Recentemente aconteceram eleições no Reino Unido, com a vitória do Partido Trabalhista. Este trabalhismo, vitorioso, que sempre foi reformista, desta vez conseguiu se deslocar mais ao Centro político, dando sequência ao que Tony Blair iniciou nos anos 1990. Mas o Reino Unido é composto de quatro países (Inglaterra, que elege a maioria dos deputados nas eleições gerais, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). Apesar de os quatro países estarem sujeitos ao parlamento do Reino Unido, inglês hegemonicamente, existem eleições e partidos próprios em cada um deles. Neste artigo, enfocaremos especificamente o caso da Irlanda do Norte, que, sem dúvida, é, ou foi, o mais problemático dos países do Reino Unido.
Este quadro, com o resultado eleitoral das últimas eleições na Irlanda do Norte, retirado da Folha de São Paulo, mostra que os partidos tradicionais do Reino Unido não possuem raízes na Irlanda do Norte, pois o amarelo mostra os distritos em que o Partido Sinn Féin, republicano e de centro-esquerda, saiu vencedor, o azul identifica a DUP, unionista ao Reino Unido e conservador, e o cinza significa “Outros”, que eu não consegui identificar. Mas nem trabalhistas nem Conservadores possuem votação expressiva na Irlanda do Norte.
A Irlanda é uma ilha que foi dominada pela Inglaterra por mais de 700 anos, sempre com problemas políticos entre eles. Porém, na segunda metade do século XIX, a Irlanda conheceu o que ficou conhecido como a “Grande Fome”. Os ingleses eram proprietários das melhores terras e, numa época de grande produção, exportaram quase toda a produção, deixando apenas as batatas para os irlandeses. Entretanto, um fungo atacou este alimento e cerca de 1 milhão de irlandeses morreram de fome e mais de 1 milhão migraram para os EUA, Canadá, Escócia e Inglaterra. Faziam trabalhos em que eram muito explorados e sofriam preconceitos por serem “irlandeses”.
Este fato gerou revoltas e, em 1916, os irlandeses declararam a independência unilateral contra os ingleses, no chamado “Domingo Sangrento de Páscoa”, e foram derrotados pelo poderoso exército inglês. Diversos líderes foram executados, dentre os quais James Connolly, marxista, sindicalista e político, que lutava pela independência como um caminho ao socialismo. Connolly, católico e marxista, pouco conhecido no Brasil, correspondia-se com Lênin e lutava para que a independência fosse feita sob controle dos trabalhadores. Com sua execução, os marxistas ficaram enfraquecidos, mas as lutas pela independência ganharam corpo, e em 1919 os irlandeses decretaram a independência, novamente unilateral e reconhecida somente pela República Soviética. Saliente-se que a Inglaterra estava esgotada com sua participação na I Guerra Mundial e a luta contra a independência da Irlanda. Os irlandeses realizaram eleições, e o Sinn Féin (como já dito, acima, republicano e de esquerda) fez mais de 70% do parlamento.
Em 1921/1922, o governo inglês propôs um acordo, aceitando a independência da Irlanda, porém, em contrapartida, este país deveria fazer parte do “Commonwealth britânico” e uma parte no Norte da ilha deveria ser separada e constituir um país do Reino Unido. Este acordo foi aceito pelos republicanos negociadores, que não viam condições objetivas de derrotar os ingleses naquele momento, porém desagradou uma grande parte dos irlandeses e o país entrou em guerra civil, na qual os defensores do Acordo com os ingleses venceram.
Em 1949, a Irlanda decretou a República, sem a parte norte e com o poder ficando com os partidos nacionalistas de centro, pois, desde a proclamação da república, estes partidos venceram as eleições e o Sinn Féin, que tinha se tornado o “braço político do IRA”, não conseguiu mais a maioria no século XX. A Irlanda do Norte, ou Norte da Irlanda, como dizem os republicanos, continuou como um país do Reino Unido.
Deve-se esclarecer que o Exército Republicano Irlandês (IRA) foi fundado em 1917 e sempre foi uma Frente que abarcava “nacionalistas puros republicanos (centro)”, “esquerda” e “extrema-esquerda (minoria)”. Atuavam com métodos de guerrilha contra militares ingleses e paramilitares irlandeses (a favor do Reino Unido).
A República da Irlanda, com as vitórias eleitorais e o poder político nas mãos dos centristas, aderiu à União Europeia em 1973 e, mesmo não sendo membro formal, o país sempre tendeu a apoiar a OTAN. Nos anos1990 realizou uma política neoliberal forte, com renúncias fiscais e atração de capitais externos. O país cresceu muito, passando a ser chamado de “Tigre Celta”. Porém, tornou-se um “paraíso fiscal” e passou por recessão com a crise de 2008. Apesar de ter uma das maiores rendas per capita da Europa, devida ao neoliberalismo, a população sofre com a falta de políticas sociais, principalmente habitação.
Já na Irlanda do Norte, a história política é diferente. Nos anos 70, 80 e parte dos 90, estourou a guerra entre o IRA (na época próximo da OLP palestina e do ETA basco) e os ingleses e unionistas irlandeses. O IRA local retomou a guerra de guerrilhas e detonou bombas contra os ingleses. O militante do IRA Bobby Sands e 8 militantes foram presos e fizeram greve de fome. Sands foi eleito deputado mesmo dentro da prisão. Mas o governo inglês, de Margareth Thatcher, não cedeu e os 9 morreram na greve (o mais velho com 29 anos). Este fato criou uma grande comoção na Irlanda e até no mundo.
Em 1998, o Sinn Féin do Norte e o IRA fizeram um acordo de paz (chamado de Acordo da Sexta-Feira Santa, referendado tanto na Irlanda do Norte como na República da Irlanda), entregaram as armas, institucionalizaram-se e aceitaram um governo de “Coalizão no Norte”. Desde então, governam juntos o partido republicano e o monarquista, mais votados, que dividem o poder. A grande ironia é que desde então o Sinn Féin venceu eleições para o governo central, a prefeitura de Belfast e em todos os condados. Os seja, a esquerda do Sinn Féin, hoje esquerda moderada, social-democrata e republicana, vence todas as eleições, mas governa em coalizão por causa do acordo. Assim, pode-se dizer que a parte moderada do IRA colheu frutos em suas lutas, apesar de a Irlanda do Norte continuar no Reino Unido. Talvez não queiram acirrar novamente o conflito e ambos os lados da Irlanda estejam acomodados, apesar de ainda existir um muro que separa partes de Belfast. E, como vimos no início do artigo, o Sinn Féin venceu, novamente, as últimas eleições do Reino Unido dentro da Irlanda do Norte.
Muro de Belfast (lado republicano e unionista). Os portões fecham durante a noite
E, na República da Irlanda, o descontentamento com o neoliberalismo começa a aparecer: nas últimas eleições no país, o Sinn Féin venceu pela primeira vez, obrigando o centro e a direita a se unirem para formar o governo, e o conseguiu por um deputado a mais.
Ainda é pouco, mas, quem sabe – sendo otimista –, a esquerda socialista consiga se articular nesse cenário.