-se por inteiro, a menos que tenha a sua imagem refletida por um outro (ou há o feitiço da imagem especular – processo narcísico). E ninguém pode ver-se completamente, pois o seu vir-a-ser só se completa com a morte (mas o que já não é não pode auto-avaliar-se). E é através da exotopia47 que eu posso alcançar uma compreensão mais ampla do teu sofrimento do que a compreensão que tu mesmo podes ter dele. Sem exotopia não há transgrediência, pois haveria no máximo a troca de um particularismo por outro. É o que acontece com aquele que substitui o sistema de valores de sua cultura pelo de outra. Um caso ilustrativo e incomum é o de Pierre Verger (1902 – 1996). “Tornou-se babalaô em Kêto, por volta de 1950, e foi por essa época que recebeu de seu mestre Oluwo o nome de Fatumbi: ‘Aquele que nasceu de novo (pela graça de) Ifá’.”48

Emprego livremente os conceitos bakhtinianos. O latinismo transgrediência é usado raríssimas vezes por Bakhtin e, geralmente, como sinônimo de exotopia. Na leitura que faço, prefiro forçar uma especialização dos dois conceitos. O processo descrito, no entanto, permanece fiel ao pensamento de Bakhtin.

Conclusão

À guisa de conclusão, devemos registrar que apenas tocamos em algumas questões sem aprofundar, e que silenciamos sobre outras. Isso se deve em parte à natureza do trabalho introdutório a que nos propusemos, em parte às nossas próprias limitações. O importante é que fique claro que há uma gama de questões a ser enfrentada e aprofundada. 

Na transgrediência haveria uma crítica à episteme49 da antropologia cultural? A relação texto–leitor situada no grande tempo anteciparia a estética da recepção? Na teoria literária, o cronotopo seria um conceito crucial para a investigação do mimena? A idéia de romancidade seria essencial à teoria do romance? Eis algumas das questões que demandam respostas plurais, questionamentos cujas reações responsivas quiçá ensejem, na divergência de avaliações e no atrito de idéias, incertezas que façam pensar.

Referências

  1. Emprego o conceito de mônada enquanto ponto de referência do lógos (razão). Na doutrina do filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), que se apresenta como um idealismo espiritualista e dinâmico, contestador do cartesianismo e das idéias lockianas, as mônadas são substâncias simples indivisíveis de que são constituídos todos os seres. Leibniz concebe a mônada como um átomo inextenso com atividade espiritual, componente básico de toda e qualquer realidade física ou anímica, e que apresenta as características de imaterialidade, indivisibilidade e eternidade. Assim, as mônadas se caracterizam como cada uma das substâncias simples e de número infinito, de natureza psíquica (dotada de apercepção e apetição), e que não têm qualquer relação umas com as outras, que se agregam harmoniosamente por predeterminação da divindade, constituindo as coisas de que a natureza se compõe. A apercepção é a apropriação de uma percepção pela consciência, quer ao conferir-lhe maior clareza e distinção, quer ao privilegiar alguns dos seus aspectos, quer ao associá-la a outros conteúdos. A apetição é a ação do princípio interno da mônada que produz a mudança ou a passagem de uma percepção a outra. Na interpretação de Marilena Chauí, “a mônada é um ponto de vista”. [CHAUÍ, Marilena de Souza. Vida e obra. In LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Novos ensaios sobre o entendimento humano. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 10]
  2. “Que les individus soient toujours ‘abstraits’ par rapport aux sujets qu’ils sont toujours-dejá, Freud l’a montré, en remarquant simplement de quel rituel idéologique était entourée l’attente d’une ‘naissance’, cet ‘heureux événement’. […] Ce qui revient à dire très prosaïquement, si nous convenons de laisser de coté les ‘sentiments’, c’est-à-dire les formes de l’idéologie familiale, paternalle/maternelle/conjugale/fraternelle, dans lesquelles l’enfant à naitre est attendu: il est acquis d’avance qu’íl portera le Nom de son Père, aura donc une identité, et sera irremplaçable.” [ALTHUSSER, Louis. Ideologie et appareils idéologiques d’Etat. In ______. Positions. Paris: Editions Sociales, 1976, p. 115]
  3. Os dados biográficos de Bakhtin foram pesquisados principalmente in CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1998.
  4. Poliglossia é um termo formado pela justaposição do antepositivo poli- com o pospositvo -glossia. POLI- vem do grego polús,pollê,ú ‘numeroso’. -GLOSSIA também vem do grego glôssa ‘língua (como órgão e como faculdade)’ mais o sufíxo -ia formador de substantivos abstratos em compostos da terminologia médica (ou lingüística) do século XIX em diante. [Houaiss]
  5. Ver CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 48-50.
  6. Heteroglossia é um termo formado pela justaposição do antepositivo hetero- com o pospositvo -glossia. HETER(O)- vem do grego héteros,a,on ‘outro, diferente’. [Houaiss]
  7. O lingüista romeno Eugenio Coseriu (1921 – ) ensina que a língua experimenta variações diatópicas (recortes por grupos regionais), diastráticas (recortes por estratos sociais), e diafásicas (num mesmo grupo, recortes por circunstâncias sociais). Os vocábulos diatópico e diastrático foram propostos pela primeira vez pelo lingüista norueguês L. Flydal, em 1951. Coseriu cunhou o termo diafásico, tomando a palavra grega phásis com o sentido de ‘expressão’, em complemento a diastrático e diatópico. Ver COSERIU, Eugenio. Lições de lingüística geral. Tradução de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980.
  8. “O ascenso do romance foi produto do colapso da visão de mundo épica, que veio a dar-se quando escritores começaram a parodiar e ridicularizar os estilos, os heróis e a cosmovisão das velhazs formas. O gênero assim gerado, o romance – ou antes a nova sensibilidade, a ‘romancidade’ – está, por sua própria natureza, destinado a ser para sempre iconoclástico, a achar-se em eterna busca.” [CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1998, p.291]
  9. “Talvez a grande questão poética do novo século que se abre não seja propriamente a crise das formas, ou a crise dos gêneros, ou a crise da linguagem, tomados em seu sentido composicional – mas, antes de tudo, uma crise axiológica, uma desesperada falta de mitos a quem cantar, convincentemente, a nossa poesia; é a autoridade poética que está em crise.” [TEZZA, Cristovão. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 288]
  10. Entre o final dos anos 30 e o começo dos 40, Bakhtin escreveu um ensaio intitulado Os fundamentos filosóficos das ciências humanas, que deu origem ao texto final Metodologia das ciências humanas. Esse texto, revisto por Bakhtin, foi editado por V. Kojínov e publicado em 1974 na revista Kontekst com o novo título de Para uma metodologia dos estudos literários. Em 1979, renomeado postumamente Para uma metodologia das ciências humanas, o texto, com cortes, foi incluído na primeira edição de Estética da Criação Verbal. Em nova edição do livro, o texto foi republicado como Observações sobre a epistemologia das ciências sociais. E, em outra edição mais moderna de Estética da Criação Verbal, dessa vez sem cortes, o texto voltou ao seu título original: Metodologia das ciências humanas.
  11. BAKHTIN, Mikhail. Metodologia das ciências humanas. In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 393
  12. Idem, p. 394
  13. Idem, p. 394
  14. Idem, p. 394
  15. Idem, p. 394
  16. Idem, p. 394-395
  17. VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. Ilustrações de Carybé. Tradução de Maria Aparecida da Nóbrega. 4. ed. Salvador: Corrupio, 1997, p. 11-13
  18. Apud TODOROV, Tzvetan. Prefácio à edição francesa. Tradução de Maria Ermantina de Almida Prado Galvão. In BAKHTIN, Mikail. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XXIII
  19. Ver CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 98, 125, 199, 297
  20. Cronotopo é um termo formado pela justaposição do antepositivo crono- com o pospositivo -topo. crono- vem do grego khrónos,ou ‘tempo’, ocorre em compostos da nomenclatura científica do século XIX em diante. -topo vem do grego tópos, ou ‘lugar’, em uns poucos vocábulos da terminologia científica do século XX. [Houaiss]
  21. Para uma discussão sobre os conceitos de mimese e mimena, ver: LIMA, Luiz Costa. Mímesis e modernidade: formas das sombras. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003 e _____. Mímesis: desafio ao pensamento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
  22. BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 5. e. São Paulo: Hucitec, Annablume, 2002, p. 349
  23. O filósofo francês Destutt de Tracy (1754 – 1836) propôs o termo ideologia para designar a disciplina científica que, nos marcos do materialismo iluminista, investiga a origem das idéias humanas como percepções sensoriais do mundo externo. No marxismo, ideologia, em sentido restrito, é o conjunto de idéias presentes nos âmbitos teórico, cultural e institucional das sociedades que se caracteriza por ignorar a sua origem material nas necessidades e interesses inerentes às relações econômicas de produção, e, portanto, termina por beneficiar as classes sociais dominantes; em sentido amplo, é a totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que legitima o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o conjunto de ideias que expressa os interesses revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista). Ver CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 12. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Primeiros Passos) Ver também MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tradução de Frank Müller. São Paulo: Martin Claret, 2005. (A Obra-Prima de Cada Autor)
  24. “Diz-se correntemente: ‘ideologia dominante’. Essa expressão é incongruente. Pois a ideologia é o quê? É precisamente a idéia enquanto ela domina […].” [BARTHES, Roland. O prazer do texto. Tradução de J. Guinsburg. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 41] Ver também CHARAUDEAU, Patrick; Maingueneau, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução de Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004, p. 267-269.
  25. BAKHTIN, Mikhail. Os estudos literários hoje (Resposta a uma pergunta da revista Novi Mir). In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 366
  26. Idem, p. 366
  27. Ver CHARAUDEAU, Patrick; Maingueneau, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução de Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004, p. 160-163.
  28. “O termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialética do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno.”[ARANTES, Paulo Eduardo. Vida e obra. In ADORNO, W. Theodor. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 2005]
  29. “[Critica del passato.] Come e perché il presente sia una critica del passato, oltre che un suo ‘superamento’. Ma il passato è perciò da gettar via? È da gerttar via ciò che il presente ha criticato ‘intrinsecamente’ e quella parte di noi stessi che a ciò corrisponde. Cosa significa ciò? Che noi dobbiamo aver coscienza esatta di questa critica reale e darle un’espressione non solo teorica, ma politica. Cioè dobbiamo essere piú aderenti al presente, che noi stessi abbiamo contribuito a creare, avendo coscienza del passato e del suo continuarsi (e rivivere).” [GRAMSCI, Antonio. Passato e presente. Roma: Editori Riuniti, 1977, p. 5].
  30. “Les hommes font leur propre histoire, mais ils ne la fot pas arbitrairement, dans les condicions choisis par eux, mais dans des condições directement données et heritées du passé. La tradition de toutes les générations mortes pèse d’un poids trés lourd sur le cerveau des vivants. Et même quand ils semblent occupés à se transformé, eux et les choses, à créer quelque chose de tout à fait nouveau, c’est précisément à ces époques de crise révolutionnaire qu’ils évoquent craintivement les esprits du passé, qu’ils leur empruntent leurs noms, leurs mots d’ordre, leurs costumes, pour apparaître sur la novell scène de l’histoire sous ce déguisement respectable et avec ce langage emprunté.” [MARX, Karl. Les luttes de classes en France. Le 18 Brumaire de Luis Bonaparte. Paris: Éditions sociales, 1965, p. 219]
  31. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p.106
  32. BAKHTIN, Mikhail. Metodologia das ciências humanas. In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 410
  33. Bakhtin estudou no Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade Filológico-Histórica da Universidade de São Petersburg, na capital do Império Tsarista, de 1914 a 1918. Na Faculdade, a grande influência intelectual exercida sobre o estudante Bakhtin foi a do professor Fadei F. Zielínski, catedrático de Filologia Clássica. O professor Zielínski defendia idéias originais e fascinantes. Entre elas, merecem destaque as seguintes teses: (1) os gêneros e tipos literários já existiriam desde a Antigüidade Clássica, inclusive o romance; (2) no curso da história literária, a prosa teria sobrepujado a poesia; (3) o diálogo seria a expressão literária da liberdade filosófica, por expor a troca de argumentos à consideração do leitor; (4) haveria uma oposição entre cultura oficial e não-oficial na sociedade, e a cultura popular teria potencial para abalar o pedantismo e o dogmatismo da alta cultura; (5) não haveria uma oposição hostil entre o divino e os desejos humanos, nem uma separação absoluta entre o sagrado e os prazeres profanos; (6) o humor exerceria uma função revitalizante na obra satírica. Essas idéias seriam retomadas e desenvolvidas por Bakhtin ao longo de sua obra. [Ver CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 56-57]
  34. LUKÁCS, Georg. Teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2000. Para uma comparação entre as concepções de Bakhtin e as de Lukács, a partir de um ponto de vista lukacsiano, ver KONDER, Leandro. As artes da palavra: elementos para uma poética marxista. São Paulo: Boitempo, 2005. Para uma intodução geral, ver SCHÜLER, Donaldo. Teoria do romance. 1. ed. São Paulo: Ática, 2000. (Fundamentos)
  35. “A relação entre o homem e o mundo passa pela mediação do discurso, pela formação de idéias e pensamentos através dos quais o homem apreende o mundo e atua sobre ele, recebe a palavra do mundo sobre si mesmo e sobre ele-homem e funda a sua própria palavra sobre esse mundo.” [BEZERRA, Paulo. Prefácio. In VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. XII]
  36. BAKHTIN, Mikhail. Os estudos literários hoje (Resposta a uma pergunta da revista Novi Mir). In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 362
  37. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Vol. 1. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. Prefácio de Jeanne Marie Cagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 138 – 139
  38. BAKHTIN, Mikhail. Os estudos literários hoje (Resposta a uma pergunta da revista Novi Mir). In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 362-363
  39. Idem, p. 363
  40. VIGOTSKI, Lev Semeniovich. A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca. Tradução de Paulo Bezarra. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. XIX
  41.  Idem, p. XXI
  42. BARTHES, Roland. S/Z. Tradução de Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p.172
  43. Idem, p. 173
  44. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 54
  45. Transgrediente é um “termo derivado do transgredior latino, que significa, entre ouras coisas, ir além, atravessar, exceder, ultrapassar, transgredir”. [BAKHTIN, Mikhail. O autor e a personagem na atividade estética. [Nota do tradutor] In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 7]
  46.  BAKHTIN, Mikhail. Metodologia das ciências humanas. In ______. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. Prefácio de Tzvetan Todorov. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 394
  47. Exotopia quer dizer “estar situado do lado de fora dos limites de”. Ver nota 41 In TEZZA, Cristovão. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 294-295
  48. SOARES, Arlete. Prefácio à 1a edição. In VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo. Tradução de Maria Aparecida da Nóbrega. 5. ed. Salvador: Corrupio, 1997, p. 7
  49. Na filosofia grega, especialmente no platonismo, o conhecimento verdadeiro, de natureza científica, em oposição à opinião infundada ou irrefletida. No pensamento de Foucault (1926-1984), o paradigma geral segundo o qual se estruturam, em uma determinada época, os múltiplos saberes científicos, que por esta razão compartilham, a despeito de suas especificidades e diferentes objetos, determinadas formas ou características gerais. Segundo Foucault, o surgimento de uma nova episteme estabelece uma drástica ruptura epistemológica que abole a totalidade dos métodos e pressupostos cognitivos anteriores, o que implica uma concepção fragmentária e não evolucionista da história da ciência. “Numa cultura e num dado momento, nunca há mais do que uma espistémê, que define as condições de possibilidade de todo saber. Tanto aquele que se manifesta numa teoria quanto aquele que é silenciosamente investido numa prática.” [FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 230 (Coleção Tópicos)]

Sergio Granja

Carioca de 1948. Iniciou sua militância em 1965, no PCB. Foi da ALN e exilado político. É mestre em Literatura Brasileira e professor aposentado do Estado do Rio de Janeiro.

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