A extrema comoção em torno da morte de Diego Armando Maradona marca definitivamente o mês de novembro de 2020. Um ano horrível, marcado pela pandemia de Covid-19, pelo afastamento dos torcedores de seus times e, no Brasil, pelos quase 400 casos de jogadores contaminados pelo vírus. Dono de uma personalidade ímpar, inimigo dos poderosos do Futebol, Don Diego será para sempre lembrado, festejado e amado pelo povo que com os pés ele representou e levou à glória esportiva.
Como tantos no Futebol, Maradona teve uma infância pobre no subúrbio de sua cidade natal. Sua habilidade com a canhota o destacou desde sempre e em suas emblemáticas entrevistas chegava a dizer que sabia que seria campeão, pelo Boca Juniors, pela Seleção Argentina… e foi campeão! Revelado pelo Argentinos Juniors, Maradona se destacou desde sempre e poderia ter participado da seleção campeã do “pra lá de suspeito” Mundial de 1978, sorte dele ter sido cortado. Em 1979 foi Campeão mundial de Juniors em uma final com a URSS, com dois gols na final.
Maradona certamente ganharia mais dinheiro se aceitasse o convite dos “Milionários”, o River Plate, mas por idolatria escolheu seu time de coração, o Boca Júnior, uma entidade esportiva que talvez só tenha um rival à sua altura no mito em que se constituiu o próprio Diego. No Boca encantou em sua breve passagem, fazendo gols decisivos, sobretudo no super clássico contra o River.
Teve passagem de destaque pelo Barcelona, que não era àquela altura o time multicampeão que se tornará depois de Ronaldinho Gaúcho, o Bruxo que encantava Don Diego, e com Messi, seu súdito. Pelo time catalão foi campeão da Copa do Rei contra o maior rival e time da elite Real Madrid, e foi aplaudido de pé em pleno Santiago Bernabéu. Era uma daquelas tardes em que Maradona não fazia chover só pra não ter que se molhar à toa.
Seria em Nápoles, no entanto, que Maradona se tornaria uma lenda esportiva. Um time modesto, de torcida fanática e no sul empobrecido da Itália viu um gênio em sua plenitude. Foi recebido como um Rei no antigo estádio San Paolo, desde o último dia 28 denominado Diego Armando Maradona, e não foram apenas as vitórias que enlaçaram o coração da cidade de Nápoles a Diego, era seu futebol, ousado, agressivo e desesperado, como os povos do terceiro mundo, que encantava mesmo sem as taças. Mas elas vieram! As duas únicas conquistas do campeonato nacional até hoje na história do Napoli (86/7 e 89/90) e o primeiro título continental (88/9), contra o Stuttgart, após destruir sucessivamente a Juventus e o Bayern de Munique.
Sim! Já houve jogadores muito mais vitoriosos, não há dúvida. E, no entanto, nenhum se compara a Maradona! Os “idiotas da objetividade” e os estatísticos que me perdoem: jamais um esportista será amado como Diego Maradona! Uns dizem que só tinha a perna esquerda, mas eu me assusto em imaginar se tivesse as duas. Com essa “previsível” perna esquerda Maradona comandou a Seleção Argentina à gloria de 1986, no México. O jogo contra a Inglaterra vale mais que dez copas. Defendendo uma Argentina machucada por uma sanguinária ditadura e com o desfecho ridículo de uma conflagração bélica contra o Império britânico, demoniacamente liderado por Thatcher, Maradona lavou a alma de uma nação com La mano de D10S! e fez mais… na jogada mais espetacular do século XX, Maradona com sua “previsível” perna esquerda espalhou corpos de ingleses pelo gramado até o golpe fatal, aos 6 minutos de segundo tempo, embasbacando a todos no estádio Azteca e por todo o globo terrestre. O Gol do Século!
Esta coluna é particularmente contra os números e as estatísticas de futebol, o eterno retiro dos “idiotas da objetividade” e não nos daremos ao insosso trabalho de ranquear os craques do futebol. Há evidentemente Pelé, os grandes: Di Stéfano e Púskas e há Garrincha “a alegria do povo”, Zico, Cruyff e muitos mais. Não há um maior! Há um Panteão restrito a não poucos deuses do Futebol e neles está, indubitavelmente, Maradona. Mas a sua memória não depende apenas do Futebol e quem viu nessas semanas as imagens da despedida de Diego já deve ter percebido que Maradona encarnou a vida de um povo e não apenas de torcedores de futebol. Sua “Vida Loka” encarna o caráter trágico da América Latina! Seu carisma e a generosidade com a qual se solidarizava com as lutas de libertação de nossa Latino-américa estão para além das quatro linhas e serão sempre lembradas pelo povo que Diego fez tantas vezes sorrir e chorar de alegria e hoje de dor.
Texto cheio de emoção e afeto para com aqueles que vão além do óbvio restrito. Ajuda a edificar a memória do popular Maradona como um de nós, filhos do povo, tão genial.