Ainda que a economia mundial tenha evitado um mergulho recessivo, as contradições que bloqueiam a acumulação de capital permanecem presentes, sem que se vislumbre a mínima possibilidade de uma recuperação sustentável do crescimento. Sujeita a uma série de incertezas econômicas, financeiras, políticas, geopolíticas e climáticas, a economia global permanece na corda bamba. A expectativa de curto prazo é de que, na melhor das hipóteses, a economia mundial continue estagnada. No contexto global, a América Latina tem sido uma das regiões com pior desempenho econômico.
Em 2024, o crescimento da economia brasileira deve ficar entre 2,5% e 3%, acima do previsto no início do ano. Tal fato se deve a fatores conjunturais, como o aumento do consumo das famílias e a elevação do gasto público. Mesmo apresentando modesta expansão, os investimentos permanecem deprimidos e não há nenhuma perspectiva de expansão da produtividade do trabalho.
A recente iniciativa do Banco Central do Brasil de elevar a taxa de juros como meio de evitar um eventual repique da inflação, por decisão unânime dos membros do COPOM, quando a inflação se encontra rigorosamente sob controle, é uma evidência cabal de que o padrão de acumulação liberal-periférico imposto pelo Consenso de Washington na primeira metade da década de 1990 é incompatível com a expansão do mercado interno, o aumento do emprego, a distribuição de renda e o crescimento econômico.
Economia Mundial
1. Os organismos internacionais continuam confiantes na possibilidade de que a economia mundial supere a crise que bloqueia o crescimento sem um novo mergulho recessivo. Ultrapassando as previsões do início do ano, a expectativa do FMI é de que o PIB global cresça 3,2% em 2024, abaixo, contudo, da média histórica de 3,8% observada entre 2000 e 2019.
2. O maior dinamismo da economia mundial em 2024 deve-se basicamente ao crescimento acima do esperado dos Estados Unidos (2,6%) e da China (5,0%).
3. Os países da Zona do Euro, o Reino Unido e o Japão permanecem estagnados, com expansão anual prevista de apenas 0,9%, 0,7% e 0,7%, respectivamente.
4. A OMC estima que o comércio internacional, após fraquíssimo desempenho em 2023, crescerá 2,6% em 2024, bem abaixo da vigorosa expansão verificada entre 1980 e 2007, período áureo da globalização dos negócios, quando o volume de comércio cresceu quase 6% a.a.
5. A fragmentação da economia mundial em blocos rivais e a escalada protecionista bloqueiam a possibilidade de um retorno aos anos de bonança do comércio internacional. O FMI registrou, apenas em 2023, mais de 3.000 novas restrições ao comércio, o triplo do ocorrido em 2019.
6. O melhor desempenho da economia global veio acompanhado de um expressivo arrefecimento da inflação. O Bird calcula que em 2024 a inflação média mundial fique em torno de 3,5%.
7. Não obstante o fraco crescimento da economia mundial e a tendência à queda da inflação, os bancos centrais das economias desenvolvidas mantêm uma política monetária restritiva. Após alcançar a maior taxa de juros básica em 23 anos, somente em setembro o FED iniciou o movimento de redução gradual dos juros norte-americanos.
8. Mesmo tendo afastado o cenário recessivo, os organismos internacionais descartam a possibilidade de uma recuperação da economia mundial. O Bird estima que em 2024 e 2025 a expansão do PIB fique abaixo da média da segunda década dos anos 2000 (2,7% a.a.) em cerca de 60% dos países, regiões que contemplam mais de 80% da população e do PIB do planeta.
9. O elevado patamar dos juros nas economias centrais e a tendência dos capitais de buscarem segurança diante das incertezas econômicas e geopolíticas aumentaram a vulnerabilidade externa das economias subdesenvolvidas. O Bird alerta que 40% das chamadas economias emergentes encontram-se sujeitas à crise de dívida externa.
10. O Bird adverte que o desenvolvimento desigual da economia mundial tende a ampliar o hiato entre economias desenvolvidas e subdesenvolvidas.
11. A avaliação convencional de que a economia mundial conseguirá evadir um mergulho recessivo não descarta a possibilidade de que a trajetória de um “pouso suave” seja atropelada pelas contradições que condicionam o sistema capitalista mundial.
12. A expansão do endividamento das corporações, instituições financeiras, famílias e governos nacionais é sintoma inequívoco de presença de um excedente absoluto de capitais sem perspectiva de valorização na esfera produtiva e, como consequência, da crescente necessidade de destruição de capitais – financeiro e produtivo.
13. O risco de que o acirramento das rivalidades nacionais possa intensificar a corrida protecionista e culminar com o agravamento da guerra na Ucrânia e no Meio Oriente tende a aprofundar a crise da ordem econômica internacional, provocando choques de preços de energia e produtos agrícolas, interrupção do comércio internacional, disrupções nas cadeias produtivas e instabilidades financeiras.
14. As incertezas que pairam no horizonte são reforçadas pelos efeitos econômicos imprevisíveis do acelerado agravamento da crise ambiental, sobretudo na produção agrícola.
15. Por fim, a evolução da economia mundial fica pendente do desdobramento da grave crise política que abala a democracia liberal em praticamente todos os cantos do mundo, com destaque particularmente preocupante para o risco de mudanças abruptas no rumo da política econômica dos Estados Unidos com a possível vitória de Donald Trump.
16. Ainda que a política de administração da crise com intervenção fiscal e monetária tenha conseguido evitar que a tendência à destruição de capitais se manifeste de maneira plena, há sinais preocupantes de que a crise capitalista se aproxima de seu momento da verdade, colocando no horizonte próximo a possibilidade de recessão econômica e crise financeira sistêmica.
17. À exceção de 1966, desde 1955 a inversão das taxas de juros de curto e longo prazos dos títulos do governo norte-americano é um indicador confiável de que a economia norte-americana se encontra na iminência de uma recessão. Desde 1978, o prazo mais longo entre a inversão das taxas e o início da recessão foi de 22 meses em 2006 e, o mais curto, de 6 meses em 2019. Tal fenômeno está presente desde outubro de 2022 – a série mais longa de que se tem registro (24 meses).
18. A regra de Sham, desenvolvida para prenunciar a ameaça de recessão nos Estados Unidos, também alerta para o risco de o pouso da economia não ser suave. Em agosto de 2024, a taxa média móvel de desemprego dos últimos três meses tinha superado em mais de 0,5 ponto percentual (exatamente 0,57) a menor taxa média móvel de três meses dos últimos doze meses, indicando a proximidade da recessão.
19. Ainda que até junho os indicadores de consumo tenham sido positivos, a tendência recessiva é reforçada pelos indícios de arrefecimento do consumo das famílias, o principal componente da demanda agregada responsável pela expansão da economia norte-americana nos últimos anos. Entre os indicadores de exaustão da capacidade de gasto das famílias, destacam-se: a redução da poupança das famílias; o atraso no pagamento de cartão de crédito e prestações de consumo e automóveis; a elevação da dívida das famílias; a contração nos gastos dos consumidores de baixa renda; e a moderação da demanda dos serviços da Disney, Airbus, Amazon, McDonalds, Walmart, Big Lots e Pepsi Co.
20. Para além dos sinais de proximidade da recessão, a crise capitalista é estruturalmente condicionada pela depressão da taxa de lucro, que paralisa os investimentos e ameaça a sobrevivência das empresas. À exceção das megacorporações que controlam as grandes empresas de tecnologia, redes sociais e energia, as corporações não financeiras norte-americanas apresentam taxa de lucro particularmente baixa. Michael Roberts lembra que se estima que 50% delas estariam dando prejuízo.
Fonte: FRED, cálculo de Michael Roberts
Fonte: FRED, cálculos de Michael Roberts
Fonte: FRED, cálculos de Michael Roberts
21. A situação precária das empresas fica evidente quando se constata que, no início de 2024, quase 30% das corporações globais tinham registrado atraso no pagamento de dívidas – a maior marca desde 2009.
22. Em 2023, o percentual de “empresas zumbis”, dentre as 3.000 acompanhadas pela Bloomberg, que não geravam receita suficiente para cobrir o serviço da dívida encontrava-se em patamar assustadoramente elevado.
América Latina
1. A expectativa da CEPAL é que o crescimento da América Latina e do Caribe seja de 1,8% – apenas 56% da média mundial.
2. Posta em perspectiva, a economia latino-americana encontra-se estagnada. Entre 2015 e 2024, a taxa média de crescimento da região foi de 0,9% a.a., menor do que a registrada na chamada “década perdida” de 1980 (1,3% a.a.).
3. A crise econômica congelou a renda per capita regional, cuja magnitude no 1º trimestre de 2024 (US$ 2040) encontrava-se no mesmo patamar do primeiro trimestre de 2014.
4. Em termos conjunturais, a economia latino-americana encontra-se em franca desaceleração. Pelo quarto trimestre consecutivo, a taxa de crescimento é inferior à do período anterior.
5. O baixo dinamismo da economia latino-americana é reflexo tanto da contração do consumo das famílias e da redução dos investimentos quanto do fraco desempenho das exportações. Não fora a expansão dos gastos público, o crescimento da região seria ainda menor.
6. O baixo crescimento da economia regional condicionou o fraco desempenho do mercado de trabalho. A CEPAL calcula que, entre 2014 e 2023, o aumento médio do número de ocupados foi de 1,3% – 1/3 do registrado nos anos 1970 (3,9%).
7. A elevação da proporção dos empregos informais na composição da ocupação é sintoma inequívoco de precarização do mercado de trabalho. A CEPAL informa que, enquanto o número de ocupados cresceu 10% entre 2013 e 2022, os empregos informais cresceram 18,6% e os formais apenas 3,3%.
8. Aprofundando a heterogeneidade estrutural das economias latino-americanas, os empregos concentram-se nos setores econômicos de baixa produtividade, como serviços e construção civil. Em 2024, a produtividade do emprego na região encontra-se no mesmo patamar da registrada em 1980.
9. A inflação apresenta clara tendência de desaceleração na América Latina. Após registro de uma inflação média de 9,2% em junho de 2022, a mediana da taxa da inflação na região caiu para 3,9% em meados de 2024.
10. A redução do ritmo de aumento do nível geral de preços deve-se fundamentalmente à queda dos preços de alimentos e energia nos mercados internacionais.
Brasil
Atividade econômica
- Com crescimento de 2,9% no acumulado do ano e 2,5% na comparação acumulada dos últimos 12 meses, a economia brasileira cresceu acima do esperado nos dois primeiros trimestres de 2024. A projeção do mercado e do IPEA é que o crescimento do PIB em 2024 fique entre 3% e 3,5%.
- O resultado surpreendeu ainda mais considerando-s a tragédia climática ocorrida no RS no segundo trimestre, que gerou incerteza em relação à sua repercussão na atividade econômica.
- No entanto, os impactos negativos da catástrofe climática foram significativos apenas em maio, sendo seguidos de forte crescimento já em junho.
- A rápida retomada do nível de atividade foi possibilitada em grande medida pelo auxílio prestado pela União ao RS, com R$ 15,7 bilhões pagos em maio e junho e quase R$ 40 bilhões adicionais previstos para o ano como um todo.
- O crescimento da economia no primeiro semestre de 2024 foi puxado pelo melhor desempenho do mercado de trabalho e pelo crescimento dos gastos públicos sociais, que desde 2022, quando Bolsonaro aumentou significativamente os valores repassados aos programas de transferência de renda.
- Segundo o IPEA, os benefícios oferecidos pela União às pessoas com INSS, Bolsa Família, BPC, abono salarial e seguro-desemprego, entre outros, foram responsáveis por 13,1% do PIB nos doze meses acumulados entre julho de 2023 e junho de 2024, contra 11,89% do PIB nos doze meses imediatamente anteriores.
- Além do aumento da renda disponível das famílias, as melhores condições de acesso ao crédito potencializaram o consumo das famílias – o principal impulsionador da economia em 2024.
- Os gastos do governo, puxados pelas despesas dos estados e, principalmente, dos municípios, também contribuíram para o melhor desempenho da economia.
- Por fim, a economia brasileira beneficiou-se da recuperação dos investimentos. A FBCF registrou crescimento de 5,1% no ano, na comparação interanual, segundo o IPEA. No entanto, como nos anos anteriores a FBCF apresentou desempenho pífio (-3%, em 2023), a base de comparação é muito baixa.
- Mesmo com a recuperação dos investimentos, a participação da FBCF no PIB continua deprimida – apenas 18,33% no segundo trimestre de 2024.
- Após o ótimo desempenho das exportações em 2023, puxado pela produção recorde da agropecuária e do extrativismo mineral, a contribuição do comércio internacional para o crescimento do PIB foi negativa nos dois primeiros trimestres de 2024.
- Pelo lado da oferta, puxado pelo consumo das famílias, o setor de serviços segue sendo um dos principais responsáveis pelo desempenho do PIB. O IPEA prevê alta de 3,4% no setor em 2024.
- Após anos de péssimo desempenho, a indústria registrou uma recuperação em 2024. Mas a variação positiva, tal como a FBCF, reflete muito mais uma melhora relativa devida à baixa base de comparação do que um desempenho pujante propriamente dito.
- A retomada da indústria é frágil. O desmonte do parque industrial torna muito limitada a possibilidade de retomada da indústria como motor da economia. Além disso, a elevação da taxa básica de juros compromete o crescimento econômico.
- O setor agropecuário, depois de ter apresentado um crescimento significativo em 2023, tem um ano ruim em 2024, diante das diversas crises climáticas que assolam o país. Assim, a previsão do IPEA é de que esse setor apresente queda no PIB em 2024.
- O que continua em 2024 no agro é a destruição que esse setor provoca nos biomas brasileiros e o impacto climático ambiental e na saúde da população brasileira.
- Para o segundo semestre, a perspectiva é de que o crescimento seja menos robusto, tanto em razão do novo ciclo de aumento das taxas de juros quanto pela projeção de que os gastos do governo sejam de menor monta.
- Resumindo, apesar de um cenário melhor do que o previsto, a expansão da economia é limitada, tanto por ser frágil e passível de reversão, como por não se traduzir em uma melhora significativa na vida dos trabalhadores.
- O reflexo dessa melhora limitada pode ser visto na avaliação da população. Pesquisa AtlasIntel, divulgada em 28/08, revela que para 47% dos entrevistados a situação da economia é ruim, resultado semelhante ao verificado em janeiro de 2024.
Emprego, desigualdades e crise social
1. O mercado de trabalho segue registrando números preocupantes no que se refere ao dinamismo da taxa de participação e no que diz respeito à População Economicamente Ativa (PEA).
2. A taxa de participação registrada em julho de 2024 não recuperou a do período anterior à pandemia. A População Economicamente Ativa, por sua vez, apresenta perda de dinamismo no último trimestre.
3. A redução do desemprego no período atual não tem relação com um suposto ciclo virtuoso da atividade econômica. Mas deve-se fundamentalmente à redução da taxa de participação no mercado de trabalho e à expansão de ocupações de baixíssima qualidade – duas questões marginalizadas do debate econômico.
4. Caso a participação no mercado de trabalho estivesse nos mesmos patamares de julho de 2019, o desemprego de julho de 2024 seria de 8,7% e não de 6,7%. Mais de 7 milhões de trabalhadores estariam desempregados.
5. A situação de desemprego é, portanto, ainda mais dramática na hipótese de somarmos parte dos mais de 18 milhões de subutilizados e demais setores fora do mercado de trabalho que têm pleno potencial de participação no mercado de trabalho.
6. A degradação estrutural das ocupações, a recuperação precária do mercado de trabalho e o aumento das transferências de recursos públicos para as famílias na forma de benefícios sociais são os fatores básicos que explicam o aumento da não-participação no mercado de trabalho.
7. As notícias de ocupações recordes propagadas pelo governo federal não esclarecem sobre a realidade brasileira. As ocupações formais geradas nos últimos tempos são basicamente postos de trabalhos de até 2 salários-mínimos.
8. A população informal registra seu maior número desde 2016. Cerca de 4 a cada 10 trabalhadores são informais na economia brasileira.
9. A distância entre o piso nacional e o salário-mínimo que cobriria as necessidades estabelecidas pela Constituição de 1988 é gigantesca. O salário-mínimo do trabalhador hoje representa míseros 21,4% do salário-mínimo necessário.
10. Se continuarmos com o ritmo de crescimento do piso nacional dos últimos 30 anos, coeteris paribus, o Brasil levará cerca de 240 anos para alcançar o mínimo necessário calculado pelo DIEESE.