Masacre de las bananeras, a realidade da luta histórica na América Latina

Neste dia (6 de dezembro), em 1928, em Aracataca, Colômbia, aconteceu uma das maiores chacinas de trabalhadores na era moderna, o “Massacre das Bananeiras”, certamente um dos maiores do século XX na América Latina. Estimativas mostram que cerca de 2000 trabalhadores foram assassinados nesse dia, em praça pública, e mais 3000 nos dias seguintes, perseguidos pelo exército.

Sempre que escrevemos estes textos de memória, temos como objetivo divulgar a história de nossa classe e registrar como os eventos lembrados mudam seu rumo. O Massacre das Bananeiras é um desses eventos. Para compreender a história moderna da Colômbia, esta é uma data-chave.

A produção de banana movimentou a região nordeste da Colômbia a partir da segunda metade do século XIX. A principal empresa produtora foi a United Fruit Company, empresa americana que explorou diversos países latino-americanos no século XX e que foi comprada, no fim dos anos 60, pela família Bush. Muitos trabalhadores migraram para a região no período, alguns tomando posse de terras e tentando se instalar como campesinos autônomos na região. O fenômeno que prevaleceu, porém, foi a grilagem de terras, somada à reintegração de terras por famílias tradicionais que haviam abandonado a região, em alguns casos, há mais de um século. O conflito social foi algo presente, mas sempre ocultado pelo governo

Em 1918, ocorreu a primeira grande greve na região. Ferroviários e estivadores paralisaram suas atividades exigindo condições mais salubres de trabalho e melhorias salariais. Na década de 1920, os trabalhadores se organizaram em sindicatos e protagonizaram várias paralisações. No final de 1927, um grande tufão destruiu milhares de bananeiras, em particular as de campesinos autônomos, mas o governo resgatou apenas as grandes empresas, especialmente a United Fruit Company, aumentando a proletarização na região. Os salários eram constantemente achatados e e tornou-se comum a demissão de trabalhadores no meio do acordo de trabalho (feito por hectare), com o pagamento de apenas 40% do acordado e mais 40% para o novo trabalhador contratado. 

No dia 6 de outubro de 1928, uma assembleia de delegados de trabalhadores foi realizada e uma carta de reivindicações foi apresentada à empresa United Fruit Company e entregue também ao governo colombiano. A empresa decidiu, com a anuência do governo, não negociar, pois não considerava ter vínculos de trabalho na Colômbia e no dia 12 de novembro de 1928 teve início a paralisação.

Em pouco menos de uma semana, mais de 25.000 trabalhadores entraram em greve, paralisando totalmente a produção na região de Magdalena, nordeste colombiano. As principais reivindicações grevistas eram: o reconhecimento dos vínculos empregatícios; jornada de oito horas; folga semanal remunerada; recebimento do salário em dinheiro; piso salarial. Em 1915, havia sido aprovada uma legislação trabalhista no país que obrigava o vínculo empregatício escrito, mas a Companhia não a cumpria, pois, para ela, a empresa não tinha trabalhadores, apenas prestadores de serviços.

A greve foi muito bem organizada. Havia imprensa própria, distribuição de alimentos aos necessitados, passaporte de circulação aos grevistas e piquetes generalizados. Os confrontos com os capatazes e o exército local eram cotidianos, acarretando prisões em massa. Como havia confronto de interesses entre a burguesia local e a United Fruit Company, muitos trabalhadores eram soltos pouco depois da prisão, pois a responsabilidade da manutenção dos presos era realizada por alguma liderança local.

Como a empresa e o governo não reconheciam o vínculo trabalhista, a greve foi considerada uma insurreição de caráter comunista. No dia 12 de novembro, início da greve, a Companhia enviou um telegrama urgente ao presidente Miguel Abadia Mendez com o seguinte conteúdo: 

“Desde hace varios días elementos irresponsables, desvinculados absolutamente de gremios trabajadores obreros de esta compañía, han venido planeando movimiento que bajo nombre de huelga han hecho cristalizar desde las primeras horas de ayer tarde. Trátase de verdadero motín, pues patrullas recorren región bananera concitando desorden, amenazando con asesinato demás trabajadores que voluntariamente deseen concurrir al trabajo, impidiendoles violentamente ejercitar libre derecho. Estimo esta situación revuelta peligrosa, extremadamente grave…” 1

A greve permaneceu sem negociação. De 12 de novembro a cinco de dezembro, nenhuma banana saiu do Porto Santa Marta, principal local de escoamento da produção. No mesmo dia 12, a embaixada americana foi notificada e informou o Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Por ser reconhecida como uma rebelião, o governo colombiano passou a tratar a greve de forma violenta. No fim de novembro, pressionado por uma solução rápida e sendo ameaçadas de intervenção direta da Marinha dos Estados Unidos, o presidente Miguel Abadia Mendez enviou o General Carlos Cortés Vargas para Aracataca, sob supervisão direta do Departamento de Estado dos EUA. Vale destacar que o Secretário do Departamento de Estado estadunidense, Frank Billings Kellogg, ganhador do prêmio Nobel da paz em 1929, foi um dos articuladores do massacre que ocorreu no domingo, seis de dezembro. Milhares de trabalhadores saíram da missa e foram à praça da cidade esperando por um discurso do governador sobre a greve. As saídas da praça foram fechadas pelo exército, que informou que os trabalhadores tinham cinco minutos para sair do local. Detalhe: havia uma lei marcial declarada pelo presidente Miguel Mendéz para a região, que proibia aglomerações políticas, suspendia direitos e colocava o General Cortés Vargas como comandante militar da região.

Após cinco minutos, aproximadamente dois mil trabalhadores foram fuzilados. Até onde consta, nenhum deles empunhava armas ou ameaçou o exército. Por ser um evento após a missa dominical, famílias inteiras estavam no local e crianças e idosos foram brutalmente assassinados ao lado de homens e mulheres trabalhadoras. O exército local não participou da chacina. Foram convocados centenas de militares de Bogotá e Cartagena, pois o General Cortés Vargas não confiava que as tropas locais abrissem fogo contra seus conterrâneos.

Após isso, o exército caçou trabalhadores desarmados. Milhares se esconderam e fugiram nos dias seguintes. A ordem estatal se consolidou apenas no final do mês de dezembro, quando as tropas e os corpos de milhares de trabalhadores foram retirados do local.

Registram-se abaixo alguns dos telegramas enviados da embaixada Americana em Bogotá ao Secretário de Estado Estadunidense, Frank Billings Kellogg, tinha o teor que segue:

“Tenho a honra de informar que o assessor jurídico da United Fruit Company aqui em Bogotá afirmou ontem que o número total de grevistas mortos pelas autoridades militares colombianas durante os recentes distúrbios atingiu entre quinhentos e seiscentos; enquanto o número de soldados mortos foi um.” 2

Tenho a honra de informar que o representante da United Fruit Company em Bogotá me disse ontem que o número total de grevistas mortos pelos militares colombianos ultrapassou mil.” 3

Neste cenário, um jovem deputado recém-eleito pelo Partido Liberal, Jorge Eliécer Gaitán iniciou sua campanha com denúncias do Massacre. Gaitán visitou a região de Magdalena e, em setembro de 1929, discursou duramente na Câmara de Representantes. Além de suas declarações, suas denúncias se centraram nas relações espúrias da United Fruit Company e do exército colombiano: En las casas de la United Fruit desarrollaban orgías de oprobio y de vergüenza. Las mujeres respetabilísimas y nobles de aquellos pueblos, eran obligados por la fuerza a asistir a las bacanales de los militares. Muchos de los presos eran llevados a las cárceles porque se habían negado a vender sus pequeñas propiedades a los mercenarios de la United Fruit Company. Los hombres eran sacados de sus viviendas y cogidos a palo, robados y esquilmados

Em 1948, Gaitán concorreu à presidência da república e era o favorito à eleição. Sua campanha teve como um dos pontos principais a mudança da política agrária, uma nova legislação trabalhista e a denúncia sistemática da chacina em Aracataca. Em 9 de abril de 1948, Gaitán foi assassinado ao sair de seu trabalho; especula-se que a mando do governo conservador, para encobrir e silenciar o Massacre das Bananeiras. O assassinato de Gaitán gerou uma série de revoltas, conhecidas como Bogotazo, precursor de um período de pura repressão estatal, chamado La Violencia.

É nesse processo surgiram os primeiros focos de guerrilha, que, nos anos 1960, desencadearam grupos como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o Exército Popular de Libertação (EPL), o Movimento 19 de Abril (M-19), o Exército de Libertação Nacional (ELN), o Movimento Armado Quintín Lame (MAQL), entre outros. Todos surgiram da denúncia da violência estatal e tiveram o Massacre das Bananeiras como marco político e de luta.

Resgatar a história da nossa classe é recuperar, ao menos entre nós, um pouco das perdas dessa memória e recuperar processos importantes da nossa história. Milhares foram assassinados a mando de interesses econômicos burgueses. Aos olhos do capital, tratava-se apenas de uma mercadoria que pode ser facilmente trocada, como o foi. Mas para nós, que vivemos do nosso trabalho, foram irmãos, pais, mães, tios, filhos, avós que perderam suas vidas para garantir o lucro dos burgueses de plantão.

A revolução dos trabalhadores é justamente a única garantia da permanência da memória daqueles que tombaram em Aracataca, lutando por dignidade. É deles e dos mártires em Rojava, em Sabra e Shatila, no Araguaia, em Varsóvia, em Las Coloradas e em todos os cantos onde enfrentamos a exploração e os poderosos. Dias melhores virão.

Referências:

ADOUE, Silvia Beatriz; DELAMUTA, Karen García; ENGEL, Priscila, “Cem anos de solidão” e o massacre de Aracataca. Disponível em: https://espacoacademico.wordpress.com/2014/05/11/cem-anos-de-solidao-e-o-massacre-de-aracataca/

ARANGO Z., Carlos. Sobrevivientes de las bananeras. Editorial Colombia Nueva. 1981.

AYALA, Jorge Eliécer Gaitán. 1928 O Massacre das Bananeras . Editorial Cometa De Papel, Bogotá, 1997

Confederación Sindical de Trabajadores de Colombia —CSTC—. Bananeras, 1928—1978. Bogotá, Ediciones Alcaraván. 1978.

ELIAS CARO, Jorge Enrique; VIDAL ORTEGA, Antonino. The worker’s massacre of 1928 in the Magdalena Zona Bananera – Colombia. An unfinished story. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S1794-88862012000300003&script=sci_abstract&tlng=en

JARAMILLO, José Abelardo Díaz. Jorge Eliécer Gaitán y el debate de las Bananeras (1929), Disponível em: https://elcolectivocomunicacion.com/2019/09/24/jorge-eliecer-gaitan-y-el-debate-de-bananeras-1929/

MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. 100 anos de solidão

MONROY, Mario Ibarra. Gaitán y su lucha bananera, disponível em: https://www.elinformador.com.co/index.php/general/164-informe-especial/173665-gaitan-y-su-lucha-bananera

Notimérica. La masacre de las bananeras, cuando la huelga no era un derecho; disponível em: https://www.notimerica.com/sociedad/noticia-masacre-bananeras-cuando-huelga-no-era-derecho-20161205072937.html

OTERO, Harold José Rizo (2002). Evolución del conflicto armado en Colombia e Iberoamérica.

SAMUDIO, Álvaro Cepeda, La casa grande

TORRES, Leidy Jazmín (2009). Facultad de Derecho, Ciencias Políticas y Sociales, Facultad de Ciencias Humanas, Departamento de Historia, ed. Bananeras: huelga y masacre 80 años. Colombia, Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/327023523_Bananeras_Huelga_y_Masacre_80_anos

Telegramas trocados entre a embaixada dos Estados Unidos em Bogotá e o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. disponível em: https://web.archive.org/web/20120717004708/http://www.icdc.com/~paulwolf/colombia/santamarta.htm

Referências

  1. White, Judith (1978). Historia de una ignominia: la United Fruit Co. en Colombia. Bogotá. Editorial Presencia. p. 91.
  2. Foto do telegrama original https://web.archive.org/web/20120609172903/http://www.icdc.com/~paulwolf/colombia/caffery29dec1928.htm
  3. Foto do telegrama original https://web.archive.org/web/20120606191231/http://www.icdc.com/~paulwolf/colombia/caffery16jan1929.jpg

Marino Mondek

Pedagogo, comunicador e editor do Contrapoder

2 comentários sobre “Masacre de las bananeras, a realidade da luta histórica na América Latina

  • 7 de dezembro de 2021 at 12:10 pm
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    excelente artigo. Muito bem fundamentado, Eu não conhecia esse episódio histórico da América Latina. Muito importante para compreender a a experiência da luta armada na Colômbia, e o caráter violento e antipovo da dita democracia liberal

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    • 7 de dezembro de 2021 at 1:34 pm
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      Muito obrigado, camarada!

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