Mobilização de massas e mudança na relação de forças

Foto: Marcelo Bamonte

Estamos entrando em um novo patamar da luta política. A crise brasileira tem, objetivamente, lançado seus efeitos sobre a sociedade brasileira, e, mesmo com um novo ciclo de manifestações, ela ainda tem operado uma rápida destruição social. 

Apesar de não termos, ainda, um despertar das subjetividades que impactam a luta política, a relação de forças na luta de classes tem dado sinais do avanço em favor da classe trabalhadora e isso pode contribuir para frear o sentido da pauta conservadora no Congresso Nacional. Mas, para tanto, esse ciclo de mobilizações da classe trabalhadora tem que colocar em movimento milhões de pessoas para que se possa impactar a cena pública e a política no Brasil.

O governo de extrema direita ainda prossegue a operação de destruição/dominação do Estado brasileiro, afirma-se o caos controlado, desenvolvendo-se o poder corrosivo do golpismo por dentro das instituições, avolumando-se os desmandos sobre a ordem da democracia formal, ferindo gravemente as liberdades democráticas. 

São ataques contra jornalistas, prisões de militantes, processos intimidatórios contra lutadores sociais na Polícia Federal, PMs bolsonaristas autonomizando-se diante do comportamento leniente da corporação para agir com nítida lógica fascista contra opositores do governo federal, repressões aos atos e manifestações sociais, processos contra professores/as das mais diversas universidades públicas, cerceamento da liberdade de expressão, avanço no uso da Lei de Segurança Nacional, ameaça de criação de uma lei “antiterror” para silenciar a oposição e agora a ameaça das forças armadas frente às descobertas feitas pela CPI da Covid 19, de que existem muitos militares envolvidos em procedimentos de corrupção.

Temos um desemprego que cresce e corrói as condições de vida social.  O conjunto das políticas de acompanhamento social tem sido paulatinamente destruído, tendo como lógica a convicção de que os miseráveis da ordem capitalista devem ser jogados completamente na insana competição do mercado, com a fome invadindo os lares e as ruas do Brasil. 

Ao lado dessas questões, a carestia e a inflação têm sido criminosas contra trabalhadores/as de baixa renda e os pobres da estrutura social. Sendo assim, o aprofundamento desse nefasto projeto econômico apresenta-se muito mais deletério na base da pirâmide social do que para com os segmentos médios, com maior poder aquisitivo, e os ricos. 

É nítido que o desemprego, a fome e a carestia representam o tripé que a burguesia interna, através do seu governo, tem se utilizado para atacar e esgarçar o tecido social. Trata-se da maior intervenção política da história recente do Brasil no sentido de exterminar a classe trabalhadora e colocá-la na informalidade. Quando, ao mesmo tempo, o capitalismo tenta aprofundar a perspectiva de ódio aos pobres, de ataques às mulheres, aos negros/as, aos LGBTQIA+ para jogá-los na marginalidade social, ou seja, desarticulando-os da integração humana.

Esse projeto de classe (frações da burguesia estabelecida no bloco do poder) prossegue com a radical e perversa ação do governo do agitador fascista, Jair Bolsonaro, tentando impedir as ações de fiscalização sobre aqueles que cometem crimes e que atacam o meio ambiente, a exemplo da destruição da floresta amazônica e do avanço predatório do garimpo. Tudo isso aliado ao profundo descompromisso com a questão dos povos originários e que coloca essa população em risco de forma cotidiana. A política pública do governo federal, nessas áreas, é de completa abertura para intervenção do capital que, com sua capacidade destrutiva, está operando uma devastação sem precedentes.

A pandemia da Covid 19, com sua letalidade, se transformou na oportunidade que o governo de extrema direita encontrou para liquidar um conjunto grande de pessoas (mais de 530 mil vidas) e operar o eugenismo social. O papel de Jair Bolsonaro nesta conjuntura pandêmica é criminoso, obscurantista, anticientífico, estimulador do contágio social e profundamente reacionário, não temos vacinas em virtude do negacionismo do presidente e do balcão de negócios que ele criou.  

O horizonte estratégico de destruição da democracia formal e das liberdades democráticas avança. Podemos afirmar que Bolsonaro tem movimentado ações táticas que se configuram com os testes públicos de força e nas declarações que sinalizam para o começo do processo de ruptura. Tudo planejado para examinar a capacidade ou não de reação das chamadas instituições republicanas e das forças populares e proletárias. A lógica é da perene naturalização e efetivação de um processo golpista… Para isso, operam-se as diversas ações de força com a presença de tropas militares e policiais, em especial as PMs, com hordas neofascistas e segmentos sociais de extrema direita que clamam pelo golpe aberto. Mas, em particular, com a subserviência das Forças Armadas ao projeto autoritário do atual líder do governo. 

A cada momento da conjuntura avança a intromissão do exército na política brasileira e em apoio ao presidente neofascista. Essa força foi sedutoramente cooptada com milhares de postos no governo, com ministérios decisivos no palácio, com privilégios para a tropa, com aumentos no soldo e eles, hoje, estão agindo em perfeita simbiose com o presidente. Temos diversos exemplos desse conluio, mas ficaria apenas em três: o episódio da não punição de Pazzuelo que participou de ato político com Bolsonaro, a entrevista do presidente do Superior Tribunal Militar (STM) e a nota do Ministério da Defesa com as forças (assim como o reforço dessa conduta por parte do comando da aeronáutica), tudo isso a partir de uma nítida ameaça golpista.

Bolsonaro com suas hordas neofascistas, policiais e militares se movimentam para encetar, após os rotineiros testes de força, o golpe que vai tentar fechar o ciclo de dominação sobre as instituições de Estado e operar a única forma de continuar no poder: um Estado de exceção. 

Pode ser, a depender do acirramento da conjuntura e do grau de repercussão das denúncias sobre ele em momento mais próximo, mas, também pode ocorrer depois do processo eleitoral diante de uma possível derrota (por isso questiona o voto eletrônico e defende o voto em cédula). Mesmo com essa análise sobre o processo golpista, examino que Bolsonaro poderá chegar, se chegar, com muita força nas eleições de 2022. Portanto, o Brasil e a ordem democrática correm risco com os dois cenários.

A esquerda e as forças populares e proletárias precisam incidir na construção da unidade, na reorganização da classe trabalhadora, na constituição de um forte movimento que aprofunde a mobilização através das diversas modalidades do trabalho de base. Só com uma profunda alteração na relação de forças, com forte incidência dos trabalhadores na cena pública e com a construção da mais férrea unidade de ação é que a esquerda poderá enfrentar o projeto golpista em curso. 

Bolsonaro colocou o neofascismo em movimento e só a frente única das forças proletárias, populares e de esquerda podem barrar esse projeto e contra-atacar. Para isso precisamos organizar um forte movimento para ocupar Brasília e, ao mesmo tempo, mediar, mantendo o sentido das grandes manifestações populares, a perspectiva da greve geral com as centrais sindicais e o conjunto da nossa classe.

Milton Pinheiro

Cientista Político, professor de história política da UNEB, integra os conselhos editoriais de várias revistas marxistas, é pesquisador na USP. Autor/organizador de oito livros, entre eles: "Ditadura: o que resta da transição"

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