Este artigo procura desfazer equívocos, como os que procuram colocar a pecha nos marxistas de só se fixar em “classes e trabalho”, não se importando, ou até combatendo, as lutas das identidades oprimidas. É claro que isto é totalmente falso e qualquer conhecimento, mesmo superficial do marxismo, comprova que esta luta emancipatória humana se move dentro de uma totalidade histórica e dialética e, quase nenhuma luta dos explorados e oprimidos, deixa de ser combatida.
Por outro lado, a crise que assola a proposta e as lutas socialistas e comunistas, desde os anos 1990, trouxe uma nova forma de dirigir a economia capitalista, o neoliberalismo, e uma nova cultura fragmentada em grupos identitários.
Assim, este artigo procurará demonstrar como o “identitarismo” pode ser visto como a nova cultura da economia neoliberal, podendo ser visto como a nova ideologia do “identitarismo liberal” e que as lutas das “identidades oprimidas pelo sistema” continua sendo a forma marxista de olhar as identidades.
Realmente, o eixo central do marxismo histórico e dialético é as lutas contra as explorações, contra a mais-valia, contra a apropriação dos detentores dos meios de produção do trabalho alheio, da transformação do trabalho em mercadoria, gerando a luta de classes, que envolve mais de 95% da população global hoje. Mas o capitalismo é uma totalidade e não se restringe ao chão de fábrica. Amplia o assalariamento, integra os pequenos produtores para as suas necessidades, coloca as mulheres em um papel de dupla jornada, na qual um deles, o doméstico, não é pago, chega a ressuscitar a escravidão do negro e, mesmo libertos, os desvaloriza para explorar mais. Portanto, quem analisa as sociedades sob a luz do método materialista marxista não pode se restringir a determinadas lutas. A totalidade deve ser o objetivo. A infraestrutura (produção material da vida) e a superestrutura (produção cultural, ideologia) fazem parte do mesmo sistema que concentra a riqueza e a produção das ideias.
Vê-se que muitos identitários liberais, mesmo alguns que se colocam no campo da chamada “esquerda”, criticam os marxistas, como se estes só analisassem a sociedade pelo prisma das classes, das lutas de classe ou do conflito entre capital e trabalho, sem olhar para o racismo e etnias oprimidas, assim como sem se preocupar com as questões de gênero. Seria como se os marxistas fizessem uma “apologia do trabalho”, e só se concentrassem neste ponto, ignorando outros aspectos da vida. Nada mais equivocado, como já mostramos antes, pois os marxistas não fazem nenhuma apologia do trabalho capitalista. Pelo contrário, é bastante crítico. Analisam que trabalhador tem de vender sua força de trabalho para os proprietários dos meios de produção como uma mercadoria qualquer. Assim, o trabalho, para quem vende sua força de trabalho, torna-se tripallium, tortura, ganha-pão. O trabalho, que seria a relação do ser humano com a natureza, o conhecimento e a transformação desta, que poderia deixar nossa vida mais leve e criativa, é um verdadeiro tormento no capitalismo. O próprio lazer é dominado pelo capital. A emancipação do trabalho capitalista, para um trabalho livre, é a emancipação de todos. Esta forma de trabalho deve ser superada para dar lugar ao trabalho livre, social e criativo. Mas enquanto a superação do trabalho mercadoria não acontece, é importante o ser humano ter o seu ganha-pão e sua identidade de trabalhador para poder lutar contra este sistema.
O marxismo analisa o racismo, na modernidade, como o sistema que escravizou os negros e negras em benefício da reprodução do capital e procurou introjetar na cultura a inferioridade do negro/a para continuar a exploração destes como assalariados formais e informais. Não se pode esquecer que o marxismo luta pela igualdade social e contra as desigualdades econômicas, o que beneficiariam os negros e negras que estão na base social entre os mais pobres. E se olharmos a história das lutas e revoluções no século passado contra o imperialismo e o colonialismo, veremos que os marxistas estiveram na vanguarda destas lutas. Lembremos o apoio que as lutas anticoloniais tiveram dos comunistas de todo o mundo e de como o marxismo/leninismo entrou nas lutas pela libertação da África. Lembremos que cubanos brancos e negros lutaram e derrotaram o poderoso exército racista na África do Sul.
E a opressão da mulher, que foi obrigada a fazer trabalho doméstico gratuito para reproduzir o trabalhador e possuir dupla jornada no mundo do trabalho, como fruto e consequência do capitalismo. A luta socialista pelos direitos das mulheres está presente na história do marxismo. Basta ver a importância dos escritos e das lutas de Eleonor Marx, Alexandra Kollontai ou Clara Zetkin no início da organização socialista; da greve das mulheres na Rússia em 1917, que foi um dos desencadeadores da Revolução. Por isso, em sua luta central contra o capitalismo, está implícita a luta dos oprimidos contra o sistema capitalista. E como a opressão está entranhada e introjetada na cultura, não se nega a necessidade de lutas específicas. Assim, sem mistificações ou liberalismo, trava-se uma luta real, material, ao lado dos explorados e dos oprimidos, pois todos estariam dentro da mesma totalidade social.
A luta Lgbtqia+ é mais recente como movimento social organizado, mas desde então não deixou de receber apoio dos marxistas. E a questão ambiental, como crítica ao sistema de consumismo de mercadorias de que o capitalismo necessita, já foi incorporada pelo marxismo. Ou seja, o capitalismo é o sistema produtor de mercadorias por excelência e necessita usar a natureza sem nenhum critério de planejamento social.
O identitarismo liberal
Porém, nesta quadra histórica, as lutas pelas identidades, o chamado “identitarismo” possui uma hegemonia liberal. É baseado em grupos, raças ou gênero, fragmentados, do que nas relações sociais ou de classe que compõem o sistema do capital em sua totalidade. É neste sentido que separo o chamado “identitarismo liberal”, como representante de uma política liberal, e as “identidades oprimidas pelo sistema”
Este identitarismo liberal, assumido por grande parte das “esquerdas” e pelo capital, através de suas empresas e até de governos da direita liberal, que procuram ampliar seus espaços de consumos, incentivando uma classe média negra, um capitalismo negro e a inserção da mulher, e dos lgbtqia+ em cargos de maiores rendas. Nada a ver com emancipação, mas com maiores lucros para qualquer minoria ou oprimidos, em geral, para que estes entrem no mercado de consumismo capitalista. Por isso há tanto apoio das grandes redes de imprensa e de muitas fundações de multinacionais. Não que seja negativo a maior inserção destes setores na sociedade de classes em melhores posições, mas também aí há a continuação da desigualdade. Para quem deseja pequenas reformas para grupos oprimidos, é realmente um avanço. Mas os marxistas desejam reformas mais profundas, que o capitalismo não pode oferecer.
Além do mais, incentivam a que as lutas de grupos substituam as lutas de classes e universais contra o capitalismo.
Os movimentos sociais são homogêneos?
Os movimentos sociais e políticos são desiguais em seus objetivos. Assim, o movimento feminista, como o negro ou lgbtqia+ é diverso. Hoje a hegemonia é liberal, ou seja, deseja inserir seus membros no sistema em melhores condições sem superar o sistema. Tudo bem, isso tem algum valor, mas, como já citado, está longe da emancipação.
Se algum socialista não lutar contra o racismo, a opressão da mulher e de gênero, não é socialista. Não por ética ou moral (apesar de também ser), mas por ser uma enorme incoerência, inclusive racional. A questão é que estas lutas não podem ser dissociadas da luta contra o capitalismo, pois é este sistema que diz que as pessoas são diferentes e aceita até o absurdo da superioridade de raças. Não conheço nenhum movimento socialista que defenda estas bizarrices.
Mas o marxismo faz críticas ao identitarismo liberal, que olha apenas para a identidade, sem olhar para o sistema que oprime. O identitarismo liberal não luta contra o sistema. Quer inserir os oprimidos em condições menos ruins no mesmo sistema que os oprime.
A luta das identidades oprimidas pelo sistema, desta maneira, é bem diferente de identitarismo liberal.
Alguns chegam a dizer que Marx foi “identitário” com o proletariado. Isso é absolutamente sem sentido, pois Marx apenas identificou nos trabalhadores, a grande maioria explorada e oprimida da sociedade, a alavanca para acabar com as classes e, consequentemente, com trabalhadores e capitalistas. Seria apenas um processo transitório e não uma marca de identidade.
Por último, queria abrir um parêntesis para a cobrada renovação das esquerdas, baseada em mais uma identidade: o etarismo e a apologia ao jovem. Esta é uma renovação natural, considerando nosso espaço de tempo. Precisamos é de renovar nossas forças na luta revolucionária, pelo socialismo, comunismo e pela revolução social. E Marx continua imbatível como método e crítica com estudos aprofundados das contradições do capitalismo. Precisamos da força e da rebeldia do jovem e também da experiência dos mais velhos. Menos identidades e mais unidade. Precisamos de todos na luta central contra o capital para vencermos os capitalistas, a sociedade de classes, a exploração, o racismo, a opressão de gênero e sexo.
Este texto não passou pela revisão ortográfica da equipe do Contrapoder.