Notas de Conjuntura – agosto 2024

Ainda que a economia mundial tenha evitado um mergulho recessivo, as contradições que bloqueiam a acumulação de capital permanecem presentes, sem que se vislumbre a mínima possibilidade de uma recuperação sustentável do crescimento. Sujeita a uma série de incertezas econômicas, financeiras, políticas, geopolíticas e climáticas, a economia global permanece na corda bamba. A expectativa de curto prazo é de que, na melhor das hipóteses, a economia mundial continue estagnada. No contexto global, a América Latina tem sido uma das regiões com pior desempenho econômico.

Em 2024, o crescimento da economia brasileira deve ficar entre 2,5% e 3%, acima do previsto no início do ano. Tal fato se deve a fatores conjunturais, como o aumento do consumo das famílias e a elevação do gasto público. Mesmo apresentando modesta expansão, os investimentos permanecem deprimidos e não há nenhuma perspectiva de expansão da produtividade do trabalho.

A recente iniciativa do Banco Central do Brasil de elevar a taxa de juros como meio de evitar um eventual repique da inflação, por decisão unânime dos membros do COPOM, quando a inflação se encontra rigorosamente sob controle, é uma evidência cabal de que o padrão de acumulação liberal-periférico imposto pelo Consenso de Washington na primeira metade da década de 1990 é incompatível com a expansão do mercado interno, o aumento do emprego, a distribuição de renda e o crescimento econômico.

Economia Mundial

1. Os organismos internacionais continuam confiantes na possibilidade de que a economia mundial supere a crise que bloqueia o crescimento sem um novo mergulho recessivo. Ultrapassando as previsões do início do ano, a expectativa do FMI é de que o PIB global cresça 3,2% em 2024, abaixo, contudo, da média histórica de 3,8% observada entre 2000 e 2019.

2. O maior dinamismo da economia mundial em 2024 deve-se basicamente ao crescimento acima do esperado dos Estados Unidos (2,6%) e da China (5,0%).

3. Os países da Zona do Euro, o Reino Unido e o Japão permanecem estagnados, com expansão anual prevista de apenas 0,9%, 0,7% e 0,7%, respectivamente.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

4. A OMC estima que o comércio internacional, após fraquíssimo desempenho em 2023, crescerá 2,6% em 2024, bem abaixo da vigorosa expansão verificada entre 1980 e 2007, período áureo da globalização dos negócios, quando o volume de comércio cresceu quase 6% a.a.

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

5. A fragmentação da economia mundial em blocos rivais e a escalada protecionista bloqueiam a possibilidade de um retorno aos anos de bonança do comércio internacional. O FMI registrou, apenas em 2023, mais de 3.000 novas restrições ao comércio, o triplo do ocorrido em 2019.

6. O melhor desempenho da economia global veio acompanhado de um expressivo arrefecimento da inflação. O Bird calcula que em 2024 a inflação média mundial fique em torno de 3,5%. 

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

7. Não obstante o fraco crescimento da economia mundial e a tendência à queda da inflação, os bancos centrais das economias desenvolvidas mantêm uma política monetária restritiva. Após alcançar a maior taxa de juros básica em 23 anos, somente em setembro o FED iniciou o movimento de redução gradual dos juros norte-americanos.

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

8. Mesmo tendo afastado o cenário recessivo, os organismos internacionais descartam a possibilidade de uma recuperação da economia mundial. O Bird estima que em 2024 e 2025 a expansão do PIB fique abaixo da média da segunda década dos anos 2000 (2,7% a.a.) em cerca de 60% dos países, regiões que contemplam mais de 80% da população e do PIB do planeta. 

9. O elevado patamar dos juros nas economias centrais e a tendência dos capitais de buscarem segurança diante das incertezas econômicas e geopolíticas aumentaram a vulnerabilidade externa das economias subdesenvolvidas. O Bird alerta que 40% das chamadas economias emergentes encontram-se sujeitas à crise de dívida externa.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

10. O Bird adverte que o desenvolvimento desigual da economia mundial tende a ampliar o hiato entre economias desenvolvidas e subdesenvolvidas. 

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

11. A avaliação convencional de que a economia mundial conseguirá evadir um mergulho recessivo não descarta a possibilidade de que a trajetória de um “pouso suave” seja atropelada pelas contradições que condicionam o sistema capitalista mundial.

12. A expansão do endividamento das corporações, instituições financeiras, famílias e governos nacionais é sintoma inequívoco de presença de um excedente absoluto de capitais sem perspectiva de valorização na esfera produtiva e, como consequência, da crescente necessidade de destruição de capitais – financeiro e produtivo.

Tabela

Descrição gerada automaticamente

13. O risco de que o acirramento das rivalidades nacionais possa intensificar a corrida protecionista e culminar com o agravamento da guerra na Ucrânia e no Meio Oriente tende a aprofundar a crise da ordem econômica internacional, provocando choques de preços de energia e produtos agrícolas, interrupção do comércio internacional, disrupções nas cadeias produtivas e instabilidades financeiras. 

14. As incertezas que pairam no horizonte são reforçadas pelos efeitos econômicos imprevisíveis do acelerado agravamento da crise ambiental, sobretudo na produção agrícola.

15. Por fim, a evolução da economia mundial fica pendente do desdobramento da grave crise política que abala a democracia liberal em praticamente todos os cantos do mundo, com destaque particularmente preocupante para o risco de mudanças abruptas no rumo da política econômica dos Estados Unidos com a possível vitória de Donald Trump.

16. Ainda que a política de administração da crise com intervenção fiscal e monetária tenha conseguido evitar que a tendência à destruição de capitais se manifeste de maneira plena, há sinais preocupantes de que a crise capitalista se aproxima de seu momento da verdade, colocando no horizonte próximo a possibilidade de recessão econômica e crise financeira sistêmica.

17. À exceção de 1966, desde 1955 a inversão das taxas de juros de curto e longo prazos dos títulos do governo norte-americano é um indicador confiável de que a economia norte-americana se encontra na iminência de uma recessão. Desde 1978, o prazo mais longo entre a inversão das taxas e o início da recessão foi de 22 meses em 2006 e, o mais curto, de 6 meses em 2019. Tal fenômeno está presente desde outubro de 2022 – a série mais longa de que se tem registro (24 meses).

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente
Gráfico

Descrição gerada automaticamente

18. A regra de Sham, desenvolvida para prenunciar a ameaça de recessão nos Estados Unidos, também alerta para o risco de o pouso da economia não ser suave. Em agosto de 2024, a taxa média móvel de desemprego dos últimos três meses tinha superado em mais de 0,5 ponto percentual (exatamente 0,57) a menor taxa média móvel de três meses dos últimos doze meses, indicando a proximidade da recessão.

19. Ainda que até junho os indicadores de consumo tenham sido positivos, a tendência recessiva é reforçada pelos indícios de arrefecimento do consumo das famílias, o principal componente da demanda agregada responsável pela expansão da economia norte-americana nos últimos anos. Entre os indicadores de exaustão da capacidade de gasto das famílias, destacam-se: a redução da poupança das famílias; o atraso no pagamento de cartão de crédito e prestações de consumo e automóveis; a elevação da dívida das famílias; a contração nos gastos dos consumidores de baixa renda; e a moderação da demanda dos serviços da Disney, Airbus, Amazon, McDonalds, Walmart, Big Lots e Pepsi Co.

20. Para além dos sinais de proximidade da recessão, a crise capitalista é estruturalmente condicionada pela depressão da taxa de lucro, que paralisa os investimentos e ameaça a sobrevivência das empresas. À exceção das megacorporações que controlam as grandes empresas de tecnologia, redes sociais e energia, as corporações não financeiras norte-americanas apresentam taxa de lucro particularmente baixa. Michael Roberts lembra que se estima que 50% delas estariam dando prejuízo.

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: FRED, cálculo de Michael Roberts

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Fonte: FRED, cálculos de Michael Roberts

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

Fonte: FRED, cálculos de Michael Roberts

21. A situação precária das empresas fica evidente quando se constata que, no início de 2024, quase 30% das corporações globais tinham registrado atraso no pagamento de dívidas – a maior marca desde 2009.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

22. Em 2023, o percentual de “empresas zumbis”, dentre as 3.000 acompanhadas pela Bloomberg, que não geravam receita suficiente para cobrir o serviço da dívida encontrava-se em patamar assustadoramente elevado.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente

América Latina

1. A expectativa da CEPAL é que o crescimento da América Latina e do Caribe seja de 1,8% – apenas 56% da média mundial.

Tabela

Descrição gerada automaticamente

2. Posta em perspectiva, a economia latino-americana encontra-se estagnada. Entre 2015 e 2024, a taxa média de crescimento da região foi de 0,9% a.a., menor do que a registrada na chamada “década perdida” de 1980 (1,3% a.a.).

3. A crise econômica congelou a renda per capita regional, cuja magnitude no 1º trimestre de 2024 (US$ 2040) encontrava-se no mesmo patamar do primeiro trimestre de 2014.

4. Em termos conjunturais, a economia latino-americana encontra-se em franca desaceleração. Pelo quarto trimestre consecutivo, a taxa de crescimento é inferior à do período anterior.

Gráfico, Gráfico de barras

Descrição gerada automaticamente
Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

5. O baixo dinamismo da economia latino-americana é reflexo tanto da contração do consumo das famílias e da redução dos investimentos quanto do fraco desempenho das exportações. Não fora a expansão dos gastos público, o crescimento da região seria ainda menor.

Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

6. O baixo crescimento da economia regional condicionou o fraco desempenho do mercado de trabalho. A CEPAL calcula que, entre 2014 e 2023, o aumento médio do número de ocupados foi de 1,3% – 1/3 do registrado nos anos 1970 (3,9%).

7. A elevação da proporção dos empregos informais na composição da ocupação é sintoma inequívoco de precarização do mercado de trabalho. A CEPAL informa que, enquanto o número de ocupados cresceu 10% entre 2013 e 2022, os empregos informais cresceram 18,6% e os formais apenas 3,3%.

8. Aprofundando a heterogeneidade estrutural das economias latino-americanas, os empregos concentram-se nos setores econômicos de baixa produtividade, como serviços e construção civil. Em 2024, a produtividade do emprego na região encontra-se no mesmo patamar da registrada em 1980.

Gráfico, Gráfico de barras, Gráfico de cascata, Gráfico de caixa estreita

Descrição gerada automaticamente

9. A inflação apresenta clara tendência de desaceleração na América Latina. Após registro de uma inflação média de 9,2% em junho de 2022, a mediana da taxa da inflação na região caiu para 3,9% em meados de 2024.

Gráfico

Descrição gerada automaticamente

10. A redução do ritmo de aumento do nível geral de preços deve-se fundamentalmente à queda dos preços de alimentos e energia nos mercados internacionais.

Tabela

Descrição gerada automaticamente
Gráfico, Histograma

Descrição gerada automaticamente

Brasil

Atividade econômica

  1. Com crescimento de 2,9% no acumulado do ano e 2,5% na comparação acumulada dos últimos 12 meses, a economia brasileira cresceu acima do esperado nos dois primeiros trimestres de 2024. A projeção do mercado e do IPEA é que o crescimento do PIB em 2024 fique entre 3% e 3,5%.
  1. O resultado surpreendeu ainda mais considerando-s a tragédia climática ocorrida no RS no segundo trimestre, que gerou incerteza em relação à sua repercussão na atividade econômica.
  1. No entanto, os impactos negativos da catástrofe climática foram significativos apenas em maio, sendo seguidos de forte crescimento já em junho.
  1. A rápida retomada do nível de atividade foi possibilitada em grande medida pelo auxílio prestado pela União ao RS, com R$ 15,7 bilhões pagos em maio e junho e quase R$ 40 bilhões adicionais previstos para o ano como um todo.
  1. O crescimento da economia no primeiro semestre de 2024 foi puxado pelo melhor desempenho do mercado de trabalho e pelo crescimento dos gastos públicos sociais, que desde 2022, quando Bolsonaro aumentou significativamente os valores repassados aos programas de transferência de renda.
  1. Segundo o IPEA, os benefícios oferecidos pela União às pessoas com INSS, Bolsa Família, BPC, abono salarial e seguro-desemprego, entre outros, foram responsáveis por 13,1% do PIB nos doze meses acumulados entre julho de 2023 e junho de 2024, contra 11,89% do PIB nos doze meses imediatamente anteriores.
  1. Além do aumento da renda disponível das famílias, as melhores condições de acesso ao crédito potencializaram o consumo das famílias – o principal impulsionador da economia em 2024.
  1. Os gastos do governo, puxados pelas despesas dos estados e, principalmente, dos municípios, também contribuíram para o melhor desempenho da economia.
  1. Por fim, a economia brasileira beneficiou-se da recuperação dos investimentos. A FBCF registrou crescimento de 5,1% no ano, na comparação interanual, segundo o IPEA. No entanto, como nos anos anteriores a FBCF apresentou desempenho pífio (-3%, em 2023), a base de comparação é muito baixa.
  1. Mesmo com a recuperação dos investimentos, a participação da FBCF no PIB continua deprimida – apenas 18,33% no segundo trimestre de 2024.
  1. Após o ótimo desempenho das exportações em 2023, puxado pela produção recorde da agropecuária e do extrativismo mineral, a contribuição do comércio internacional para o crescimento do PIB foi negativa nos dois primeiros trimestres de 2024.
  1. Pelo lado da oferta, puxado pelo consumo das famílias, o setor de serviços segue sendo um dos principais responsáveis pelo desempenho do PIB. O IPEA prevê alta de 3,4% no setor em 2024.
  1. Após anos de péssimo desempenho, a indústria registrou uma recuperação em 2024. Mas a variação positiva, tal como a FBCF, reflete muito mais uma melhora relativa devida à baixa base de comparação do que um desempenho pujante propriamente dito.
  1.  A retomada da indústria é frágil. O desmonte do parque industrial torna muito limitada a possibilidade de retomada da indústria como motor da economia. Além disso, a elevação da taxa básica de juros compromete o crescimento econômico.
  1. O setor agropecuário, depois de ter apresentado um crescimento significativo em 2023, tem um ano ruim em 2024, diante das diversas crises climáticas que assolam o país. Assim, a previsão do IPEA é de que esse setor apresente queda no PIB em 2024.
  1. O que continua em 2024 no agro é a destruição que esse setor provoca nos biomas brasileiros e o impacto climático ambiental e na saúde da população brasileira.
  1. Para o segundo semestre, a perspectiva é de que o crescimento seja menos robusto, tanto em razão do novo ciclo de aumento das taxas de juros quanto pela projeção de que os gastos do governo sejam de menor monta.
  1. Resumindo, apesar de um cenário melhor do que o previsto, a expansão da economia é limitada, tanto por ser frágil e passível de reversão, como por não se traduzir em uma melhora significativa na vida dos trabalhadores.
  1. O reflexo dessa melhora limitada pode ser visto na avaliação da população. Pesquisa AtlasIntel, divulgada em 28/08, revela que para 47% dos entrevistados a situação da economia é ruim, resultado semelhante ao verificado em janeiro de 2024.
Gráfico, Gráfico de linhas

Descrição gerada automaticamente

Emprego, desigualdades e crise social

1. O mercado de trabalho segue registrando números preocupantes no que se refere ao dinamismo da taxa de participação e no que diz respeito à População Economicamente Ativa (PEA).

2. A taxa de participação registrada em julho de 2024 não recuperou a do período anterior à pandemia. A População Economicamente Ativa, por sua vez, apresenta perda de dinamismo no último trimestre.

3. A redução do desemprego no período atual não tem relação com um suposto ciclo virtuoso da atividade econômica. Mas deve-se fundamentalmente à redução da taxa de participação no mercado de trabalho e à expansão de ocupações de baixíssima qualidade – duas questões marginalizadas do debate econômico.

4. Caso a participação no mercado de trabalho estivesse nos mesmos patamares de julho de 2019, o desemprego de julho de 2024 seria de 8,7% e não de 6,7%. Mais de 7 milhões de trabalhadores estariam desempregados.

5. A situação de desemprego é, portanto, ainda mais dramática na hipótese de somarmos parte dos mais de 18 milhões de subutilizados e demais setores fora do mercado de trabalho que têm pleno potencial de participação no mercado de trabalho.

6. A degradação estrutural das ocupações, a recuperação precária do mercado de trabalho e o aumento das transferências de recursos públicos para as famílias na forma de benefícios sociais são os fatores básicos que explicam o aumento da não-participação no mercado de trabalho.

7. As notícias de ocupações recordes propagadas pelo governo federal não esclarecem sobre a realidade brasileira. As ocupações formais geradas nos últimos tempos são basicamente postos de trabalhos de até 2 salários-mínimos.

8. A população informal registra seu maior número desde 2016. Cerca de 4 a cada 10 trabalhadores são informais na economia brasileira.

9. A distância entre o piso nacional e o salário-mínimo que cobriria as necessidades estabelecidas pela Constituição de 1988 é gigantesca. O salário-mínimo do trabalhador hoje representa míseros 21,4% do salário-mínimo necessário.

10. Se continuarmos com o ritmo de crescimento do piso nacional dos últimos 30 anos, coeteris paribus, o Brasil levará cerca de 240 anos para alcançar o mínimo necessário calculado pelo DIEESE.

GEFF - Conjuntura Econômica

Grupo de Estudos Florestan Fernandes - Conjuntura Econômica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *